O presidente Jair Bolsonaro dispara em ritmo de metalhadora giratória uma saraivada de disparates, como se precisasse gritar para dar conta de uma tarefa em que, fora o alinhamento de uns ministros minguados, parece estar sozinho.
Digamos que, no governo Lula, a guerra ideológica tinha uma divisão de tarefas e colaboração em grupo.
O MST e o MTST dos sem teto invadia, a turma do Ministério da Cultura de Gilberto Gil prometia rever critérios de financiamento da indústria cultural, a da Secom queria nova redistribuição das verbas publicitárias para contemplar os pequenos jornais do interior, o assessor informal do Itamaraty, Marco Aurélio Garcia, pontificava a política internacional afinada com os países do terceiro e quarto mundos.
Tinha ainda a boa vontade da imprensa e da classe intelectual extasiada com a moda do politicamente correto, a fantasia da igualdade e a revisão das disparidades de 500 anos de injustiças que a campanha de Lula havia vendido em campanha.
Não teria havido nada antes do novo governo. E Lula, o guia da nova ordem, não precisava se desgastar ele mesmo com ataques à velha ordem – o que já tinha feito, satisfatoriamente, deblaterando na campanha vitoriosa contra as elites representadas pelo candidato e seu apoiador com jeito de príncipes: José Serra e FHC.
Como as velhas raposas que terceirizam o serviço sujo, entre tantos disparates, ficou para o ministro do Trabalho Jaques Wagner criticar a multa de 40% do FGTS em caso de demissão. Para o da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, defender pesquisas para que o país produzisse a sua própria bomba atômica.
Já Bolsonaro, em outras circunstâncias e por uma guerra que acha urgente, está praticamente sozinho.
Não tem qualquer simpatia dos jornalistas e da classe influente à esquerda, nas universidades, na imprensa, na indústria cultural, não conta com um partido visceralmente ideológico como o PT. Senão uma turma de calouros tontos.
Não tem sequer um conjunto de ministros convencidos de suas ideias, incluindo entre eles os colegas da caserna que não põem a mão no fogo pelo que defende. Só pode contar com quatro deles — Araújo das Relações Exteriores, Damares da Ação Social, Salles do Ambiente, Weintraub da Educação — e um guru abatido por falar demais do outro lado do Atlântico.
Sim, o presidente está convencido de que hã uma guerra cultural a ser feita para extinguir a esquerda e suas teses da vida nacional. Foi um aluno aplicado do que lhe ensinaram Olavo de Carvalho e Paulo Guedes, o liberalismo democrático como primado do mérito e da liberdade individual que caiu como luva no seu antigo mal estar contra o excesso de intervencionismo e relativização moral do pensamento de esquerda.
Daí que tem guerrear sozinho e do seu jeito, que é o pior possível.
Mistura seu rancores de caserna com preconceitos de classe à simplificação de seus parcos dotes intelectuais para carimbar esquerdismo em tudo que o cerca: nos institutos de controle ambiental que vê mais desmatamento que ele gostaria, na agência que aprova filme com mulher pelada, na imprensa que tem jornalista que foi guerrilheira. Para ficar em três exemplos mais recentes da infinidade de outros.
Difícil que meta tanto os pés pelas mãos por desconhecimento do pântano em que está metido.
Não é um neófito em política. Tem faro treinado de mais de 30 anos de vida pública e sabe muito em que guerra está se metendo, quais seus objetivos e com que tipo de apoio pode contar.
Por enquanto, acha que o das redes sociais que o empurraram para a cadeira presidencial e ainda resiste nas ruas já é suficiente. Procura amenizar e corrigir os estragos das frases ultrajantes produzidas nos dias úteis nos encontros virtuais ou físicos com apoiadores na porta do palácio, nos fins de semana.
Me surpreende como joga pela janela num dia, sem a menor consciência, o prestígio que angariou na véspera. E que não perceba o abalo que comete nas convicções e na disposição dos aliados que contam, os do Congresso ou da faixa de apoiadores isentos, mais ao centro, que começam a perder a coragem de defendê-lo.
Bastou uma semana de frases disparatadas para queimar todo o prestígio que havia angariado no finalzinho do semestre, com a aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno e do acordo do Mercosul com a União Europeia.
Como já escrevi em minhas redes sociais, mal vê que que corre o risco de virar em curto tempo uma figura folclórica que ninguém leva a sério. A começar dos aliados que, como bem se sabe, já costuram um governo figurativo em que o Congresso trabalha enquanto o chefe se diverte.
Aí será a hora dos inimigos que tentou abater em sua guerra de Quixote recuperar terreno.
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