Todo o esforço de Joesley Batista na entrevista que deu à Época do fim de semana foi no sentido de provar que não é do mesmo barro dos políticos que comprou em dinheiro vivo nos últimos 15 anos e pelos quais foi achacado, numa relação tão perigosa que chegou ao limite da delação.
“Nós cometemos crimes. Mas nossa história mostra que não somos criminosos. É diferente. Não vivemos do crime. Levantamos de manhã pensando em gerar emprego, lançar produto, investir, vender mais, aumentar participação no mercado. Não acordamos pensando em cometer crimes.”
No empenho e no discurso bem concatenado que ecoa a narrativa dos procuradores da Lava Jato com os quais vem negociando, a ponto de citar expressões próprias deles, traça o perfil fundo de um país que também chegou ao limite.
Nenhuma outra delação, apesar de tantas ou piores provas, conseguiu resumir o tamanho do estrago da corrupção em um sistema político que, nunca como antes, se mostrou, como mostra aqui, tão falido.
Tive dificuldade para escolher dez trechos, com o pesar de ter deixado de fora muita coisa relevante desse documento histórico.
Seguem:
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- O empresário brasileiro tem que pagar propina até para receber o que lhe é de direito.
“No Ceará, por exemplo, tem um programa de incentivo fiscal. Nós fomos para lá por causa desse incentivo. Montamos a fábrica e fomos trabalhar, para produzir riqueza e gerar milhares de empregos. Na hora de receber o dinheiro do benefício, o estado não paga. Foram quatro anos disso. Aí chega a eleição e o político diz: “Se você contribuir, eu consigo liberar”. Acabamos pagando. Na maioria dos casos, virou uma obrigação. O governante falava: te dei aquele incentivo. Olhe o caso do Guido, do PT: “O BNDES comprou ações e investiu na sua empresa. Como você não vai me dar dinheiro?”. (…) Nunca paguei propina ao corpo técnico da Caixa. No FI-FGTS, por exemplo, nós demos entrada num pedido de financiamento. Fábio Cleto, indicado por Funaro e Eduardo Cunha, descobriu. Foi aí que o Lúcio entrou na minha vida. O modus operandi sempre foi assim: eu tentava fazer operações na Caixa, o Lúcio descobria e vinha falar comigo. Ele dizia: ‘Vai ter os 3%, não é?’.”
- Eleição virou oportunidade de negócio e partido, Orcrim.
“A campanha é um evento que permite ao político sair por aí pedindo dinheiro. O que ele faz com o dinheiro a gente não sabe. Esse que é o ponto. Em condições normais, quando uma pessoa liga para a outra pedindo dinheiro, eu não vou te dar. Se você é candidato, posso dar. Candidatar-se a um cargo habilita a pessoa a sair por aí pedindo dinheiro. É por isso que os partidos se multiplicaram: 30, 40, todo mundo perdeu a conta. Ter partido dá oportunidade de fazer negócio escuso. Como o partido maior precisa do partido menor para fazer coligação, vira balcão.Vira Orcrim.”
- O leilão de partidos é tão descarado, que o dirigente se vende para quem der mais.
“Mesmo sistema: caixa dois, nota fria, compra de coligação. Eu já precificava que ia precisar do apoio do Aécio se ele fosse eleito. Ele me pediu para fazer R$ 50 milhões no primeiro e R$ 50 milhões no segundo turno, se houvesse. Falou que era eu e mais três empresas que estavam financiando – não sei se é verdade. O PTB do Roberto Jefferson a gente deu a pedido dele. A gente não conhecia esse partido. Ele tentou trazer o PR para o lado dele. Iria custar R$ 40 milhões, ele disse. Estava certo e eu já havia me preparado para pagar. Aí o PR apareceu através do PT, cobrando os R$ 40 milhões. Fiquei esperando: “E aí, e o outro?”. Ele falou para eu esperar, que daria certo. Depois falou que não deu. Ele falou que tentou fazer por 35 e o PT cobriu os 40. Não sei se é verdade. Sei que o PR veio em seguida por meio do PT. E nós pagamos. Pode isso? O PT mandou dar um dinheiro para os senadores do PMDB. Acho que R$ 35 milhões. O Temer e o Eduardo descobriram e deu uma briga danada. Pediram R$ 15 milhões, o Temer reclamou conosco. Demos o dinheiro.”
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Os parlamentares achacam e trocam e usam investigação por dinheiro.
