Basta uma navegada rápida na internet para achar exemplos abundantes de doutrinação ideológica nas salas de aula que o movimento Escola Sem Partido combate, a começar de livros didáticos, o material por natureza insuspeito da educação.
O exemplo mais escabroso é a coleção Nova História Crítica, um panfleto marxista de um não historiador, Mário Furley Schmidt, que vendeu 10 milhões de exemplares para o MEC em 2005, no auge do governo Lula. Foi lido por mais de 30 milhões de estudantes e considerado pelo seu editor na editora Nova Geração como o maior sucesso editorial didático em 500 anos.
Como mostra esse texto esclarecedor do site Spotniks, ele
“elogia o regime cubano, afirma que a propriedade privada aumenta o egoísmo, critica o acúmulo de capital e faz apologia ao Movimento dos Sem-Terra (MST) e trata Mao Tsé-Tung como um “grande estadista e comandante militar. (…) Capitalismo e o socialismo são confrontados com informações maniqueístas, distorções bizarras, erros teóricos primários e releituras descompromissadas de qualquer apreço histórico.”
Há propaganda ideológica em até livros de Português e Educação Física. No distribuído a estudantes de ensino médio do Paraná, o capítulo “Faço esporte ou sou usado pelo esporte?” pretende fazer dos estudantes agentes de transformação social e do esporte como forma de desenvolver o espírito crítico contra as classes dominantes:
Regras: é preciso respeitá-las para sermos bons esportistas. Em nossa sociedade, devemos ser submissos às regras impostas pela classe dominante.”
O autor Gilson José Caetano admitiu para o site que fez “um recorte baseado no materialismo histórico dialético, base teórica de consenso entre os professores que criaram as diretrizes da Secretaria de Educação do Paraná”.
Os livros História e Vida Integrada e História em Documentos é pródigo em elencar os problemas do governo FHC (apagão, crise cambial, privatizações) e a compra de votos para a reeleição, em contraposição ao “novo jeito de governar” de Lula. Enquanto FHC fez aliança com as elites, Lula teve que fazer “concessões”.
Com base em outros livros indicados pelo MEC, o site do Escola Sem Partido mostra como o país sob Lula “teve ‘indicadores amplamente positivos’ ao passo que a política neoliberal de FHC causou ‘desemprego e recessão'”.
Mais:
“No livro “Caminhos do Homem”, da Base Editorial, o governo Lula foi um sucesso por ele mesmo. Segundo a obra, “os grandes avanços obtidos em várias áreas” e a “ampliação de programas sociais que favorecem os mais pobres” são “indicadores amplamente positivos do governo Lula”. Sem contar que as duas eleições de Lula “simbolizaram a vitória de um projeto social alternativo para a consolidação da cidadania plena no país”. Já o “História3”, da Saraiva, diz que a continuidade das políticas sociais e desenvolvimentistas no governo Dilma Rousseff levou o Brasil a se tornar “a 6ª. maior economia do mundo”.”
Doutrinação segundo quem entende
O pensamento de esquerda, que gestou o ovo da serpente que deu em professores militantes em sala de aula ou nos livros didáticos, não todos por certo, ainda se esforça para negar que haja doutrinação em sala de aula. Mas tem gente séria e experiente na área escrevendo exemplos na grande mídia.
O doutor em Filosofia pela USP Luiz Felipe Pondé, de vasto conhecimento sobre os corredores dessa universidade, diz textualmente neste artigo na Folha de S. Paulo que é uma mentira deslavada que “a universidade não é um espaço de debate livre de ideias”.
“A universidade é um espaço de truculência na gestão, na sala de aula, nos colegiados, no movimento estudantil. Lobbies ideológicos ou não dilaceram as universidades quase as levando à inércia produtiva —principalmente nas “humanas”. Quem discordar da cartilha de esquerda é ‘fascista’. “
Demetrio Magnoli, doutor em Geografia pela mesma USP, que sabe onde pisa, admite em outro artigo na mesma Folha, uma “sujeira ideológica acumulada ao longo de duas décadas”, um “caldo borbulhante de sandices que fez seu caminho até os manuais escolares, os vestibulares, o Enem”.
