Já no final dos anos 70, Tom Jobim e Chico Buarque reescreveram a já melancólica Carta ao Tom, com que Vinícius de Moraes relatava as saudades de um Rio de Janeiro que, naquela época, já não existia.
Ao invés de:
“Rua Nascimento Silva, 107
Você ensinando pra Elizete
As canções de canção do amor demais
Lembra que tempo feliz
Ah! que saudade
Ipanema era só felicidade
Era como se o amor doesse em paz
Nossa famosa garota nem sabia
A que ponto a cidade turvaria
Esse Rio de amor que se perdeu
Mesmo a tristeza da gente era mais bela
E além disso se via da janela
Um cantinho de céu e o Redentor
É, meu amigo, só resta uma certeza
É preciso acabar com essa tristeza
É preciso inventar um novo amor”
Escreveram:
“Rua Nascimento Silva, cento e sete
Eu saio correndo do pivete
Tentando alcançar o elevador
Minha janela não passa de um quadrado
A gente só vê Sérgio Dourado
Onde antes se via o Redentor
É meu amigo só resta uma certeza
É preciso acabar com a natureza
É melhor lotear o nosso amor”
Fiquei pensando nesses tempos idílicos em que os problemas do Rio eram apenas os pivetes e Sérgio Dourado ao ver o governador interino Francisco Oswaldo Neves Dornelles responder que preferia não olhar para trás. Respondia sem saber onde olhar ao repórter que lhe perguntou o que levou o Rio de Janeiro ao atual estado de calamidade contábil que ameaça as olimpíadas.
Não me pareceu a resposta de quem queria olhar para frente, mas a de alguém perdido em meio ao caos não apenas financeiro em que se transformou a outrora cidade maravilhosa, para a qual não parece haver solução a vista e nem mais qualquer tipo de abordagem ou poema que a traduza.
Estados e governantes
Cidade de símbolos, decantado cartão postal do país, nossa primeira referência no exterior, foi da garota de Ipanema balançando a caminho do mar à menina dopada por estupradores, do malandro suave que batia carteira na Lapa aos traficantes que retiram a bala comparsas de hospitais onde não há seringas.
O velho tributarista que começou na política como secretário do tio Tancredo Neves ainda em 1959 me pareceu velho demais e entretanto adequado a essa cidade acabada, já velha e degradada quando Tom Jobim e Chico Buarque a reescreveram, e só piorou a partir daí, numa sequencia de tragédias grandes e cotidianas que já perderam a capacidade de surpreender.
Deve ser a única cidade do mundo sem guerra declarada em que se morre quase uma pessoa por dia de bala perdida, hoje anônima e parte das estatísticas. Já faz tempo que não horroriza.
Como não parece justo dizer que o Rio nos traduz lá fora, não é injusto dizer que a situação do Rio é pior do que a de outros estados, também enforcados pela queda na receita e o comprometimento de quase tudo o que se arrecada com folha de pessoal e juros de dívida.
E não é só porque a única grande empresa de sua paisagem, a Petrobras, se desintegrou e levou com ela o que restava do parque industrial do estado.
Mas porque todas as soluções e expectativas para o Rio parecem gastas e velhas como o rosto marcado de Chico Oswaldo, o nome carinhoso com que o tio famoso o tratava.
Governo e caos
Que vieram se desgastando e envelhecendo pela caduquice de tantos governantes de rosto jovem e alma velha, como Sandra Cavalcanti, Leonel Brizola, Moreira Franco, os Garotinhos Anthony e Rosinha, Sérgio Cabral e Pezão.
Tá. É possível que a paisagem não seja melhor nos outros estados. Mas nenhum se confunde como aqui, com sua cidade, uma tripa de faixa litorânea de mais de 6 milhões de habitantes tomada de favelas, horizontais ou verticais, com as quais seus velhos rostos se mostraram inconsequentes, impotentes ou envelhecidos.
Como dar luz, água encanada, saneamento, ruas, educação, saúde e segurança a esse universo? Como saneá-lo antes de pensar em crescer? Como dar governo a esse caos? Quem será novo o bastante para mudar isso?
Não há solução à vista.
Robson Magno diz
É triste ver tal situação. Tudo isso é conseqüência do descaso do pode público e corrupção (durante anos) entranhada como se fosse parte de nossa cultura tupiniquim. Infelizmente não vejo luz no fim do túnel, pois o trem está quebrado, e se resolvermos ir a pé, há grande possibilidade de ser mais uma vitima dos que esperam nas margens da ferrovia. A corrupção em nosso país se tornou comum, porque normal isso nunca vai ser então Deus olhe por nós, pois os governantes estão olhando pra nós