1. Entrevistas são mais arriscadas que vidro aberto
O papa Francisco disse que não tem medo, que ninguém morre de véspera. Numa das muitas melhores partes de sua comovente entrevista exclusiva ao Fantástico, explicou porque não aceitou o papa-móvel fechado, mais ou menos assim:
– A gente não vai numa caixa de vidro fechada se comunicar com quem se ama.
Com todo o respeito, acho que ele deveria ter mais medo de entrevistas do que de andar de vidro aberto na avenida Getúlio Vargas.
Com o tempo, ninguém sai ileso desse tipo de exposição em que algumas deslizes naturais da espontaneidade podem acarretar grandes riscos nas mãos de pessoas de má fé.
Como a imprensa costuma pinçar frases fora do contexto para abrir suas manchetes, o mau uso de determinado trecho pode trazer sérios riscos. Pelé, para falar de outra santidade, nunca se recuperou de um deslize numa entrevista sobre a eventual competência do brasileiro para votar.
Entrevistas trazem ainda o risco explícito de dessacralizar a imagem, bem mais valioso da autoridade da Igreja. Depois, por que alguém que tem todos os palanques e microfones à sua disposição a cada passo, precisa de entrevista exclusiva? Há algo a acrescentar que não possa ser dito em um pronunciamento ou uma homilia sempre largamente multiplicados pelos maiores veículos de comunicação no mundo todo?
2. Fala dos discursos parece simples, mas não é
Há uma grande diferença entre a fala do papa pinçada pelos jornais e a que está na íntegra de seus discursos. Neles, ela continua empolada e inacessível para a maioria, como sempre foram os discursos papais, apesar dos esforços do papa de linguajar mais simples que já aportou por aqui.
No mais longo deles, feito para os cardeais membros da CNBB, na sede do arquiepiscopado, ele faz uma metáfora complicada para relacionar o achado de Nossa Senhora Aparecida pelos pescadores aos desígnios de simplicidade de Deus.
– Nossa Senhora Aparecida se apresenta com a face negra, primeiro dividida mas depois unida, nas mãos dos pescadores. Há um ensinamento perene que Deus quer oferecer. Sua beleza refletida na Mãe, concebida sem pecado original, emerge da obscuridade do rio. Em Aparecida, logo desde o início, Deus dá uma mensagem de recomposição do que está fraturado, de compactação do que está dividido. Muros, abismos, distâncias ainda hoje existentes estão destinados a desaparecer. A Igreja não pode descurar esta lição: ser instrumento de reconciliação.
Quando um padre fala isso num altar, ninguém entende. E esse me parece o grande problema da igreja. Tem uma grande mensagem que é mal passada por sacerdotes que pegaram bem o espírito de Cristo, que falava por metáforas, mas o sofisticaram até o ponto do indecifrável.
No resumo, o papa quer que a igreja encha de calor o coração dos homens, desamparado nesses tempos difíceis pela pressa, a desagregação familiar e a desestruturação da vida moderna. Mas nem ele e nem os padres sabem traduzir isso em linguagem terrena, das necessidades imediatas do homem.
3. Quando o discurso começa a capengar
Como Chefe de Estado, Sua Santidade deve saber como é difícil transformar em realidade seus propósitos, como faxinar o banco Vaticano, expulsar prelados corruptos, acabar com a pedofilia nas sacristias, enfrentar, enfim, as distorções de uma burocracia viciada por séculos.
Seu discurso em terras alheias começa a capengar quando ele deixa de lado a pregação espiritual e começa a ensinar outros chefes de Estado a enfrentar problemas terrenos, como acabar com as drogas, eliminar a corrupção e peitar estruturas de injustiça viciadas.
Drogas, por exemplo. Ele ensina que as drogas não devem ser liberadas, sem o saber que já o são. É fácil comprar, e o usuário, como o pecador, é absolvido. Mas como enfrentar quem planta, processa, trafica, mata?
A Igreja só se salva e salva seu discurso quando ensina os homens a buscar a solução dentro deles mesmos. Fora, a depender dos chefes de Estado, é preciso mais do que boa vontade.
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