Ele tem pela frente o paredão formado por Moro, Ciro e seu partido dividido, mas também prepotência, ambição e esperteza de marketing para ser um grande eleitor.
Sempre achei João Doria mais competitivo do que o pacífico Eduardo Leite, que derrotou nas prévias, para enfrentar uma eleição que se anuncia dura e plebiscitária contra Lula.
Ele tem aquela pitada de mau caratice que Nelson Rodrigues identificou como indispensável para a vitória:
— Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, futebol e política com bons sentimentos.
Lula, Bolsonaro e Ciro Gomes, que mentem como o diabo quando preciso, sabem ou fingem que não sabem do que estou falando.
Doria é do time capaz de hoje o contrário do que defendia ontem, sem enrugar um músculo da testa esticada por algum botox imaginário que se impôs por conveniência. No meu tempo, se dizia óleo de peroba.
Seu problema é a soma dos excessos de prepotência, ambição e marketing, que transbordam das telas de entrevistas ou coletivas na forma de formalidade de mordomo misturada a uma cordialidade forçada.
A ponto de transformá-lo no grande antipático capaz de ser mal avaliado mesmo depois de ter dado ao país a sua primeira vacina, num ambiente em que a sociedade inteira pedia socorro.
Mas que tem funcionado paradoxalmente como solução. Ganhou todas as empreitadas em que se meteu fora de sua atividade empresarial, nas eleições majoritárias para a prefeitura e o governo de São Paulo, antecedidas de prévias belicosas.
A seu jeito trator, mostrou que é bom de campanha, sobretudo contra o PT, seu sparring nas duas grandes disputas. Soube desmontar as armadilhas retóricas do partido, transformando em virtude o que seus militantes pretendiam vender como defeito.
— Sim, sou o prefeito que vai privatizar cemitérios — foi como calou de uma vez por todas o discurso ancestral do partido contra o privatismo, que chamava de entreguismo, do PSDB.
Quando a militância ao modo PT de ser passou a tocaiá-lo com chuvas de ovos, fez um vídeo memorável exibindo um ovo com a promessa de que iria fazer omelete para as creches da cidade.
Atualmente, é o único que diz com sinceridade que vai privatizar a Petrobras, no seu jeito de farejar polêmicas que podem delimitar suas diferenças e as desvantagens de seus adversários.
Nesse sentido, é que me parece ser o candidato mais forte contra Lula num eventual segundo turno, assim que colocar sua arrogância, sua ambição e seu marketing despudorado a serviço de enfrentar os paredões que lhe aguardam.
Quais sejam, a polarização que ainda dá vantagens a Bolsonaro, a boa posição de Sergio Moro como herdeiro de eventual espólio bolsonarista e o seu próprio partido.
Bolsonaro não é o candidato mais competitivo contra Lula, mas o que mais chances tem de ir ao segundo turno.
Tem a máquina azeitada do cargo para cooptar apoio, tempo de TV e dinheiro eleitoral para fazer propagandas cinematográficas de seus feitos, que vão fazer boa parte do eleitorado se esquecer do que fez no verão passado.
Sergio Moro virou a melhor encarnação da terceira via contra o petista. Tanto pelo antagonismo natural anti Lula que lhe deu o destino e a captura até aqui bem sucedida dos apoios mais relevantes que o Bolsonaro de 2018 decepcionou.
Tanto de militares estratégicos dentro das Forças Armadas e de afeição em grossa parte do eleitorado conservador, quanto de políticos fritados ou de militantes decepcionados, como o MBL e afins, influentes nas redes sociais e nas ruas.
Paredão maior é o próprio PSDB, rachado pela liderança adversária de Aécio Neves, a quem sua prepotência lhe deu o mau conselho de enfrentar, quando qualquer estagiário de política sabia que era o pior a fazer.
As prévias mostraram o poder do cacique, que deu ao dissidente Eduardo Leite quase metade dos filiados, em margens muito estreitas entre os mais influentes, prefeitos e parlamentares.
É difícil considerar que vá arrastar essa outra metade para sair com pelo menos a vantagem de ter uma máquina partidária com ramificação nacional.
Seu jeito não é de tapar feridas. E é difícil que Aécio engula suas agressões e não arraste muita gente para outro quintal.
Vai para campanha meio alquebrado. Conta só com a ambição, uma certa capacidade de produzir expectativa de poder que, mal ou bem, tem funcionado como catalisador de apoios e engajamento.
E com a imprensa influente, que sempre gostou do PSDB e deve dar a ele espaço proporcional e entusiasmado que vem dando a Sergio Moro, em contraste com o que nega a Ciro Gomes e, de alguma forma, a Lula.
Não duvido de sua capacidade de abrir brechas consideráveis no noticiário, nas poucas oportunidades que tiver. E de ser bem sucedido num confronto midiático com Ciro e Moro.
Muito difícil que chegue lá, mas é igualmente certo que será um eleitor de peso para formar com essa trinca o grande paredão dos pesadelos de Lula.
Juntos, Moro, Ciro e Doria já somam de saída entre 20 a 25% das intenções, dependendo do instituto de pesquisa. Todos os três com potencial de crescimento. Somados aos 25% de Bolsonaro, passam da metade do eleitorado.
Ciro tem a boa tese de que há 75% dos eleitores à procura de um anti Bolsonaro, assim como acho que outros 60% buscam um anti Lula, considerando os 40% em que o petista está se consolidando. É um dos preços que paga por se isolar como único candidato das esquerdas.
Qualquer dos três tem boas chances de aglutinar esse paredão. Doria, inclusive, muito inclusive. Menos Bolsonaro, que deve dispersá-los em favor de Lula.
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> Publicado no Estado de Minas, em 30/11/2021
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