Aqui, a transcrição do vídeo:
O presidente do STF Dias Toffoli abriu em março o inquérito para apurar eventuais agressões ao Supremo, com um tremendo contorcionismo jurídico.
O artigo 43 do regimento interno do STF, em que ele se baseou, se refere à gestão da polícia interna do Supremo.
Prevê o inquérito em caso de haver infração penal dentro da sede do tribunal e se houver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição. Ou seja: autoridade ou pessoa que tenha ou esteja submetida à competência do tribunal. Ao foro do tribunal.
O artigo lhe dá autoridade para presidir o inquérito ou delegar a outro ministro. O que explica por que ele delegou a Alexandre de Moraes e não distribuiu por sorteio, porque parece que não é o caso, aqui, de um relator de processo. Mas de um ministro incumbido.
Num contorcionismo, ele e seu ministro incumbido resolveram extrapolar para ofensa ocorrida em qualquer lugar, por qualquer um, independente de ser ou não sujeita à competência do tribunal, como se cada ministro fosse o tribunal em si.
Sem a participação do Ministério Público, sem contraditório, num caso esquisitíssimo que assusta até estagiários de Direito: um juiz de última instância investiga, processa, julga e pune, sem dar satisfação a ninguém. Se ele estiver errado, a qual Corte recorrer?
Quando o inquérito foi aberto, até se vez vista grossa ao que seriam razões de Estado para defender a honra da Corte, dada a irresponsabilidade da guerra virtual e desonesta na internet. As tais fake news e gente pregando a derrubada do regime com o Supremo junto.
Mas aí veio o episódio dessa segunda-feira. Alexandre de Moraes censurou a revista Crusoé que citava o codinome de Toffoli nas conversas da Odebrecht. No mesmo dia, expediu mandados de busca e apreensão na casa de internautas e, por fim, nesta terça, ignorou a manifestação da procuradora geral Raquel Dodge pelo arquivamento inquérito, que estaria todo errado.
O que acabou autorizando a plateia a achar que não eram só santas as intenções do presidente do STF, encampadas meio acriticamente por seu ministro incumbido, quando abriu o inquérito.
Pela honra do tribunal
Tudo somado, o inquérito e a sequencia de ações furibundas desses últimos dois dias indicam que o presidente da Corte pode estar mais interessado é em ter uma carta no colete para assustar os seus adversários. Que seriam os que, dentro ou fora do Judiciário, podem querer levantar algumas histórias mal explicadas de seu passado.
A gente sabe que ele e alguns ministros do Supremo estão certos, e não sem razão, de que alguns promotores da Lava Jato estão a fim de ferrá-los. E sabemos também que há método em alguns deles para fazer delatores dizerem o que querem. E não seria difícil falar sobre alguma coisa de verões passado de Dias Toffoli.
Dias Toffoli tem pelo menos três casos mais visíveis, pendentes de melhores explicações, camufladas por certa conveniência da grande imprensa e pelo silêncio de pelo menos uma delação premiada que não veio totalmente a público.
- No primeiro caso, tem esse de ser chamado de “o amigo do amigo do meu pai”, nas conversas da Odebrecht, porque teria participado de gestões da empreiteira dentro da Advocacia Geral da União, durante o governo Lula.
- No segundo caso, tem a reforma de sua casa em Brasilia pela OAS de Léo Pinheiro, fornecedora do petrolão, que consta de uma delação que não ganha a luz do dia.
- No terceiro, o depósito de 100 mil mensais em sua conta no Banco Mercantil, recebidos de sua mulher atual para pagar pensão a sua ex-mulher, com 50 mil de troco para suas despesas pessoais.
Quando há uns dois anos Toffoli apressou os trâmites para soltar seu ex-chefe José Dirceu, condenado em segunda instância, a crônica de Brasília cochichava que ele poderia estar atuando sob risco de a falta de gratidão ao chefe acarretar informações comprometedoras do tempo em que atuavam juntos na Casa Civil.
Então, experiente macaco velho que passou pela assessoria do Legislativo e e foi peça importante durante as reviravoltas mais rocambolescas do governo Lula, Toffoli é esperto para saber que precisa ter uma arma para assustar seus adversários, que podem ser muitos e ter muitos motivos.
Ditadura judicial
Surpreende que Toffoli tenha chegado onde chegou e, tendo chegado, tenha ido tão longe a ponto de colocar o país na boca de uma ditadura judicial, sem que haja alguém no horizonte para detê-lo.
Tirando a procuradora geral Raquel Dodge, que fez sua parte ao pedir o arquivamento do inquérito como recusa a atuar nas acusações, restaria o contrapeso do Senado e do Executivo, nas pessoas dos presidentes Davi Alcolumbre e Jair Bolsonaro.
O problema é que Alcolumbre, providencialmente fora de cena desde essa segunda-feira da confusão, tem processos em andamento no Supremo e não convém criar problemas com quem pode facilitar sua vida lá dentro. Já mandou arquivar mais de uma vez o pedido de CPI da Lava Toga que não interessa a toda a cadeia do Judiciário, Supremo no topo.
O presidente Jair Bolsonaro já emitiu muitos sinais de boa vizinhança com Toffoli, principalmente depois que seu filho e senador Flávio caiu na desgraça de ser apanhado contratando e mantendo funcionários fantasmas em troca de devolução do salário.
Muito sintomaticamente, Flávio é um dos principais adversários da ideia de criar a CPI. Como seu irmão e deputado Eduardo, que veio a público condenar em temos protocolares a escalada truculenta de Alexandre, com a ressalva de que não conhece devidamente os motivos do Supremo.
Quer dizer: desconfio que Toffoli sabe muito bem qual é a casa de marimbondo em que está mexendo e transita com certo ar de impunidade, porque conhece seus adversários, sabe das razões de todo mundo, dos interesses múltiplos de uma cúpula de poder onde todos são meio cúmplices.
O problema desses país de chuteiras que todo mundo deve a todo mundo e é melhor ter armas nas mãos, como um inquérito ou uma boa CPI.
A ver onde vai dar. Desconfio que Toffoli só recua quando estiver seguro de que seus adversários, como a revista Crusoé, estejam sob controle. Ou com o devido medo.
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