O grande filme Spotlight dramatizou a série de reportagens do Boston Globe, produzidas em 2002, que devastou tardiamente a pedofilia na Igreja Católica e 14 mil punições de padres nos dez anos que as seguiram.
Na resenha que escreveu para a Ilustrada da Folha de S. Paulo, o diretor de Redação Otávio Frias Filho, morto este ano, disse que o assunto era um dos tantos que caíam no buraco negro das redações:
Denúncias contra padres e bispos haviam sido recebidas antes pelo “Globe” e registradas em notas despercebidas, quando não sumiram no buraco negro que existe em toda Redação, feito de falta de tempo, recursos, paciência e incentivo para quebrar o hábito.
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O problema do hábito na religiosa Boston era que a maioria de seus jornalistas vinham de famílias católicas e tendiam a relevar as denúncias que pingavam, como tratei neste artigo sobre o filme.
Extraordinário e empolgante é perceber que foi necessária a ação de três imigrantes para mudar tudo: o novo diretor de Redação judeu (o suave, duro e excelente ator Liev Schreiber), o repórter de origem portuguesa (Mark Ruffalo) e o advogado armênio que acabou colaborando (Stanley Tucci).
Transpondo para os buracos negros de nossa imprensa, é como se ela fosse tomada, de uma hora para outra, por uma nova leva de jornalistas.
Que fossem menos preocupados com o jornalismo de celebridades que cercavam o falso médium João de Deus. Que desconhecessem os vícios da cobertura política de compadres de Brasília. Que tivessem investido pesado em nossas três desgraças mais recentes.
A pedofilia na Igreja. Que aqui, como em qualquer lugar fora dos EUA, não teve combate e resultados à mesma altura.
A série de abusos sexuais do João dito “de Deus“, cuja indústria que lhe rendeu R$ 35 milhões na poupança nunca despertou interesse jornalístico. Nem quando uma vítima dera os primeiros indícios de que alguma coisa estava errada em Abadiânia, ainda em 2008, segundo reportagem revelada agora pelo Fantástico.
Por fim, a caixinha dos parlamentares, também conhecida como rachid nas casas legislativas, formada com dinheiro tomado do salários de seus servidores.
Ver meu artigo: Ética de Bolsonaro é do mesmo barro dos políticos brasileiros >>>
Tornada publica enfim pela denúncia de que o filho do presidente eleito nomeou servidores em seu gabinete na Assembleia do Rio, sob condição de devolução de parte do salário, trata-se de hábito tão antigo quanto o conhecimento informal do jornalismo político sobre ele.
São os buracos negros de nossas redações, entre tantos, visíveis ou não a olho nu. Para ficar num exemplo mais recente, está aí a Lava Jato, que descobriu o véu da farra de caixa dois e enriquecimento com eleições que vem desde a redemocratização. Sem que os jornalistas de Brasília percebessem.
De uma imprensa falha desde sempre, como é da natureza dessa atividade centrada na pressa. O rascunho da história, como se diz. Agravada nos últimos tempos pela concorrência devastadora das redes sociais e das novas tecnologias de comunicação.
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