Governantes cometem grandes erros com a melhor das intenções. Só vão aprender que os cometeram quando o tempo comprova que eram, de fato, erros. Quando têm a grandeza de aprender com eles e construir pontes com a classe política e a sociedade para superá-los.
Gosto de lembrar o caso mais emblemático do nosso tempo, o do mais longevo e competente presidente do Banco Central americano, Alan Greenspan. Em quase 20 anos de respeito internacional, entre 1987 e 2006, produziu as bases da maior crise americana desde o crack de 1929, o das hipotecas fictícias, na boa-fé de que o mercado bancário livre se auto regularia.
Mais perto de nós, o presidente que inventou a bem intencionada e fracassada reeleição, Fernando Henrique Cardoso, simplificou o processo de licitação para dar à Petrobras agilidade, eficiência e, como viria a se comprovar com o tempo, a mais espetacular teia de corrupção da nossa história.
Lula resolveu enfrentar a crise produzida por Greenspan, entre tantos monstros que nasceram de suas boas intenções, com a política do crédito pessoal fácil que quebrou nove em cada dez famílias e é em parte responsável pela cadeia de quebradeira do sistema produtivo.
Herdeira e autora de um monte de acertos que levaram alguns dos senadores de seu partido a choro sincero nos discursos desta quarta-feira no Senado, Dilma Vana Rousseff cometeu grandes erros que compõem o compêndio que está no fundo real de seu processo de impeachment.
O maior deles, a política suicida de endividamento público e desoneração de impostos que quebrou o Tesouro e liquidou todo o edifício da responsabilidade fiscal que evitava que cada prefeito e cada governador, a seu jeito, quebrasse os estados e os municípios a cada fim de governo.
Esse sangue podre injetado num sistema produtivo já combalido pelo esgotamento do erro do seu antecessor, não evitou a quebradeira, arrebentou com as expectativas e paralisou os investimentos privados. Um governo quebrado por outro lado, sem capacidade de alavancar o setor privado, completou a receita.
Messianismo de guerrilha
Como Greenspan, FHC e Lula, ela deveria ter a melhor das intenções, mas nenhuma capacidade, humildade e grandeza para dar a volta por cima.
A saber:
- À crise, ela respondeu com mais erros cujo expoente é a contabilidade destrutiva que acabou de arrebentar com a capacidade fiscal do governo.
- À necessidade de articulação, respondeu com a arrogância que quebrou todas as pontes com o Congresso e desautorizou o vice quando se dispôs a ajudá-la na articulação.
- Ao imperativo da humildade, criou novos inimigos no Congresso e apostou no enfrentamento com o que podia lhe restar de apoio na sociedade.
Seu legado mais lamentável não foram seus erros, sempre por fim contornáveis, porque os países, ao contrário do que apregoam os jornais, não acabam. Mas o enfrentamento de guerrilha com que se acantonou numa trincheira de messianismo com um nicho de apoiadores barulhentos e dispostos a cindir o país.
Ali, confundiu gueto com sociedade e patrocinou uma cisão que, em sua face mais exposta, se traduziu nas invasões, no bloqueio de estradas, na transformação do Palácio do Alvorada num acampamento.
Enfim, à má vontade da sociedade e da classe política, respondeu com mais má vontade e radicalismo.
É típico de quem não tem grandeza para entender as razões do adversário ou julgar que ele, por pior que seja, não traduz apenas um sentimento isolado. E tomar a parte como referência do todo.
O PMDB lhe tomou o governo, sim, quando viu que dava. Inviabilizou-o para dizer depois que ele não tinha jeito. É cruel que tenha começado a cair exatamente quando começou a dar sinais de boa vontade de consertar suas contas. Mas, se não fosse ele, poderia ser outro, porque há um ponto em que esse adversário já não fala por si mesmo.
Seu inimigo maior, o presidente da Câmara Eduardo Cunha, principal culpado de sua desgraça, conseguiu o que quis porque já não falava só por ele.
As derrotas acachapantes nos plenários da Câmara e do Senado eram a prova de que ele traduzia mais do que uma vingança pessoal e que já não havia mais ninguém relevante do outro lado da trincheira disposto a ajudá-la.
Experiência eleitoral
Ela fez uma opção pela minoria e, claro, com a minoria ficou. E quanto mais se fechou nessa minoria, mais inimigos e antipatia conquistou.
Lula, seu padrinho, nunca abandonou essa minoria, mas sempre a colocou na mesa de negociação com a maioria que precisava conquistar. Ganhou eleições, virou votações no Congresso e desidratou crises sabendo colocá-la e tirá-la da manga.
É desafiador tentar entender como que uma técnica tão brilhante, que encantou Lula na primeira vez que lhe abriu uma planilha no laptop, tenha cometido tantos erros de cálculo.
O mundo político tem a boa explicação de que lhe faltou experiência eleitoral para treinar convívio, concessão e humildade, para aprender que política não é uma ciência exata.
Eu gosto de acrescentar que ela sempre se deu mal quando tentou simular o padrinho que não alcançava: comunicar como ele, articular como ele, usar as minorias como ele.
Era perfeita quando o obedecia na Casa Civil e na presidência do Conselho de Administração da Petrobras, com seus relatórios, seus dossiês, seus despachos bem combinados. Mas débil quando teve que passar para a linha de frente e imitá-lo.
Foi o maior erro dos dois e que dependia agora só dela para consertar. Ele não estava mais lá.
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