“O Eduardo, quando já era presidente da Câmara, um dia me disse assim: “Joesley, estão querendo abrir uma CPI contra a JBS para investigar o BNDES. É o seguinte: você me dá R$ 5 milhões que eu acabo com a CPI. Falei: Eduardo, pode abrir, não tem problema. Como não tem problema? Investigar o BNDES, vocês. Falei: Não, não tem problema. Você tá louco? Depois de tanto insistir, ele virou bem sério: é sério que não tem problema? Eu: é sério. Ele: Não vai te prejudicar em nada? Não, Eduardo. Ele imediatamente falou assim: Seu concorrente me paga R$ 5 milhões para abrir essa CPI. Se não vai te prejudicar, se não tem problema… Eu acho que eles me dão os R$ 5 milhões. (…) Lúcio (Funaro) fazia a mesma coisa. Virava para mim e dizia: “Tem um requerimento numa CPI para te convocar. Me dá R$ 1 milhão que eu barro”. Mas a gente ia ver e descobria que era algum deputado a mando dele que estava fazendo. É uma coisa de louco.”
- O empresário brasileiro tem que pagar propina até para receber o que lhe é de direito.
- A corrupção se institucionalizou.
“Tudo a que estamos assistindo hoje se iniciou há dez, 15 anos. Começaram a surgir grupos, no Brasil, com divisão de tarefas: um chefe, um operador, um tesoureiro. O Lula e o PT institucionalizaram a corrupção. Houve essa criação de núcleos, com divisão de tarefas entre os integrantes, em estados, ministérios, fundos de pensão, bancos, BNDES. O resultado é que hoje o Estado brasileiro está dominado por organizações criminosas. O modelo do PT foi reproduzido por outros partidos. (…) Foi do PT ao PMDB e, agora, está no PSDB. Tudo com o mesmo modelo, o mesmo modus operandi. Mudam os nomes, mas o sistema permanece igual.”
- O presidente da República mendiga favores a um empresário como se fosse obrigação dele pagar.“Conheci Temer, e esse negócio de dinheiro para campanha aconteceu logo no iniciozinho. O Temer não tem muita cerimônia para tratar desse assunto. Não é um cara cerimonioso com dinheiro. (…) Sempre estava ligado a alguma coisa ou a algum favor. Raras vezes não. Uma delas foi quando ele pediu os R$ 300 mil para fazer campanha na internet antes do impeachment, preocupado com a imagem dele. Fazia pequenos pedidos. Quando o Wagner saiu, Temer pediu um dinheiro para ele se manter. Também pediu para um tal de Milton Ortolan, que está lá na nossa colaboração. Um sujeito que é ligado a ele. Pediu para nós fazermos um mensalinho. Fizemos. Ele volta e meia fazia pedidos assim. Uma vez ele me chamou para apresentar o Yunes. Disse que o Yunes era amigo dele e para ver se dava para ajudar o Yunes. (…) Não lembro direito (do caso do empréstimo do avião). Mas é dentro desse contexto: “Eu preciso viajar, você tem um avião, me empresta aí”. Acha que o cargo já o habilita. Sempre pedindo dinheiro. Pediu para o Chalita em 2012, pediu para o grupo dele em 2014.”
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A presidente da República faz do ministro da Fazenda tesoureiro de campanha e despacha com o corrupto na mesa oval do Planalto.
“Guido não mexia no partido. Sempre foi mais do governo. Achava que um dia eu teria de passar essa conta para ele. Em 2014, ele me chama e me pede para começar a pagar o PT e os partidos. Foi inusitado. (…) Confirmei com a Dilma. Porque ela me pediu R$ 30 milhões para o Pimentel. Aí me senti na liberdade de explicar. (…) No Palácio do Planalto. Na mesa-redonda do gabinete presidencial. Expliquei: acabou o dinheiro. Ela ouviu e falou: “Tá bom. Pode fazer”. Foi o último dinheiro. Estava no final da campanha. Como o Lula não me pediu dinheiro, eu não tive liberdade de falar dessas contas com ele.”
- O país é comandado por uma quadrilha.
“O Temer é o chefe da Orcrim da Câmara. Temer, Eduardo, Geddel, Henrique, Padilha e Moreira. É o grupo deles. Quem não está preso está hoje no Planalto. Essa turma é muito perigosa. Não pode brigar com eles. Nunca tive coragem de brigar com eles. Por outro lado, se você baixar a guarda, eles não têm limites. Então meu convívio com eles foi sempre mantendo à meia distância: nem deixando eles aproximarem demais nem deixando eles longe demais. Para não armar alguma coisa contra mim. A realidade é que esse grupo é o de mais difícil convívio que já tive na minha vida. Daquele sujeito que nunca tive coragem de romper, mas também morria de medo de me abraçar com ele. (…) Se indispor com essa Orcrim é a coisa mais perigosa e arriscada que já fiz na minha vida. Nada se compara a esse grupo. Não em poder e ousadia. São pessoas experientes, inteligentes, sem limites e em pele de cordeiro.”
