Ao denunciar o massacre das fake news da turma de Jair Bolsonaro e propor um pacto ético, Fernando Haddad estava de fato jogando a toalha numa guerra que a que seu adversário chegara muito antes e que o PT havia dominado por muitos anos.
Sua derrota nela tem sido acachapante.
Só no Facebook, onde tem 7,6 milhões de seguidores, uma postagem ao vivo de Jair Bolsonaro chega a atingir 300 mil curtidas em poucas horas, cerca de 15 vezes mais que uma de de Haddad, que mal passa dos 20 mil. No Twitter, onde tem 1,8 milhão de seguidores contra 850 mil de Haddad e 475 mil de Lula, chegou crescer na semana passada na proporção de 20 por 1.
Mas sua blitzkrieg é no WhatsApp, a máquina de guerra usada por 115 milhões de brasileiros, onde 61% só recebem notícias por ela e Bolsonaro tem 84% de seu eleitorado operando.
Essa multidão de marqueteiros voluntários, com as múltiplas ferramentas práticas e gratuitas, põe no ar forma de instantânea e espontânea a repercussão de suas falas a cada um de seus passos, ao mesmo tempo que estão a postos para desmoralizar a do seu adversário.
É impensável que Haddad reclamasse e propusesse qualquer acordo se estivesse na posição contrária. Mas seu tempo passou, seu time chegou atrasado e desaparelhado para essa guerra.
Desde a República Velha dos coronéis, que as eleições brasileiras sempre foram uma disputa de quem frauda com mais competência.
Da troca de urnas com os votos certos ao voto de cabresto e à compra de votos, até o financiamento obscuro muito acima do declarado, os dois lados sempre disputaram quem é mais competente para corromper e roubar.
Daí porque sempre, com algumas exceções, se resignaram ao resultado das urnas.
— Já que eu também roubei, não posso acusá-lo de ter roubado — admitia-se de má vontade. — O outro lado foi apenas mais competente do que eu.
Nas mais caras eleições de nossa história, a de 2014, em que se estima ter a vitoriosa Dilma Rousseff gasto quase três vezes os R$ 300 milhões declarados, seu oponente Aécio Neves ficou quietinho. Porque também tinha arrecado muito mais do que declarou, sem a mesma competência.
— Já que eu também roubei, não posso acusá-lo de ter roubado — poderia ter pensado/dito.
Com o advento das fake news, o nome moderno de mentira em época de eleição, que também é velha como voto de papel, a disputa se restabelece. Numa campanha sem voto de papel e a farra do dinheiro privado que corrompeu as anteriores, a batalha é pela mentira ou a meia verdade mais bem e mais rapidamente contada.
Essa nova mentira é uma espécie de uso maldoso de verdades inconvenientes para o outro lado, que sempre houve, mas agora com o exagero da lente apressada das redes sociais e uma pitada do humor corrosivo.
É uma meia verdade, uma generalização ou exagero de um tropeço verbal ou frase tirada do contexto do adversário, amplificada até parecer verdade estabelecida numa população pouco esclarecida, vulnerável a confiar numa ferramenta sem dono como o WhatsApp.
É o palanque por excelência do silogismo. a figura de linguagem em que se junta duas verdades indiscutíveis para se produzir uma meio mentira.
— Você é do PT (ou do PSDB, vá lá). O PT (e o PSDB) é ladrão. Então, logo, você é ladrão.
Tem tal lógica que, num recurso da campanha de Haddad contra mais de 200 postagens sob suspeita de fake news, o TSE só reconheceu uma que foge ao caráter de liberdade de opinião. O resto, pode saber, é silogismo. Ou meia-verdade ou meia-mentira.
Outra dificuldade de Haddad é que essa nova ordem da propagação espontânea cria bolhas impenetráveis, em que cada grupo dentro de cada uma fala para si mesmo. E é refratário a mensagens de fora.
Vá ao Twitter, onde está o melhor exemplo. Em geral, há tags dos dois lados — #BolsonaroPresidente, #HaddadPresidente ou o nome de qualquer escândalo diário da campanha alheia — disputando a melhor audiência do dia. Dentro de cada uma, só convertidos pregando para idem.
O problema é que, como Bolsonaro chegou na frente e tem a bolha maior, Haddad não consegue ampliar a sua e nem penetrar na adversária.
Ninguém tem bolha maior por sorte ou porque apenas chegou antes. Nem porque seus adeptos sabem propagar com edição mais criativa, bem humorada e instantânea, o deslize do adversário. Mas pela competência de ter absorvido aquilo o que se quer ouvir.
Bolsonaro chegou onde está por encarnar como nenhum outro o esgotamento nacional contra o petismo, o lulismo e sua herança pesada de desvio e afronta às instituições. (Há outro artigo a ser feito sobre suas características pessoais, que são caras ao novo meio.)
