João Doria me fascina, embora ache sua demagogia de varrer rua com garis um tipo de axé de mau gosto.
Ivete Sangalo me fascina, embora axé me soe desconfortável como um discurso de palanque.
Os dois são entretanto os mais retumbantes e recentes fenômenos de comunicação que explicam bem meu propósito.
Andei afastado uns dias, como faço de vez em quando, para repensar minha presença no mundo digital. Reavaliar o sentido de meu esforço de manter este site e minhas contas nas redes sociais, Facebook, Twitter, GooglePlus, Linkedin.
Precisava dar um tempo longe da roda viva impensada dos posts seriais, me obrigar um jejum do inebriamento das curtidas, para olhar no fundo do tacho se o que resta tem valor para quem tem a paciência e a generosidade de me seguir.
Fiz alguns cursos online, submergi num monte de textos e vídeos sobre foco e autoengano, deixei-me embalar numa série de vídeos de estratégias de comunicação e marketing, político, pessoal e de relacionamento.
Para concluir afinal que eu gosto do que venho fazendo, primeira condição para se fazer qualquer coisa. O que falta é explicar melhor o que faço para chegar um tipo de conexão com meus seguidores e saber se eles gostam. E em que ponto precisam do que produzo.
Num efeito colateral importante, também arranjar um jeito de me livrar dos ataques daquele tipo de leitor que acha que o mundo se divide em coxinhas e mortadelas. E que é possível que ter outros propósitos na vida que não a militância.
Daí que, quando entrei no fim de semana pensando no artigo que escreverei para terça-feira, como sempre faço, foram os nomes dos dois que me afloraram naturalmente.
Tripé de comunicação
Em quarenta dias à frente da prefeitura de São Paulo, João Doria se fez tão conhecido no resto do país quanto o governador de longa jornada Geraldo Alckmin. Com quase unanimidade na cidade, já congestiona a discussão política como melhor candidato do PSDB à Presidência da República, em 2018, abatendo os príncipes e caciques do partido que já haviam percorrido longo caminho.
Ivete sempre foi Ivete, mas bateu todos os recordes de interação do Facebook durante o carnaval e acabou eleita rainha da folia por um site americano, o Village People.
Segundo, que são um manancial inteiro para análise de por que os líderes populares arrastam as massas.
Qual o segredo dos dois?
A resposta na ponta da língua, derivada de minha experiência em marketing político, é que operam — mais consciente ele, menos consciente ela — o tripé da gestão bem sucedida de imagem. Que são, pela ordem:
- A percepção do insconsciente coletivo.
- A resposta a algum grande medo coletivo
- Transmitir autenticidade, congruência entre a imagem vendida e a exercida.
João Doria soube como ninguém, desde Janio Quadros, perceber a inquietação paulistana com um prefeito meia bomba como Fernando Haddad, trancado em seu gabinete enquanto a cidade foi se degradando por um tipo de frouxidão moral em que tudo é permitido ou relativizado, das pichações às cracolândias. Percebeu também um grande inimigo comum, chamado PT, que lhe cabia combater.
O medo coletivo que procurou exorcizar foi o da desordem, a sensação de que num sistema em que tudo pode, onde não há dono nem lei, a segurança corre risco.
Percebeu que a cidade precisava de um gestor, acelerado e eficiente como um gestor de empresa privada, que tinha o figurino perfeito para o papel e, num caso raro de intuição política, que estavam todos cansados da dissimulação dos políticos.
Como deve saber como marqueteiro de nascença que a imagem tem que ter congruência, esperou sem medo os estigmas para desmontá-los na origem. Quando disseram que seria o candidato dos ricos, corrigiu: “não sou o candidato dos ricos, sou um candidato rico, que é diferente”. Quando a militância de esquerda anti capital o acusou de privatizar a cidade, até cemitérios, assumiu: “sim, eu sou o candidato que vai privatizar cemitérios”.
Em outro candidato, isso certamente não funcionaria. Homem de marketing, saberá sem dúvida que não se pode pregar etiqueta num candidato se ele não corresponder à imagem projetada.
Percepção do inconsciente coletivo, resposta a um grande medo e coerência pessoal.
Sabedoria coletiva
O tripé faz líderes imbatíveis, como Ivete Sangalo, de que conheço pouco.
Do pouco que sei, nunca tive dúvidas de que ela sempre correspondeu como poucas à ambição coletiva do baiano por festa, que é meio tradução do jeito brasileiro de ser e se ver. E imagino que tanta energia e exuberância satisfaçam o desejo de juventude eterna e sejam resposta ao medo de ficar velho e doente.
Sua percepção da sabedoria coletiva pode estar na inteligência com que opera com maestria a dubiedade de ser rainha e plebeia ao mesmo tempo.
Como o Doria que se veste de gari para reduzir a distância entre sua corte e a vassalagem, ela tem um grande talento para descer ao chão da avenida e vender a imagem de que é comum como seus súditos, como fez à larga no carnaval, pulando do chão para os carros alegóricos e trios elétricos, e vice-versa.
Pode ser que tenha algo de fabricado nessa imagem, que essa autenticidade seja produto de treinamento longo, como também é comum acontecer com os políticos até o ponto em que eles mesmo já não se sabem o que é forjado ou espontâneo. Mas é também verdade que, como na velha máxima, ninguém engana todos por tanto tempo, não consegue imprimir uma marca se não for do fundo da alma honesto com seus princípios.
Fernando Henrique Cardoso e Lula, os últimos dois grandes líderes de massa que conseguiram deixar uma marca, só a deixaram porque traduziam o fundo de sua maneira real de ser. O contemporizador que garantiu a estabilidade, num primeiro caso. O vingador dos pobres contra as elites, no segundo.
Mesmo com os tropeços e os auto-enganos que a vida oferece e as curtidas no Facebook aceleram, ninguém convence se não acreditar profundamente no que acredita e no papel para o qual acredita estar destinado.
É o que ando tentando descobrir.
Cristiano Marques diz
Dória é um fenômeno ou o Brasil é muito carente, ou os dois?