- O modelo político faliu.
“Quando você se vê dentro de um ministério, tratando com um ministro, que é a sua autoridade, falando de dinheiro ilícito, você começa a achar normal. Com o tempo, você perde a referência do que é certo e do que é errado, do que é legal e do que é ilegal. (…) Quando terminamos o ano de 2014, depois que o PT nos pediu aquela compra indiscriminada de partidos, ficamos convictos de que esse sistema estava chegando à exaustão. Ficou insustentável. (…) Comecei a perceber que a mudança no país era muito profunda. E que jantar nenhum com político ia resolver nossos problemas. Quando entendemos essa questão, vimos que o Brasil estava cheio de Orcrims. Que nós estávamos fazendo parte e financiando Orcrims. (…) Eu queria ter certeza de que essa agenda ainda era do Temer. Será que ainda é? De repente eu (achei que) chegava lá e o Temer dizia: “Não, Joesley, para, não precisa mais não”. Mas ele fala para mim que tem de continuar isso. Me arrepiei. Pensei: ‘Meu Deus do céu. Se ele acha que tem de continuar, já é um problema’.”
- Fora do país, é possível produzir sem propina.
“Quem precisou do Estado em algum momento teve de pagar propina a um político. Nós somos operários, somos da produção, somos da fábrica. Produzimos. Meu pai, minha mãe, minha família é feita disso. A gente disputa nos Estados Unidos. Sem propina. Disputamos com sucesso na economia mais competitiva que existe. Competimos sem propina nos Estados Unidos, na Austrália, na Inglaterra, no mundo inteiro. No Brasil, infelizmente, a propina era o custo de operar. Era precificado. Acredito, se Deus quiser, que não é só o J&F e os outros colaboradores que vão virar essa página. Será o Brasil.”
JLT diz
Aplaudo de pé o comentário realista do Adilson Louro em 19 de junho de 2017 às 12:19!
Parabéns pelo caráter e visão panorâmica.
Roberto diz
Até pouco tempo era Aécio, Aécio e Aécio…”A culpa não é minha, votei no Aécio”, veja no que deu! Alguns anos atrás era “Lula Lá” amanhã só Deus sabe! O problema é que muda partido, muda candidato, muda direita, muda esquerda, mas não muda nada: a mesma corrupção, bandidagem, ….
A nossa mentalidade que precisa mudar , senão não podemos reclamar.
Adilson Louro diz
Viajei algumas vezes à Europa e sempre em grupos com diversas nacionalidades … hoje, por contenção de despesas (próximo da aposentadoria), estou gozando férias de 30 dias e quieto em casa … mas francamente, em viagem, dá um sentimento de vergonha absurda ser brasileiro …
Se tiver um pouquinho de caráter, esqueça essa coisa de simpatia, alegria, criatividade e demais panos de fundo propagados pelos fundamentalistas cariocas e suas variantes Brasil afora (turma das cervejarias, emissoras de TV, rádios e aos malfeitores genéricos menores, ligados à cultura popular (carnaval, micaretas, rodeios e tals) … para eles (corja), quanto pior, melhor … e mais lucrativo.
Corrupção e mazelas sociais existem no mundo todo … isso é da natureza e da maldade humana!
Porém, para qualquer um que seja ou tenha ou pouco de caráter, tudo isso afeta e maltrata.
Ver essas realidade sendo “declarada” e oficialmente exposta por alguém “bilionário” … e ainda ter o desprazer de ver comentários, “aqui e qualquer lugar”, desejando que se ferrem ou que sejam presos … é muito surreal.
Por mais articulado e elaborado que seja o discurso da J&F, voltado para sua defesa minima … mesmo assim, ele aponta crimes bárbaros e espetaculares … e rasga a “carne” da política podre de cada dia … e o que mais se vê, é pessoas desejando-lhes o mal e, “veladamente”, absolvendo os políticos e partidos.
Parece que os mais de 100 milhões de eleitores se sentem desmotivados a fecharem consenso de que é preciso mudar seus votos e por tabela, os candidatos serem honestos “de carteirinha”.
