Você sabe que tem a grande história da sua vida, sua principal jornada, com início, meio e fim. Nascimento, crescimento e morte. E tem várias pequenas e médias histórias dentro dela, de pequenos, médios e grandes projetos.
São desafios que você se coloca para mudar de patamar: escrever um livro, conseguir um diploma, um emprego ou um casamento, mudar para um lugar diferente ou de vida.
O que você talvez não saiba é que, por eles e dentro deles, você passou pelos seguintes estágios:
- Você está em seu mundo tranquilo, com parentes, amigos, colegas de estudo ou trabalho.
- Alguma coisa te impulsiona a querer mudar, a precisar mudar.
- Você resiste sobre essa necessidade, porque não sabe se quer ou se vale a pena.
- Você enfrenta o desafio da mudança e sai da sua vidinha, da sua zona de conforto.
- Você busca aliados, luta, consegue suas primeiras conquistas, mas também as primeiras dificuldades.
- No meio da sua história, da sua vida ou de seu projeto, você está no fundo do poço. Sente-se desanimado e questiona se vale à pena vencer ou se convém desistir.
- Você descobre uma saída, uma alternativa, uma muleta ou uma alavanca para sair do fundo e continuar lutando.
- Você luta, vence e aprende que a vitória tem vantagens e riscos, você ganha mas também perde, coisas, amigos, amores.
- Você chega então ao ponto em que precisa decidir por um de dois caminhos e assumir riscos e perdas.
- Sua escolha começa a dar resultados, bons ou maus, que lhe darão sucesso ou fracasso, mas, ambos, aprendizado.
- Você comemora ou aceita o resultado, se ele for ruim, e…
- Volta para aquele mundo e aquela zona de conforto, mas agora totalmente renovados, em que se sente mais experiente e mais seguro.
É um padrão cíclico que, sabe-se hoje, se repete na vida de todo grande mito e dos grandes personagens que você admira, na vida real, nos livros ou no cinema.
E explica porque você tem grande afinidade com eles. Você está projetando você mesmo.
Freud e Young e todos os outros psicólogos explicam. E o que explica o sucesso dos best-sellers e dos campeões de bilheteria é que eles se conectaram com seus desejos, medos e superações.
Não foi à toa, acidente ou improviso. Esse rito de passagem foi descoberto por cientistas, depois adaptado e desenvolvido por técnicos da arte do roteiro que influenciaram os grandes filmes de Hollywood.
Senão, vejamos.
A jornada de Campbell e Vloger
O achado é de Joseph Campbell, antropólogo norte-americano estudioso da obra de James Joyce e em especial de Finnegan’s Wake, de onde foi tirou a expressão “monomito”.
A partir dele, criou o conceito da Jornada do Herói em seu livro O Herói de Mil Faces (The Hero with A Thousand Faces), de 1949, que se repetiria na saga dos grandes mitos clássicos, Jesus, Maomé, Buda, Osíris ou Prometeu.
Em comum entre eles e todos os grandes mitos estariam três estágios — Partida, Iniciação e Retorno — que se desdobram em 12 passos de mudança, provação e aprendizado.
Sua divisão literal é a seguinte:
- Partida, separação
- Mundo cotidiano
- Chamado à aventura
- Recusa do Chamado
- Ajuda Sobrenatural
- Travessia do Primeiro Limiar
- Barriga da baleia
- Descida, Iniciação, Penetração
- Estrada de Provas
- Encontro com a Deusa
- A Mulher como Tentação
- Sintonia com o Pai
- Apoteose
- A Grande Conquista
- Retorno
- Recusa do Retorno
- Voo Mágico
- Resgate Interior
- Travessia do Limiar
- Senhor de Dois Mundos
- Liberdade para Viver
Veja que eles se encaixam na estrutura básica de narrativa clássica (Apresentação, Desenvolvimento, Resolução) e, como se verá mais adiante, nos ritos de passagem que estão na sua história de vida e nos mitos de ficção que você admira.
Por quê?
Na década de 70, um roteirista e executivo de Hollywood, Christopher Vogler, desenvolveu uma adaptação que apresentou aos estúdios Disney, com fortes consequências.
Seu memorando alinhava os 12 passos do herói cinematográfico, no argumento de que, se servia para explicar o poder dos mitos sobre a percepção humana, só poderia ser vir muito bem para os heróis dos filmes.
Sua estrutura, colada na de Campbell, é a seguinte:
- Mundo Comum – O mundo normal do herói antes da história começar.
- O Chamado da Aventura – Um problema se apresenta ao herói: um desafio ou a aventura.
