Meu amigo escritor Jorge Fernando dos Santos escreveu que o ataque a faca a Jair Bolsonaro, no meio da campanha do primeiro turno, foi o primeiro caso conhecido de “facada que saiu pela culatra”.
O candidato que começava a ser desconstruído pelos candidatos do centro ganhou cobertura maciça em todas as mídias e estancou a sangria de indicações nas pesquisas. Parado, sem presença e sem gasto, foi poupado de ser confrontado e pairou como vestal, mito intocável, sobre as maldades e as mentiras do jogo eleitoral.
Provocou um tsumani nas urnas, arrastando nanicos, abatendo caciques, reconfigurando todo o quadro político nacional. O país perdeu por sua conta o pudor de virar à centro-direita, na política, na economia e nos costumes.
Dos tantos milagres que operou, incluiu o de reconfigurar seu principal adversário e sua principal escada: o PT, que se traveste de verde amarelo, de patriota, de cristão temente a deus, de conservador contra o aborto e a legalização das drogas.
Mas como toda facada que sai pela culatra, acabou dando tamanho a um partido que vinha em processo de implosão. Que sobrevive com estimados 35% a 40% dos votos e a maior bancada da Câmara dos Deputados, para fazer uma oposição barulhenta que vai lhe dar trabalho.
A facada de Bolsonaro não foi entretanto maior e mais eficiente para ressuscitar o partido em decomposição do que o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
Foi assestada por uma oposição que acreditava eliminar de vez o adversário apodrecido, mas sobretudo para reorganizar a casa e colocar profissionais na articulação política com vistas a estender pontes ao Judiciário para aplacar a voracidade dos meninos da operação Lava Jato.
No artigo que escrevi à época, Por que se apressou o impeachment, eu expunha a confluência dos interesses de todos inimigos e alguns amigos contrariados do PT na arquitetura do processo que poria um mordomo, Michel Temer, para atender a todas as mesas.
O Adélio Bispo que habitava os falsos rebeldes apressados, porém, não contabilizaram a capacidade de Lula para virar o jogo e dos meninos da Lava Jato para produzirem — nele — um mártir.
Até ser preso em abril passado, o ex-presidente conseguiu convencer boa parte da sociedade de que era a segunda vítima do impeachment. Preso, de que os mesmos verdugos de Dilma seriam os responsáveis por um golpe destinado a tirá-lo do caminho das urnas.
Esticando a corda até 20 dias da eleição, conseguiu manter seu patrimônio histórico de votos — de 25% a 30% — e sobretudo se desgarrar da turma que teve a cabeça decepada pela guilhotina das urnas.
Foram esses votos que seguraram o nordeste, o eleitorado cativo urbano das grandes cidades, produziu a bancada que promete barulho e levaram Fernando Haddad ao segundo turno.
É sobre eles que Haddad agregou mais alguns votos e estruturou uma nova oposição, que se anuncia menos vermelha, menos agressiva e menos lulista. Mas é esperar para ver.
É com ela que Haddad vai puxar sua faca.
Cavalo de pau na campanha de Haddad
Um movimento de cavalo de pau se esboça na campanha de Haddad a cada vez que se encontra com os satélites do PT: CUT, MST e MTST. No encontro que teve com eles nesta última terça, deixou o tom conciliador para voltar ao velho em que o PT se sente confortável: o ataque à zelite. Disse que a elite apoia Bolsonaro para se contrapor à classe trabalhadora.
A estratégia, adversa à que vem sendo adotada para consumo externo, sugere tentar segurar pelo menos o eleitorado cativo do PT, um tanto quanto desanimado com o tom meio tucano de seu candidato. Ao mesmo tempo, tenta conter a sangria dos votos na faixa de até 1 salário, única em que o partido tem maioria.
Tem a ver também com o fim da ilusão de se construir uma frente democrática, depois do vexame do vídeo tiro no pé de Cid Gomes, e repete o que Lula fez com sucesso na reta final da eleição de 2014. No risco de Aécio ultrapassar Dilma, ele entrou de cabeça na eleição, em discursos agressivos contra o tucano, na linha do tudo ou nada. Na tese de que quem poderia salvar a sua candidata, que tinha altas resistências dentro do partido, era, apesar de tudo, a militância desse mesmo partido. Deu certo.
Ou então, também bem provável, admitir desde já o papel de oposição que se prepara para exercer com gosto no próximo governo. É o que sabe fazer. Lula, por certo, está por trás.
Propaganda para convertidos
Tiros n’água. A campanha de Haddad propaga um vídeo confrontando opiniões de Bolsonaro como se tivesse descoberto a pólvora, mas são temas que só têm efeito entre seus próprios convertidos.
1. Bolsa Família. As classes média e alta de fato abominam e só interessa ao eleitorado que já vota em Haddad.
2. Agressão a mulher, focada no ataque à deputada dos direitos humanos Maria do Rosário. Só faz sucesso entre as feministas de internet e já se provou inócua e de feito contrário entre a maioria do eleitorado feminino. E faz a festa do conservadorismo contra direitos humanos.
3. Tortura. Tem peso entre intelectuais que já votam no partido e o que resta da geração perseguida que odeia militares. Mas tem peso zero entre os conservadores e os jovens que acham isso remoto demais.
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