Todos os grandes veículos de imprensa, numa estratégia aparentemente afinada, decidiram abrir espaço permanente para corrigir os erros das redes sociais e contribuir para evitar a disseminação das maldades que violentam reputações e envenenam o debate nacional.
“Me engana que eu posto”, para ficar num só exemplo feliz, é o ótimo título da seção criada pelo site da Veja.
Mas, e quando são eles mesmos que criam e dão o start nas fake news que vão turbinar as redes anti-sociais?
- Todos manchetearam que “Ciro Gomes xingou e deu um empurrão num jornalista em Roraima”. Uma rápida olhada no vídeo dentro da matéria é suficiente para perceber que foi um chega-pra-lá até bem humorado num provocador a serviço de seu adversário na região, Romero Jucá.
Com os dias, manchetes e conteúdos foram se ajustando, até os jornais admitirem que, de fato, não foi um empurrão e nem o sujeito era jornalista.
Mas, até aí, a má fama do candidato que deita na cama já tinha aumentado mais uns decibéis nas redes. - Também manchetearam, de forma quase que orquestrada no modelo de hoje em que as manchetes de todos os jornais parecem editadas pela mesma pessoa, que “General Mourão diz que família de mães e avós é fábrica de desajustados”.
O conteúdo das matérias não autoriza a generalização. Contextualiza melhor que o vice do líder nas pesquisas, Jair Bolsonaro, se referia na verdade a pesquisas e farta literatura existentes sobre o fato inquestionável de que famílias desestruturadas, sem a autoridade paterna, têm mais dificuldade encaminhar bem os filhos.
Com os dias, o conteúdo foi se sobrepondo à manchete, mas já era tarde. Os jornais já haviam dado o título que alimenta a maledicência das redes. - Idem o caso do indulto de Lula. Uma declaração do petista Fernando Pimentel no interior de Minas autorizou a mancheteada sobre a certeza de que, eleito, o companheiro de partido Fernando Haddad indultaria o ex-presidente no primeiro dia de governo.
Nos dias seguintes, o candidato suou nas entrevistas e sabatinas para reverter o noticiário do que nunca dissera/prometera. Ressalvada sua posição, o estrago também já estava feito e multiplicado.
Num exemplo de anteontem, o economista de Bolsonaro, Paulo Guedes, foi mancheteado que vai recriar a CPMF, o mais antipático dos impostos nacionais.
Desde ontem e até o momento em que escrevo, ele pena para debulhar sua proposta e explicar, até para seu candidato, que a coisa não é bem assim — é uma unificação de impostos mais complexa etc e tal — para reduzir o impacto no mundo virtual do que não disse, ou disse em determinado contexto, no mundo real.
O que difere as fake news da grande imprensa com as das redes sociais é que não são produto de má-fé.
Há uma cadeia de problemas decorrentes do estágio de penúria e redução de pessoal que agravaram os vícios e a natureza apressada da indústria jornalística: apuração rasa, destaque para frases fora de contexto, manchetes simplificadoras e tanto quanto possível impactantes.
Seria impensável que a primeira manchete sobre o incidente com Ciro, já devidamente apurada, fosse algo como: “Ciro dá chega-pra-lá bem humorado em provocador de seu adversário”. Ou, no caso de Mourão: “Vice de Bolsonaro diz que famílias desestruturadas, em determinadas situações, podem gerar delinquentes”. Ou ainda de Haddad: “Pimentel atribui indulto a Lula que Haddad não confirma se for eleito”.
Que graça e impacto teriam manchetes assim?
Outra coisa é que erros e vícios tendem a ficar maiores e mais desastrosos no campo minado das eleições. Por isso é que candidatos experientes tendem a ser mais cuidadosos nessa época e não custaria nada à grande imprensa tentar o mesmo.
Até porque ela vem se achando com autoridade para corrigir os erros dos outros nos seus caça-fake.
Talvez seja o caso de começar também a incluir suas manchetes nesses espaços de correção.
Última do DataFolha ressuscita Ciro
Ciro não está morto na DataFolha de ontem: está com 13%, quase empate técnico com Haddad, que tem 16%, na disputa pelo segundo lugar. Tem 11% contra 19% no Ibope, mas o DataFolha ouviu 8,6 mil pessoas, mais de quatro vezes o Ibope e menor taxa de erro.
Como ganha de Bolsonaro e Haddad nas simulações de segundo turno, pode ter que começar a defender o voto útil que anda combatendo.
Não lhe custa nada mudar de ideia, porque, depois de ter dito que votaria em Haddad, antes das pesquisas empurrarem o petista para cima, passou a dizer que “nem a pau, juvenal”.
Sem saber muito bem para onde atirar, como Alckmin, ele insiste em acenar para o eleitorado lulista condenando o que esse eleitorado vem aprovando: um candidato que vá a Curitiba pedir benção.
Me parece que teria mais chances se dobrasse um pouco à direita, ocupando a vaga que Alckmin não preencheu. Proposta e cara para isso, tem.
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