Quando chega ao Brasil em 1951, para uma estada de três dias, a poetisa americana Elizabeth Bishop se surpreende com o jeito expansivo com que a arquiteta Lota de Macedo Soares anda, comanda, conversa com peões e mostra paredes, teto e jardins da imensa casa que está construindo em Petrópolis.
Ela é toda acanhamento e contenção, uma figura branca, nórdica e arredia que reage mal aos cumprimentos daquela gente expansiva e se nega a declamar um de seus poemas, a pedido do jovem político Carlos Lacerda, no jantar de recepção.
Acaba tomada por esnobe pela morena tropical efervescente, que, na primeira abordagem, lhe cobra educação e menos arrogância. Mas ela responde que não tem orgulho de exibir a sua obra como a outra e acende a faísca de uma paixão que iria prolongar sua estadia ali por 17 anos ao admitir que, entre as duas, é ela a pior:
– Os leitores não deveriam querer conhecer os seus autores.
Tanto acanhamento, insegurança e medo de viver resultam numa criatura suave, frágil e carente de cuidados como, mesmo, flores raras e toda a delicadeza que esse belo título, inspirado no livro de Carmen L. Oliveira, sugere. E que a exuberante atriz australiana Miranda Oto eleva à máxima potência.
Leio que o diretor Bruno Barreto preferia A Arte de Perder, em tributo a um de seus mais famosos poemas e à sua relevância no enredo do filme. Uma das maiores poetisas americanas do século XX não fez mais do que perder na sua vida pessoal, desde a morte do pai e a internação da mãe num manicômio, ainda menina.
Seu espírito de estrangeira em si mesma a impelia a viajar em fuga ou à procura sabe-se lá de quê (foi dar no Brasil), e a deixar para trás amigos e amantes. Quando recebe o renomado prêmio Pulitzer em 1956, diz entre surpresa e amedrontada que nunca ganhara na vida.
Teria sido a escolha menos feliz num filme que acerta no roteiro de diálogos à altura dos poemas, na reconstituição nostálgica de uma época elegante, na escalação da dupla de protagonistas (Glória Pires, para ser a autoritária Lota, precisaria ser mais alta, mas é sempre Glória Pires) e no tom que em tudo parece evocar mesmo… flores raras.
No que elas têm de frágeis, belas e perenes enquanto duram, como uma paixão dos trópicos.
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
— Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.
One art
The art of losing isn’t hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.
Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn’t hard to master.
Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.
I lost my mother’s watch. And look! my last,
or next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn’t hard to master.
I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn’t a disaster.
Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
Leonardo Kfoury diz
Meu caro amigo, seu texto deu vontade (ainda não tinha tido) de ver o trailer e o filme.
Parabéns!
Grande abraço.
LK