Politica é fundamental para o cidadão e é preciso que o voto seja diariamente valorizado … a educação familiar e a escolar devem refletir essa necessidade e, para isso, família, professores e “formadores de opinião” (cada um na sua) sejam responsáveis (em texto e atos), pela valorização da vida digna, mesmo que permanentemente sofrida.
Por mais que nos maltratem moralmente essas revelações, que o sentimento seja sempre de repudio ao crime e pela melhoria imediata dos controles públicos, de forma que criminosos tenham cada vez mais dificuldades em suas operações ilegais.
Nosso judiciário (meu Deus) precisa ser cobrado diuturnamente a acatar denuncias e agir em tempo hábil contra os criminosos e seus colaboradores, agilizando o retorno dos valores roubados, ao erário.
O brasileiro precisa querer mais do que a simples prisão dos bandidos (públicos ou privados) … precisa exigir a devolução dos valores e que os infratores regridam patrimonialmente ao que seja justo, tão somente isso.
Hoje, um Cabral ou um Eduardo Cunha vão presos, brasileiros, midias e “imprensa” aplaudem, mas e os tesouros roubados (cadê eles) … eles ficam por ai, fomentando luxos de suas famílias e dos comparsas … até a soltura deles … e só!
As famílias dos criminosos e dos comparsas devem ser penalizados financeiramente até a exaustão, senão, sempre o crime vai valer a pena, pois um rouba e vai preso, garantindo aos demais … “ad eternum” as benécies de seu crime.
Aqui, na realidade, é fácil construir fortunas pelo ilícito, pagar alguns anos na cadeia (se muito) e ter o resto da vida para se beneficiar dos lucros obtidos com os crimes.
José Geraldo diz
Já não basta o estrago que esse desgraçado fez, ainda vem por fogo no que restou. Sem dúvida, a intenção dele é trazer o PT de volta. Pois foi através do PT que ele roubou bilhões. A opinião dele e um pedaço de merda vale a mesma coisa, não ser pra nada. Põe esse traste na cadeia e ponto final.
Roberto diz
Galera vamos para de nos iludir! Isto só chegou neste ponto porque achou terreno fértil entre os próprios políticos para a finalidade. Já os políticos fazem as falcatruas e corrupções porque o povo também aqui em baixo, em sua maioria, é corrupto dai não tendo vontade e moral para cobrar-lhes o que lhe é justo devido.
Não nos iludimos todos os partido, todos os partidos sem exceção possuem o rabo preso na corrupção. E podemos dizer que mais de 98 % dos políticos são corruptos neste País.
Se quisermos que alguma coisa mude, devemos começar pela base, por cada um rechaçando a corrupção.
Cristiano Marques diz
Resta claro o tamanho da bandidagem deste Joesley.
Tudo o que ele conseguiu foi com o PT e Temer é o capeta nesta história toda?
Muito mal contado.
JLT diz
Tudo é questão de ponto de vista e não estou defendendo nem acusando ninguém!!!
Dá até pra pensar e equiparar com eles que traficante levanta de manhã pensando em gerar emprego, lançar produto, investir, vender mais, aumentar participação no mercado. Traficantes não acordam pensando em cometer crimes querem sobreviver e só compra droga quem quer.
Já o governo te obriga a pagar impostos e usa o seu dinheiro como quer.
Pergunto: ‘quem’ é mais criminoso, o político ou o traficante?
valdir diz
A corrupção no Brasil parece ser tão antiga quanto; portanto, seria ingenuidade pensar que pioramos no quesito, talvez tenhamos mudado a forma e o modo de apropriação. Desanimador é saber que a maioria se orienta pela grande mídia, aliada e conveniente, porque daí a surpresa dos incautos. Em Minas todos deveríamos saber sobre Aécio, Anastasia, Pimenta da Veiga, Elizeu Resende, Pimentel etc. Mas não, porque tirante este último, todos os demais sempre contaram com o endeusamento patrocinado.
Ricardo Fonseca diz
Engraçado,
Eles encheram os bolsos de dinheiro público a juros camaradas e com este dinheiro realizaram as aquisições no exterior. Depois diz que compete nos EUA sem propina. Pode ficar tranquilo, Joesley, que o governo americano irá lhe mostrar as garras logo, logo. Operou nos EUA com falcatruas alhures, será devidamente investigado e processado.
Ricardo diz
Engraçado,
Eles encheram os bolsos de dinheiro público a juros camaradas e com este dinheiro realizaram as aquisições no exterior. Depois diz que compete nos EUA sem propina. Pode ficar tranquilo, Joesley, que o governo americano irá lhe mostrar as garras logo, logo. Operou nos EUA com falcatruas alhures, será devidamente investigado e processado.