Tenho me perguntado por que Álvaro Dias não cresce, aparece e empolga, se tem quase tudo do modelo de candidato que a centro-direita procura desesperadamente.
Tem boa estampa, boa articulação verbal, currículo recheado de boas passagens pelo Legislativo e pelo Executivo, experiência administrativa aprovada num dos principais estados do sul moderno, ficha limpa, bom discurso de figurino conservador sem ser reacionário, de preocupação social sem ser estatista.
Seu único defeito explorado nas entrevistas, ter trocado algumas vezes de partido, ele transformou em virtude no país em que os partidos não valem nada.
— Mudei de partido para não mudar lado — responde, como fez ontem no Roda Viva que fui assistir de lupa para tentar entender esse enigma.
Minha primeira impressão visual é que lhe falta um tanto da contradição e do conflito que marcam as pessoas carismáticas. Na pose, nos gestos, na fala, na ausência de contrações significativas no rosto.
O tom para monocórdio, ainda que muito articulado, completa o quadro com um discurso correto mas um tanto quanto inacessível, não só às massas.
Esse me parece o seu grande problema.
Talvez por força de sua experiência de gabinete, fala em geral de grandes números, ideias, políticas macro, questões estruturais, limites da legislação. Mais no atacado que no varejo, mais floresta que árvore, mais gráfico de administrador que conversa de político.
Talvez por seu jeito um tanto quanto recatado, não fulaniza. Não é a primeira vez que se recusa a falar de seus concorrentes (“não atiro pelas costas”), mas também tem enormes dificuldades de citar exemplos da vida real em qualquer tema.
Quando lhe perguntaram logo de cara qual seu primeiro grande ato depois da posse, falou de uma “refundação da República”, para mudar tudo que está aí, sem citar uma só ideia de impacto.
Quando quiseram saber de Educação, fez, entre muitos números, longa e um tanto chata peroração sobre teto constitucional.
Quando lhe cutucaram sobre sua defesa do porte de armas, justificou apenas com o plebiscito sobre desarmamento em que 63% dos brasileiros se disseram no direito de comprar uma arma.
— É livre arbítrio — disse, como se falasse para intelectuais, e muito vagamente, sem convicção, citou uma estatística do Ceará para tentar dizer, e não disse, que a proibição de armas no Brasil não tem evitado que mais de 60 mil pessoas morram assassinadas por ano.
Me lembrou as dificuldades de Aécio Neves na primeira fase da eleição de 2014. Ele não subia nas pesquisas, entre outras coisas, porque falava de “choque de gestão” e “déficit zero” (“vamos diminuir o Estado para tratar de pessoas”) em vez de fulanizar, dar exemplos concretos da realidade.
Num artigo que escrevi à época sobre seus sete erros de postura, lembrei que, fosse Lula, ele citaria uma metáfora futebolística e diria que o cidadão precisa chegar em casa, destampar a panela e ver comida.
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Fosse Jair Bolsonaro ontem, Álvaro Dias teria respondido de bate-pronto à entrevistadora que, na crítica ao porte de arma, disse que temos a polícia que mais mata no mundo.
— Mas temos também a que mais morre — devolveria. E emendaria com exemplos do cotidiano que entrevistadores do tipo parecem desconhecer: do jovem que mais morre na periferia, do pai que não pode deixar filhos andarem sozinhos na rua, da mulher que perdeu o direito de caminhar nas cidades.
Da mesma forma que, no caso da educação, poderia ter falado da miséria das escolas públicas em greve e dos pobres da ponta mais sacrificada da sociedade, que deixam a escola para virar avião do tráfico.
No caso de seu primeiro ato na Presidência, daria alguma medida de impacto para gerar segurança e emprego ou pegado carona no descalabro do preço dos combustíveis que provocou a primeira paralisação séria do país. Tema que, aliás, para se ter ideia da generalização atacadista do programa, sequer foi citado.
Esse talvez o grande problema do candidato. Ele não fulaniza, ele não pisa na terra, ele não mostra a vida que pulsa além dos grandes números de seus gráficos mentais.
É um grande candidato. Mas pode se firmar como o grande que não passou de pequeno.
PS – A propósito, depois da saída de Augusto Nunes, o programa optou por uma discutível estratégia de convidar jornalistas e técnicos obscuros, fora do circuito da grande imprensa, em geral ruins de objetividade e de informação a quente sobre o fogo das campanhas eleitorais. Piorou.
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