Frank Underwood, o congressista inescrupuloso que manipula todo mundo em House of Cards, série preferida da presidente Dilma Roussef, é de uma linhagem de grandes homens maus das séries americanas, que ensina muito sobre como anti-heróis também podem ser muito excitantes.
Pode-se dizer que ela começa em:
– Tony Soprano, o mafioso que mata e manda matar em Família Soprano.
Passa por:
– Nucky Thompson, prefeito e chefe do crime organizado na Atlantic City dos anos 20, em Boardwalk Empire.
E chega a:
– Walter White, um pacato professor de química que resolve fabricar e traficar drogas para deixar dinheiro para família, assim que se descobre com uma doença terminal, em Breaking Bad.
O que eles têm em comum? O fato de estarem na meia-idade e numa crise em que precisam dar a última guinada na vida, antes que seja tarde.
Maduros e insatisfeitos, têm pleno domínio do que é preciso ser feito, mesmo sendo errado, e não temem correr riscos ou têm até certo prazer neles. E como todo mafioso que se preza, fazem o que pode para garantir a paz e o futuro da família.
Num ótimo artigo sobre eles para a revista Época, Danilo Venticinque lista outros quatro com a mesma pegada e diferentes graus de maldade:
– Gregory House, o médico irascível e viciado em drogas de House, que não vê muito sentido no trabalho de salvar vidas;
– Dexter Morgan, o investigador policial de Dexter, que mata em série assassinos não alcançados pela Justiça;
– Rick Grimes, o xerife de Walking Dead que vai perdendo a humanidade à medida que lidera um grupo de sobreviventes a uma epidemia de zumbis; e
– Don Draper, o publicitário brilhante de Mad Men, mulherengo e autoritário, de ar entediado e uma preguiça enorme com tudo.
Também em comum têm o fato de que são amados pelos telespectadores. E entender por quê é a razão do artigo de Venticiquine.
Inebriado pelos 54 episódios de Breaking Bad, que consumiu numa enfiada, ele só deu pause para para trabalhar, comer e ir ao banheiro, num tipo de vício que vem se tornando cada vez mais comum depois da possibilidade de se ver tudo de uma vez nos sites de filmes sob demanda, como o Netflix.
Por quê? Ele alinha três dos principais motivos:
– a necessidade humana inconsciente de largar tudo e fazer algo errado em algum ponto da vida;
– a extraordinária qualidade técnica dos seriados, pequenas obras-primas elaboradas sem pressa, resultado do investimento pesado das redes de TV a cabo como a HBO, que não dependem de anúncios;
– a excelente qualidade dos roteiros, resultado da atração para a TV da nata dos roteiristas de Hollywood, sufocados pela imposição de agradar ao público multifacetado do cinema, segundo regras de marketing.
Mas, o determinante mesmo, como ele conclui, é a feliz oportunidade de se dar a veteranos roteiristas a oportunidade de exorcizar, eles mesmos, suas crises de meia-idade.
A história da maioria dos roteiristas das grandes séries é de sujeitos frustrados pelas regras comerciais dos estúdios de produção em massa, ambiciosos por fazer alguma coisa fora dos padrões no melhor ponto de suas vidas, produzir obras autorais e emprestar o melhor de suas frustrações na consolidação lenta de seus grandes personagens.
Visto assim, não é que sejam maus. São humanos e mexem com que o que de há mais fundo e imutável na raça.
Que a presidente da República entenda isso com Frank Underwood. E quem pretende escrever boas histórias mire na ideia de que, antes de serem bons ou maus, personagens e seus roteiristas têm que ter grandes motivos.
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