O país está irremediavelmente dividido entre os que colocam aspas em “mensalão” e os que não colocam aspas em mensalão. É fácil identificá-los em todas as conversas nas redes sociais e até mesmo nos veículos de comunicação impressos.
Os que têm simpatia pelo governo e o modelo político que vigora desde a eleição de Lula colocam aspas e chegam a utilizar a utilizar a designação jurídica do processo – AP 470 – quase que como um sofisma.
Os independentes ou contrários ao governo já incorporaram a expressão ao léxico, sem aspas, como ocorre com os neologismos que acabam se consolidando na sabedoria popular.
A expressão ficou clara na última semana, com os nervos à flor da pele pelo julgamento dos últimos embargos do processo no STF. Mas fenômeno semelhante já havia ocorrido quando Dilma Roussef disse que queria ser chamada “presidenta”, como se tivesse sido “adolescenta” ou “estudanta”, talvez para se opor a seu padrinho, o “presidento” Lula.
Depois de muita discussão política, filosófica e nem tanto gramatical, chegou-se ao consenso de que quem estivesse a favor do governo usaria “presidenta” e quem estivesse contra usaria “presidente”. Ambos sem aspas.
A dualidade ainda perdura em veículos de imprensa, identificados ou não com o governo, e no grande Fla/Flu ou Cruzeiro/Atlético das redes sociais, onde fica cada vez mais difícil tomar partido ou convencer de que não se tem partido.
Nunca as aspas identificaram tão bem as duas correntes de opinião que passaram a passaram a rachar o país ao meio, desde a posse de Lula em 2003.
A ascensão de um governo genuinamente de esquerda deu espaço e poder a uma corrente que vinha se consolidando nas últimas décadas na luta para tomar a – para usar um expressão cara ao intelectuais de esquerda – hegemonia do espectro conservador.
Os dois lados se diferenciam nitidamente por suas expectativas em relação ao papel do governo.
A esquerda, como em todo o mundo, acha que ele resolve tudo e deve se aparelhar o suficiente para dar atendimento universal às demandas da sociedade e controlar a iniciativa privada para implementar um crescimento justo e sustentável.
A direita, também como em todo o mundo, acha o governo inchado, que ele não tem que se intrometer na vida do indivíduo e que seu papel na economia deve ser apenas o de indutor, descomplicar a vida do sistema produtivo para que ele – e não o governo – faça o crescimento.
Seria bom que ambos se consolidassem em dois partidos distintos, de ação programática clara – digamos um Partido Social e um Partido Liberal – na linha do que têm os americanos e os ingleses, onde as diferenças entre democratas sociais e liberais conservadores também são nítidas.
Cristalizados num partido, expressando claramente suas posições, sem subterfúgios, sem dissimulação e sem as desagradáveis ofensas gratuitas que tornam as redes sociais um inferno, dariam um grande contribuição ao debate e à renovação da nossa democracia.
E não precisariam ter medo de usar aspas.
(Imagem disponibilizada por Eliza Fiore em PublicDomainsPictures.net)
Deixe um comentário