Nessa semana, dois levantamentos divulgados por O Globo e a Folha de S. Paulo colocaram em questão a influência do Twitter e comprovaram que o apoio ao presidente Jair Bolsonaro no carro chefe de suas redes sociais tem algo de débil, manipulado e deformador.
O de O Globo comprovou a força de um pequeno grupo de influenciadores e propagadores para colocar no topo dos assuntos mais comentados a defesa de temas ou de campanhas difamatórias que interessam ao governo.
Menos de 10% dos comentaristas dos três assuntos pesquisados — a defesa da viagem do presidente aos EUA e os ataques a uma repórter do Estadão e à nomeação de uma cientista política para o Ministério da Educação — foram os responsáveis por turbinar o suficiente para alavancá-los.
Em números: das cerca de 435 mil postagens sobre os três assuntos, feitas por 61 mil perfis, só 9% deles (5.843 perfis) tuitaram 38% (160 mil) das postagens. Só um, @gomes28774783, fez 3.170 publicações entre 9 e 27 de março. Em alguns casos, até 16 postagens por minuto.
A forte suspeita de atuação de robôs foi levantada por técnicos do laboratório de cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo, responsável pelo levantamento, e pelo próprio jornal. A redação pediu ao Twitter informações sobre os 20 perfis mais suspeitos. Três foram cancelados pela rede social.
Já o levantamento da Folha sobre 385 postagens feitas nos primeiros 70 dias de governo detectou ampla preferência de seus seguidores por ataques, críticas e confissões pessoais do presidente, longe dos superiores interesses do governo.
No topo de seus trending topics do período, os assuntos mais curtidos foram o video escabroso do carnaval (161 mil likes), votos de feliz ano novo (154 mil) e crítica ao obscuro ator americano Kevin McHale, que o acusou de censurar seu filme sobre cura gay, Boy Erased (145 mil).
Dos dez tuítes mais curtidos, só um não tratava de críticas e temais pessoais, o nono colocado, com 105 mil likes, sobre a troca da secretaria da Diversidade pela de Alfabetização no MEC.
Embora não tenha sido intenção do jornal, o estudo da repórter Marina Cubas confirma o que interessa aqui e é mais que sabido entre os que fazem análise de presença digital na internet.
Que o engajamento com um perfil é quase irrisório em relação ao volume de seguidores. E que é muito mais razoável se falar numa bolha de fiéis convencidos do que numa forte influência dessa sua blitzkrieg na vida política nacional.
Bolha da internet
Os 161 mil likes de seu tuíte mais empolgante, sobre o vídeo do carnaval, correspondem a menos de 5% dos 3,4 milhões de seguidores nessa rede.
Por culpa dos algoritmos e do fato de que todo mundo tem seguidores e seguidos a curtir, é sabido pelos analistas de redes sociais que o engajamento gira em torno de apenas 3% do total de seguidores.
Marqueteiros digitais têm uma regra segundo a qual de 100 pessoas interessadas em um produto através de mídias sociais, três se envolverão intensamente com informações sobre ele e apenas uma comprará.
Tanto o volume de fãs e seguidores importa pouco que a aprovação ao presidente, nos primeiros dois meses de governo, caiu na proporção inversa de seu crescimento no Twitter. Ganhou mais 600 mil seguidores entre 1º de janeiro e 1º de março, enquanto sua aprovação de ótimo/bom caiu 15% na média das pesquisas divulgadas.
O Antagonista, o site engajado contra o petismo que foi um dos grandes responsáveis por turbinar sua campanha, está convencido como eu de que a força decantada do presidente nas redes é um blefe.
Em sua coluna na Crusoé, o sócio Diogo Mainardi tem levantado como prova que a campanha promovida no submundo da internet contra o site, depois que ele passou a criticar o governo, só fez estragos num primeiro momento.
Diogo admite que, quando o site passou a noticiar as estripulias do senador Flávio Bolsonaro na contratação de fantasmas na Assembleia do Rio, o time de guerrilheiros virtuais a serviço do irmão Carlos “emporcalharam”, na sua expressão, a sua caixa de comentários.
