É difícil desconsiderar que Sérgio Moro extrapolou no voto duro e bem garimpado de Gilmar Mendes, mas o ministro resistiria a suas conversas hackeadas?
Entre marco e maio de 2017, grampos da PF apuraram 43 ligações no WhatsApp do ministro Gilmar Mendes com o senador Aécio Neves, a quem julgava por envolvimento com a JBS e em outros processos que mandaria arquivar.
Uma delas, no mesmo dia (25 de abril) em que decidiu por suspender o depoimento dele em um interrogatório na sede da PF.
“Fofocagem”, ele diria depois, valendo-se da sorte de que o conteúdo delas se manteve desconhecido e não exposto como as das conversas hackeadas de Sérgio Moro com os procuradores da Lava Jato.
E foi a única caso provado de relacionamento desaconselhável de um ministro que cultiva fontes na imprensa, antecipa suas posições em público ou em off com jornalistas amigos e conversa com todo mundo em Brasilia, de advogados a políticos interessados em seus processos.
É muito mais fácil um advogado de defesa conseguir audiência com ele do que um procurador, como contabilizou o chefe dos procuradores, Deltan Dalagnol numa análise da agenda do ministro.
O que não quer dizer que seu voto longo e duro contra o juiz na Segunda Turma que julga sua suspeição não deva ser respeitado. Mal comparando, se um criminoso denuncia um assassinato de que tem provas, não se pode deixar de investigar.
O voto arrasador garimpou de forma tão competente os trechos mais comprometedores das conspirações da acusação de Curitiba, que é muito difícil não lhe dar crédito, ainda que tenhamos dúvida sua legitimidade.
Que é muito difícil não acreditar que o juiz extrapolou ao coordenar a força tarefa do Estado em prejuízo da defesa.
Não cometeu fraudes, suprimiu provas ou obstruiu a defesa. Mas atuou para pedir provas e depoimentos que corroborassem a sua decisão. A sugerir que já tinha decidido previamente e de pouco importariam os argumentos posteriores da defesa.
Era muito comum em meu tempo de redação de jornal. O repórter saía com a manchete praticamente pronta, por convicção ou inspirada pelo editor, e só ouvia do entrevistado o que a confirmasse.
Não queria perder a manchete como o sujeito que pode perder o amigo, mas não a piada. Assim como Moro, que parecia não querer perder a decisão que estruturava em mente antes de ouvir a defesa.
Kakay, o advogado de 11 entre 10 poderosos envolvidos com a Justiça e de longe o mais articulado crítico da Lava Jato e de Sérgio Moro, tem um de tantos bons exemplos:
- Imagine que você está num processo de disputa judicial com um sócio, sua mulher ou o banco e fica sabendo que o juiz está indicando provas e sugerindo testemunhas à outra parte.
Da forma como Gilmar encadeou seus argumentos e, a se ater aos autos, como dizem os juízes, o juiz de Curitiba manipulou sim os mecanismos legais de que dispunha com um objetivo premeditado.
Se nobre ou não, à luz dos autos, não vem ao caso aqui. Ele nunca negou entre outras coisas — e escreveu sobre isso — que usaria a mídia para fazer pressão de dentro para fora sobre os autos. Que Gilmar chama de conluio, sem muita isenção para fazê-lo.
Para mim, está no campo do dilema ético dos agentes públicos e líderes políticos que agem por estratégia deliberada para obter fins independente dos meios. No escurinho do poder, onde todo mundo conversa e conspira com todo mundo, só ganha feição de crime se passa de certos limites ou vaza.
O problema são os autos e o azar que Sérgio e os procuradores deram de terem sido flagrados em suas conversas particulares e darem, pelo volume e alguns trechos exagerados no contexto, a ideia de terem cometido crimes graves.
Que paguem por eles a pena que lhes cabe. Mas incomoda que seja Gilmar o inquisidor escalado para julgá-lo por suspeição.
Desse o ministro o azar de ser hackeado com tanta amplitude e ser investigado por isso, os autos certamente iriam muito mais do que as conversas com o réu, que me parecem mais graves do que os acertos do juiz com os acusadores.
A própria história do aproveitamento amplo das mensagens hackeadas em seu voto para condenar Moro daria um capítulo robusto à parte sobre até que ponto utilizar provas ilícitas não é extrapolar, “cometer crime para combater crime”, como ele repetiu mais de uma vez.
Gosto da expressão “jogo jogado” para servir de consolo para os que perdem. Moro errou, perdeu e deve pagar por isso. É o jogo jogado.
Mas a Justiça também não fica bem em condená-lo pelas mãos de Gilmar. Deveria mesmo caminhar para uma forma de punir Moro, por desvio ético, como entendo, ou como crime, se assim o acharem.
Mas deveria também ter instrumentos para julgar e punir Gilmar. E o ministro teria que entender que errou. Jogo jogado.
Veja vídeo de Kakay sobre xxxx
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