Nessa escola doutrinária, lembra, os jovens aprendem que:
“A Guerra do Paraguai foi arquitetada pela Inglaterra para evitar o surgimento de uma potência sul-americana. Cuba simboliza a esperança de redenção da América Latina. A democracia não passa de um manto protetor da exploração capitalista. Os EUA planejam roubar o pré-sal, as águas superficiais da Amazônia e os recursos subterrâneos do aquífero Guarani. Israel é um Estado racista que precisa ser abolido. O terror jihadista é uma contraofensiva de povos humilhados pelas potências ocidentais. Os direitos humanos são uma proclamação do Ocidente destinada a destruir as identidades culturais de asiáticos, muçulmanos, africanos e afrodescendentes.”
Essa utopia militante deixou sua mais precisa impressão digital na última prova do Enem, toda pautada na agenda hoje reconhecida como de esquerda, pelo que tem de tem de avessa à maioria conservadora da sociedade:
O dialeto gay, que puxou o coro nacional contra os elaboradores da prova, é apenas uma ponta de um sumário de perguntas que tratou de racismo e homofobia na internet (“a imagem da negra e do negro em produtos cosméticos”), feminicídio, preconceito no futebol feminino, direitos humanos e Agenda 2030, João Goulart e direitos trabalhistas, Eduardo Galeano e o futebol como produto de consumo.
Esse tipo de militância, disfarçado no propósito de formação do espírito crítico dos alunos, tropeça no velho cacoete de achar que o ideal, o certo ou o bonito é o discurso social que demoniza os opressores, em geral entendidos os empresários, a economia de mercado, a lei, a ordem e todo tipo de autoridade.
Minha sobrinha ouviu de um professor que os quartos de empregadas dos apartamentos modernos são as senzalas do tempo da escravidão. É lindo para falar no bar, mas cadê o contexto? Quais as razões de quem constrói ou compra um apartamento desses? Quem é culpado? Eles ou todos nós?
Isso, sem separar uma coisa da outra. Ensinar quais as razões do empresariado e do homem livre. Ensinar a pensar e não o que pensar.
Lei não tira partido de escola
A maior parte da inteligência publicada que reage à Escola Sem Partido, à esquerda e à direita, é unânime porém em condenar o obscurantismo e a inutilidade de uma lei para gerir costumes.
Até o filósofo Olavo de Carvalho, arrancado do gueto da extrema direita por ter sido percebido e inspirado o presidente eleito Jair Bolsonaro, acha que a ela não deve vir antes de se apurar as reais dimensões do problema. Que costumes se combatem com costumes.
Vai se formando um bom consenso de que não faz sentido uma lei para controlar a opinião do professor dentro de sala de aula, como pretendem os postulantes da lei da Escola Sem Partido, o Projeto de Lei 7.184/14 em fase de discussão no Congresso.
Não só pelo obscurantismo de tentar suprimir temas que faltariam à construção do argumento ou de pretender o policiamento dos professores, mas por ser inútil. Tanto quanto as as tentativas conhecidas da esquerda de implantar um controle social da mídia ou de nossos legisladores de tentar enquadrar os costumes no que depende de bom senso e polícia.
O Rio de Janeiro já teve uma lei de triste memória para coibir o xixi em público. Recentemente, Dias Toffoli, no exercício da presidência da República, promulgou ao som de tambores a que proíbe ejaculação em público.
Uma lei que elegesse temas passíveis de serem tratadas dentro da sala de aula esbarraria no ridículo de restringir a educação sexual, por exemplo, aos aparelhos reprodutores dos seres vivos. Caso o aluno perguntasse como se dá o desejo pelo outro que impulsiona a multiplicação das espécies, o professor estaria proibido de responder porque cairia na questão fatal de gêneros e suas variáveis.
Se estabelecesse punições para professores, como pretendeu o controle social da mídia para enquadrar jornalistas e donos de jornal, implantaria um estado de censura paralisante que só alimentaria a roda de advogados, promotores e juízes, cuja isenção, como se sabe, é mas discutível do que a de professores e jornalistas.
Isso é tão óbvio que me assusta ter que estar escrevendo isso agora.