Haddad tem feito um esforço sobre-humano e até elogiável para apagar esse passado, mudando cara, cor e retórica, mas a rejeição a sua bolha é tal, de tal forma entranhada na alma nacional, que repele aproximação.
Porque, por mais competente que a campanha de Haddad venha tentando ser, a mensagem requer disposição do outro lado para ouvi-la.
Na nova ordem das redes sociais, não adianta pagar e manter grandes equipes de marketing para propagar e ser ouvido. Não adianta, como o PT e também o PSDB com menor competência fizeram no passado, pagar grandes equipes e contratar robôs. Para ser espontâneo e escalável, o movimento precisa ser provocado por uma verdade que convença de fato.
Vejas os casos emblemáticos de João Amoedo e Henrique Meirelles no primeiro turno.
Em seu primeiro investimento no impulsionanento de posts no Facebook, Amoedo investiu apenas R$ 4 mil e teve a primeira acelerada de sua carreira política, porque coincidia com um momento em que havia disposição de ouvir sua mensagem em busca de uma alternativa. Na mesma época, o banqueiro Henrique Meirelles colocou R$ 100 mil no mesmo instrumento e não teve qualquer repercussão. Não era uma questão de dinheiro e equipe profissional, mas de mensagem e da falta disposição do público de ouvir o que nunca foi alternativa.
É o grande momento da história da humanidade em que o público escolhe o que quer ouvir, de música e filmes, a programas de rádio e TV, sem intermediário, confiando mais na conversa com o amigo do que o que manda o programador do rádio, o editor do jornal ou o marqueteiro do candidato.
Por algum comodismo, crenças antigas como as de sua política econômica ou porque só virou candidato muito tarde, por caprichos de seu padrinho, Haddad chegou tarde e velho para a guerra. Com ferramentas, dinheiro e marqueteiros de ontem.
Bolsonaro, falando o que convém há uns quatro anos e um conjunto de características pessoais que o elegeram neste universo, foi colhido pela ferramenta que o colocou na frente.
A Haddad só resta mesmo, e com certa competência, diga-se, propor pacto de paz ou denunciar a guerra que já perdeu.
Pesquisa passa a régua
Parece que passou a régua. Bolsonaro tem 59% a 41% na pesquisa desta segunda-feira do Ibope, que confirmou a do BTG Pactual do mesmo dia e as do DataFolha de terça e da Infomoney de quinta. Seu voto está consolidado em 94% de eleitores que declararam não mudar seu voto.
Tem larga margem em todos os segmentos (menos nordeste e eleitores de até um salário mínimo) e até entre as mulheres: 47% a 36%. Sua rejeição, de 38%, é menor do que a de Haddad: 53%.
Significa que Haddad precisa de algo novo e hecatômbico se quiser mudar o quadro. O que disse até agora não parece ter qualquer tido efeito sobre a intenção de voto nas bolhas que os separam.
A porta de Haddad, segundo FHC
Uma das certezas de segundo turno é que FHC não votará em Bolsonaro, a quem tem restrições absolutas. Admite que há ainda uma porta para considerar o voto em Haddad, como diz em grande entrevista ao Estadão deste domingo.
— Eu não diria aberta, mas há uma porta. O outro não tem porta. Um tem um muro, o outro uma porta. Figura por figura, eu me dou com Haddad. Nunca vi o Bolsonaro. (…) Alguém pode imaginar que eu vou sair por aí apoiando o Bolsonaro? Nunca.
Para isso, depende de Haddad mudar mais do que tem apresentado (sua matriz econômica priorizando o consumo está esgotada):
— Quero ouvir primeiro. Não sei o que vão fazer com o Brasil. O Bolsonaro pelas razões políticas está excluído. O outro eu quero ver o que vai dizer.
E superar a cobrança irritante dos petistas por uma posição, depois de lhe terem feito uma oposição cruel. Querem apoio automático.
— O PT tem uma visão hegemônica e prepotente. Isso não é democracia. Democracia implica em abrir o jogo e aceitar a diversidade. (…) Quando automaticamente o PT apoiou alguém? Só na vice-versa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou é de direita? Cresçam e apareçam. A história já está dada, a minha. Não vou no embalo. Não me venham pedir posição abstratamente moral. Política não é uma questão de boa vontade, é uma questão de poder. E poder depende de instrumentos e compromissos efetivos. Agora é o momento de coação moral… Ah, vá para o inferno. Não preciso ser coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao diabo.
“A esquerda diz que o Bolsonaro representa o fascismo”, diz o jornal. E ele:
— O autoritarismo, concordo, o fascismo, não, porque é um movimento específico de apoio popular e com ideias específicas de Estado corporativo, tinha uma filosofia por trás. Não sei se ele (Bolsonaro) tem alguma filosofia por trás. Ele tem uma vontade de mandar. Não sei o que ele é. O que propôs como parlamentar foi corporativismo. Agora vai ser liberal? Pode ser. As pessoas mudam. Mas não mostrou nada.
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