Por coincidências das coincidências, eu rasguei elogios a Hélio Garcia no meu artigo de hoje, escrito de madrugada, sem saber que ele havia morrido pela manhã.
O texto tratava da licitação de 1,5 milhão de carteiras com que o governo Pimentel deu marcha-a-ré no processo de descentralização das escolas que ele impôs com visão de estadista.
Foi impressionante a luta que travou para enfiar goela abaixo dos deputados a autonomia das escolas, que acabava com a indicação de diretoras por eles e com a centralização de compras nas mãos de alguns técnicos, políticos e fornecedores mancomunados.
Veja o trecho:
“A descentralização das compras foi uma das questões centrais do processo de democratização que tinha como seu carro chefe a eleição das diretoras da escola, que só foram possíveis graças à persistência de técnicos brilhantes, liderados por um secretário de Educação visionário, Walfrido dos Mares do Guia, e um governador com pretensões de estadista.
Só muita garra, determinação e uma visão de longo prazo despreendida dos interesses de curto prazo poderiam dobrar a resistência da quase totalidade dos deputados, que indicavam as diretoras, e de altos interesses políticos e empresariais que ganhavam com o volume de compras, quase sempre perdulário.
Uma das técnicas brilhantes e obsessivas da época, a superintendente Dirce Bernardes, que fez a dobradinha do bem com Mares Guia e capitaneou o processo na área de compras, lembra de ter encontrado nos depósitos da Secretaria alguns disparates como 5 mil filtros de água apodrecendo.
A cena, emblemática da leniência administrativa e dos riscos de centralização num sistema mastodôntico de então 6 mil escolas, deve ter servido de inspiração para pôr fim a um tipo de descalabro que era primo-irmão do sistema de escolha das diretoras pelos deputados.
Líder do governo na Assembleia, à época, o já falecido deputado Agostinho Patrus contou certa vez a crônica de idas e vindas de convencimento, de reuniões excruciantes no Palácio das Mangabeiras. O governador, obcecado com a ideia de seu jovem secretário de Educação, não cedia um milímetro aos apelos dos deputados.
Ouvia muito, conversava pouco e batia na mesa quando precisava. Mais ou menos assim:
— Vocês se virem lá. Conversem, reúnam, façam o que quiserem. Mas eu vou fazer isso, com vocês ou sem vocês.
Para quem como eu conhece o metabolismo da Assembleia Legislativa, onde trabalhei por 35 anos, e a resistência dos parlamentares quando se toca no único patrimônio de que dispõem em sua atividade, a troca, é coisa de epopeia. Trabalho de Ulisses.”
Veja o texto: Compra de carteiras atenta contra a democracia nas escolas mineiras
Visão política
Boêmio, bom de papo, Hélio Garcia era adorado pelos jornalistas e plenamente correspondido. Era comum vê-lo entre eles, quase todo fim de tarde, de mangas arregaçadas, conspirando e jogando conversa no tradicional Chez Bastião, na rua Pernambuco, da Savassi.
Fez um governo de paz, conciliação e unanimidade, que deixou todo mundo feliz, do empresariado ao funcionalismo, da imprensa aos artistas, da igreja aos sindicatos, a ponto de camuflar com bastante competência as denúncias de que destruiu o Banco do Estado e a Caixa Econômica Estadual com seus favores exagerados.
Vice de Tancredo Neves, segurou todas as pontas quando o governador atendeu ao chamado da maioria da classe política para ser o candidato indireto de todas as oposições que poria fim a 20 anos de ditadura militar.
Não indicou um só ministro da Nova República, embora tivesse crédito suficiente para fazê-lo.
Num telefonema famoso que os jornalistas amigos gostavam de contar, Tancredo ainda se meteu a pedir-lhe para assumir a escolha do sobrinho Francisco Dornelles, que a velha raposa não queria assumir como sua:
— Por favor, indique o Chico Oswaldo para o Ministério da Fazenda. Ele é mineiro, nasceu em Belo Horizonte. É importante que o nome saia por Minas. Com seu apoio.
Quando Hélio Garcia brincou que nenhum dos cinco ministros mineiros (Aureliano Chaves, Ronaldo Costa Couto, Francisco Dornelles, José Hugo Castelo Branco e José Aparecido de Oliveira) proveio de indicações suas, mas de escolhas pessoais do eleito ou fruto de composições suprapartidárias, Tancredo contornou:
— Quem tem a maçaneta da minha porta não precisa indicar ministros.
Ele tinha a maçaneta, o coração e a visão de Tancredo. Que, como eu disse em meu livro O Presidente Vai Morrer, versão eletrônica de O Dossiê Rubicão:
“O que o diferencia dos demais de sua classe é a capacidade de sobrepor as grandes causas às miudezas, uma visão de mundo às contingências da hora, um projeto de longo prazo às mesquinharias do curto. É um otimista cínico que parece saber do valor de uma nomeação de professora e conhecia como poucos as fraquezas de seus semelhantes, mas que também sabe conjugar o varejo com o atacado e sobrepor à miséria de seus semelhantes as grandezas de seu espírito e de sua visão do mundo. Esse conflito entre o homem que é e que poderia ter sido permeia suas escolhas e vai definir seu governo. E a capacidade de mais uma vez reconhecer sua responsabilidade histórica e sobrepor a coragem ao amesquinhamento, o descortino à barganha, determinará seus resultados e sua avaliação.”
Nunca tive tantas certezas de que o que escrevi a respeito de Tancredo cabe perfeitamente nele.
Celso Alves Cameplo diz
Helio Garcia e sua equipe modernizaram o Estado de Minas Gerais e o prepararam para prosperar. Acabaram com as empresas deficitárias e os cabides de emprego. A chegada da Fiat abriu as portas para a indústria mecânica e para um novo ciclo de crescimento que se iniciava. Pena que depois veio Newton Cardoso, que tratou o Estado como se fosse uma fazenda sua. E anos depois chegaram Aécio e os tucanos, que acreditaram que o ciclo das commodities seria interminável. Não prepararam Minas para a modernidade, para a era da internet e das comunicações. Nos relegaram a um atraso que ainda hoje estamos pagando. Minas precisa de homens como Hélio Garcia, com espírito público e visão de futuro.
Celso Campelo
Jcborges diz
Lamentamos também o desaparecimento da Caixa Econômica Estadual, dos grandes e tradicionais bancos mineiros, como também a participação do Estado na Fiat Automóveis. Na ocasião infelizmente não existia a Lava Jato.