Limites da isenção em jornais e salas de aula
Minha tese é que se trata mais de um problema dos limites da isenção, até onde é útil possível exigi-la de quem lida com produção e comunicação de conhecimento.
Ninguém acredita que jornalista seja isento, embora pretenda, porque percebe intuitivamente a precariedade do rascunho da história que ele escreve todos os dias em matérias apressadas de só dois lados.
Como também não convém acreditar na isenção de professores, advogados, sociólogos, filósofos e todo ser humano diante da magnitude de cruzar todas as variáveis do conhecimento para tentar uma síntese o mais próxima da verdade.
Há muito se sabe que jornais e jornalistas são infensos à crítica e utilizam o mecanismo fácil de ouvir os dois lados para disfarçar a preguiça de procurar os vários outros lados para aprofundar e construir a verdade, ainda que precária ao final. Tem algo de covardia também de não querer confrontar a patota.
No caso dos professores é mais sério. Podendo escolher seu leitor/ouvinte e tendo sobre ele o poder de vida e morte que a autoridade e o fascínio exercem, passaram a usar dessa autoridade e desse fascínio para apregoar suas ideias, que são apenas parte do conhecimento.
O presidente eleito simplifica ao dizer que escola é para formar profissionais e não militantes.
Não vou a tanto, porque acho que profissionais de espírito crítico são melhores, mas também acho que se produziu um estrago na geração que sai dessa universidade. Sai com uma forma enviesada de ver o mundo, de difícil revisão.
A saída óbvia quando se quer isenção é o esforço difícil de tentacularizar todas as variáveis implicadas num tema. Ou, no mínimo, ter a humildade de se saber que não se sabe tudo e estar aberto a ideias divergentes que podem corrigir a sua.
Não como os jornalistas e seus jornais, um tanto acomodados no cacoete de “ouvir os dois lados”, como se isso comportasse a verdade. Ouvir o outro lado é mecanismo reparador para se ostentar imparcialidade, mas acabou virando conforto para não se aprofundar. Na rapidez que caracteriza a atividade, o máximo que se pode fazer para não agredir a verdade e não se responsabilizar por injustiças, é “ouvir o outro lado”.
— Bom, eu tentei ouvi-lo, mas não consegui ou não deu tempo.
Ensinar o que é Direita e o que é Esquerda
A questão é mais funda na produção de conhecimento para se inscrever nos livros e influenciar gerações. O texto final, revisado e copidescado que mereça enciclopédia, ainda que, hoje, virtual. Não o rascunho a que a notícia humildemente se arvora.
Começar por ensinar os alunos o que é Direita e Esquerda, suas origens, seus princípios e suas distorções, pode ser um bom começo. Talvez o marco inicial para delimitar as bases do conhecimento em diferentes disciplinas e ajudar a eliminar preconceitos. Desenvolver o pensamento crítico abrangente, de fato.
Este texto do Uol Educação, bem didático e atual sobre o que é ser de esquerda, de direita, liberal ou conservador, é um bom ponto de partida. Embora deixe claro suas diferenças fundadoras, a justiça social versus a liberdade individual, mostra que ambos visam o bem comum de diferentes focos e podem coincidir ou exceder em diferentes regimes e circunstâncias.
Olavo Carvalho dá boa sugestão, mais para pesquisadores que para jornalistas, de pesquisar o que se vem produzindo nas universidades de forma a apurar se de fato há proselitismo doutrinário nas teses produzidas nas pós-graduações.
(Minha experiência na pesquisa de algumas teses, coisa de jornalista, me assustou mais pela inutilidade: a estetização da doença em Lúcio Cardoso, a mulher e o feminino em livros didáticos, apropriação do bovarismo na crítica moderna, black bloc – acontecimento e disputa de sentido. Entre outras.)
É uma segura estratégia testar, comprovar e expor eventual manipulação nos produtos intelectuais das universidades para dissipar preconceitos e só então começar a se discutir se é o caso de lei.
— Ela não pode vir antes.
Quando nada, evitar a tentação de fazer novas leis para legislar sobre costumes, como já a do Rio de Janeiro para proibir xixi na rua e a de Toffoli que proibiu ejacular em público.
Um país que legisla sobre o que é bom senso é capaz até de fazer doutrinação em sala de aula.
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