Volto à Veja porque ela vem às bancas neste domingo com outro grande exemplo de esquizofrenia editorial.
Que, para meu gosto, vem deteriorando a quinta maior revista do mundo, que já foi referência intelectual do país.
A revista dedicou seis páginas ao duelo de Nina e Carminha na novela das 9h, exatamente a soma das dedicadas ao mensalão (4), ao suposto suborno de um juiz pela mulher do bicheiro Carlos Cachoeira (1) e à memória de Gore Vidal, o extraordinário romancista, historiador e memorialista americano morto na última semana (1).
O arranca-rabo das duas também foi capa, com título em vermelho estimulando uma falsa polêmica sobre Vingança, “a mais primordial das emoções”, justamente na semana crucial para o julgamento do século pelo qual a revista veio se empenhando com voracidade há sete anos.
Este, se resumiu a um cozido ligeiro da denúncia formulada pelo procurador Roberto Gurgel, enquanto Vidal ficou com três parágrafos abaixo de uma foto de meia-página.
A matéria que mereceu capa é um misto de ciência e mexerico, com as seguintes informações relevantes:
– Antes de uma gravação à beira da piscina cenográfica, a atriz Adriana Esteves (Carminha) saiu em disparada para se salvar de uma abelha que lhe pousou no cabelo, com direito a comentário da diretora Amora Mautner: “Carminha com medo de abelhinha? Fala sério”.
– Débora Falabella (Nina) diz que ouve regularmente elogios e insultos de velhinhas na rua.
– José Abreu, o canalha Nilo que vive num lixão, informa que a juba ensebada de mendigo lhe causa transtornos domésticos: “Na cama, minha mulher ainda toma um susto sempre que encosta em mim”.
– O diretor Luiz Villamarim admite que conseguiu “fazer um lixão limpinho” ao explicar o cenário em que Nina foi abandonada na infância, criado com 1.500 caminhões de lixo sem produtos orgânicos.
– A diretora Amora Mautner conta como conseguiu fazer a pequena Mel Maia (Nina menina) chorar com convicção no início da novela: dizia-lhe “que nunca seria tão boa atriz quanto outra atriz infantil de quem ela é fã”.
– Numa entrevista que ocupa três terços de uma página, pergunta-se à Adriana Esteves se ela é barraqueira como Carminha: “Nada a ver, sou bem mais discreta”.
Para não ficar no plano da fofoca de novela, típica de uma Capricho, Veja faz um angu filosófico.
Tenta um tratado sobre vingança, com direito a algumas pinceladas históricas desde a lei do Talião (na Babilônia), citações de filósofos (Francis Bacon, Darwin e Rosenfield), abordagens psicanalíticas (princípios da psicologia evolutiva) e referências a clássicos da literatura (Hamlet e Medeia), sem deixar de tentar alguma abordagem antropológica da luta de classes.
Estivesse fazendo um gancho com Roberto Jefferson, cuja ira contra José Dirceu botou a República a pique, ou tentando traduzir o fenômeno de audiência de Avenida Brasil , tudo bem.
Nenhum problema que o fenômeno, se houvesse e fosse novidade, merecesse capa, como outras novelas ou personagens de novelas já mereceram justamente.
Mas a revista tratou há poucas semanas do que seriam as inovações da novela, numa boa entrevista nas páginas amarelas com o autor João Emanuel Carneiro. A trama centrada no subúrbio, em oposição ao modelo anterior que contrapunha núcleo pobre e rico, seria uma delas.
A questão aqui, porém, é oportunismo. Volta e meia, a revista pega um assunto palpitante para seus interesses comerciais, dá-lhe algum verniz intelectual forçado e mete na capa.
O fenômeno, esse sim, real, é muito comum em vésperas de Semana Santa e Natal, quando descobre alguma novidade para tingir algumas páginas sobre Jesus e a fé que move montanhas, milhares de brasileiros e as vendas em banca.
Eu havia dito que a revista não sabia se queria ser Bravo ou o pior tipo de Caras, mas o tom agora tende a Contigo.
Essa procurou dar ao mundanismo de Caras um pouco mais de conteúdo sobre trabalho e vocação das personagens de novela que enchem suas páginas.
Digamos que Veja quer ir um pouco além de Contigo – tentar dar verniz a pseudos fenômenos comportamentais que não passam de mexerico.
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