- Reticência do Herói ou Recusa do Chamado – O herói recusa ou demora a aceitar o desafio ou aventura, geralmente porque tem medo.
- Encontro com o mentor ou Ajuda Sobrenatural – O herói encontra um mentor que o faz aceitar o chamado e o informa e treina para sua aventura.
- Cruzamento do Primeiro Portal – O herói abandona o mundo comum para entrar no mundo especial ou mágico.
- Provações, aliados e inimigos ou A Barriga da Baleia – O herói enfrenta testes, encontra aliados e enfrenta inimigos, de forma que aprende as regras do mundo especial.
- Aproximação – O herói tem êxitos durante as provações
- Provação difícil ou traumática – A maior crise da aventura, de vida ou morte.
- Recompensa – O herói enfrentou a morte, se sobrepõe ao seu medo e agora ganha uma recompensa (o elixir).
- O Caminho de Volta – O herói deve voltar para o mundo comum.
- Ressurreição do Herói – Outro teste no qual o herói enfrenta a morte, e deve usar tudo que foi aprendido.
- Regresso com o Elixir – O herói volta para casa com o “elixir”, e o usa para ajudar todos no mundo comum.
George Lucas adotou o modelo em Star Wars, um filme de espaço que não havia motivado o interesse de outros estúdios, inventou com ele o filme arrasa-quarteirão e provocou profundo impacto na indústria cinematográfica.
A Disney adotou o modelo em outros que viriam a se tornar campeões de bilheteria — A Pequena Sereia e Mulan — e, desde então, filmes e roteiros nunca mais foram os mesmos. Rocky e Matrix, dois filmes icônicos das décadas seguintes, são dois maiores exemplos.
Contribuiu fortemente para isso, porém, o trabalho de outro grande especialista, em que a ideia da Jornada do Herói iria se associar à de Pontos de Virada, com impactos ainda maiores e mais perceptíveis.
O ponto de virada de Syd Field
Considerado o pai roteiro moderno, Syd Field fez um trabalho de cientista tão revolucionário quanto o de Campbell, ao analisar mais de 2 mil roteiros e descobrir nos 40 melhores deles um padrão comum que se encaixa à perfeição à jornada do mito.
Como Campbell, descobriu neles, bem definidos, os três estágios principais:
- O da Apresentação, em que se apresentam o personagem, sua premissa e seu problema;
- o da Confrontação, em que enfrenta os problemas; e…
- o da Resolução, que encaminha a solução.
Os dois Pontos de Virada viriam ao final dos dois primeiros, nos pontos em que, após a Apresentação, sai da zona de conforto, e, após a Confrontação, tem que decidir para onde vai.
Com base em suas observações, um passeio pelos grandes filmes dos anos 70 que está em seu ainda não superado Manual do Roteiro, propôs três atos:
Ato I, Apresentação – Em que se apresenta o personagem em seu ambiente e se acena com algum acontecimento que vai tirá-lo de sua zona de conforto e jogá-lo em novo mundo. Termina no…
Ponto de Virada 1 – Em que um acontecimento muito relevante o empurra, querendo ou não, para outro mundo e seus perigos.
Ato II, Confrontação – Em que se desenrola a maior parte do ação. Ele vai enfrentar todas as dificuldades, que vão se complicando até chegar ao fim do Ato II e o…
Ponto de Virada II – Em que alguma ação marcante vai sinalizar para a possibilidade de solução.
Ato III, Resolução – Em que se desenvolve a solução, ainda que com alguns percalços.
Chegou a criar um modelo matemático, em que, com base em suas observações, os pontos de virada deveriam ocorrer aos 25% e aos 75% do filme, 25 e 75 minutos de um roteiro de 100.
>>> Veja meu artigo Os Pontos de Virada em três roteiros do Oscar
Como se vê, as percepções de Campbell e Field não derivaram de invenções de nada, mas de observação, como Darwin em A Origem das Espécies.
Sentiram o âmago de sentimentos que estão dentro da história, involuntários e inconscientes, porque respondem a impulsos humanos e inspiram outros humanos.
Por isso se encaixam, por isso são tão fortes.
Então, se quer contar sua história de forma envolvente, basta olhar para sua. Se for difícil, veja os filmes que são marcos dessas descobertas e tente ir cronometrando para ver como a vida dos grandes se desenvolve.
Vai se surpreender de ver que a sua também. E que, no meio do poço, sempre haverá uma alavanca para tirar de lá.
[…] O que a você sua história têm a ver com a jornada do herói e os pontos de virada […]