O site perdeu uma quantia significativa de seguidores, de um montante provavelmente inflado pela campanha eleitoral. Passada a onda de irracionalidade, porém, retomou seu crescimento e voltou à sua média que atingiu surpreendentes 15 milhões de visitantes únicos em fevereiro, quase metade dos 37 milhões da Folha.
(Sua Crusoé, como já escrevi aqui, saltou para 70 milhões de assinaturas, em menos de dez meses de vida.)
Popularidade versus engajamento
O traço, o quadro e a prova são sinais para os quais o presidente deveria atentar. Vai perceber que a solução para conter a queda livre de sua popularidade pode não ser onde está buscando.
É mais que sabido que ele prefere o apoio da sua base de seguidores fiéis nas redes sociais, no Twitter principalmente, do que o das tradicionais que sustentam os governos, no Congresso e na imprensa.
Ter ganho as eleições com eles, gastando miseravelmente e ao arrepio do establishment jornalístico como nunca antes, tem se comportado como refém deles, na linha inversa do que o Congresso e a imprensa defendem.
Mais para o mal do que para o bem, tem definido as prioridades do governo por eles ou se omitido em temas espinhosos para não contrariá-los. Seu apoio periclitante à reforma da Previdência é o melhor exemplo de como age para não assumir algo que pode romper essa lealdade.
O problema é que ainda não há indicativos fortes, pelo contrário, de que as redes sociais sejam mais determinantes para a popularidade de um governante do que os meios tradicionais de legitimidade do que é aceito, repercutido e aprovado pela sociedade, o Congresso e a imprensa esclarecida.
Com razão ou não, nada faz mais estrago à autoridade — e por extensão à popularidade — do presidente da República do que a trincheira hostil do Congresso. Bastou que começasse a funcionar em fevereiro com um Rodrigo Maia disposto a dividir o protagonismo, para o governo sentir o tamanho de sua impotência.
Não interessa se o congresso é ruim ou bom, cheio ou vazio de picaretas. Importa que tem poder suficiente para barrar as pretensões do governo e dizer quem manda. Em menos de 60 dias na cadeira de presidente da Câmara, Rodrigo Maia deixou claro que a pauta com que o presidente se elegeu está agora em suas mãos.
Na sua cruzada, mostrou que é até capaz de acuar as redes sociais e quem está por trás de seus impulsionamentos mais ostensivos. O filho Carlos, assessor informal para as redes, sumiu. Eduardo está mais contido. O presidente está falando de temas pessoais.
A grande imprensa não derruba mais, como no passado, e passou a andar de saia justa diante da contestação compulsiva de seus métodos e suas informações. Mas nunca perdeu o papel de pautar o que público que e arrastar com elas os atores principais.
Maia não cresceu só por seus méritos, mas por instintiva combinação com os interesses da imprensa, que, por sinal, são os mesmos seus contra as redes.
Ainda que se alimente das redes, é ela que as alimenta. E continua com o poder de absorver o que lhe interessa, separar o joio do trigo para publicar o joio, como sempre fez, e alimentar o tal inconsciente coletivo. Um minuto do Jornal Nacional ainda vale mais do que todas as bolhas somadas.
(Um exemplo a merecer análise e um artigo mais profundos é a relação com Olavo de Carvalho, o guru da ideologia do governo. Embora seja um voz respeitável de conteúdo altamente pertinente sobre como pensar o país, é figura marginal do noticiário, tanto na quantidade de pixels quanto no deboche ostensivo ou subliminar com que é tratado. Olavo ainda é, por decisão da grande imprensa, imerecidamente, uma figura que ainda não furou a sua bolha.)
No resumo da ópera, o que faz diferença para os governos é criar fatos pertinentes em cima de propostas reais de interesse público e ter capacidade de articular apoios para aprová-los. Em se fazendo, congresso vai junto, imprensa e redes sociais vão atrás.
Essas são ótimas para campanhas, a favor ou contra, mais competentes ainda para denegrir. Mas, no governo, só atrapalham. Porque — outro tema para outro artigo — governar implica em conciliar ideias opostas e não propagar obsessões, como é da natureza delas.
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