Entre os tantos rostos com que se pode definir o governo de Jair de Bolsonaro, o da pastora Damares Alves no Ministério da Mulher e da Família encarna a pauta que ajudou a definir a psiquê das últimas eleições, no Brasil e no mundo.
Jair Bolsonaro não ganhou a daqui apenas porque falou de corrupção, o carro-chefe que demarcou sua diferença com Lula e o PT que a maioria dos brasileiros queria fora.
Ele ganhou principalmente porque colocou em circulação os temas cotidianos e de comportamento que estão nas discussões em casa e na mesa do bar.
Segurança, para começar. E a macropolítica miúda dos incômodos novos que vão formando a pauta política nas eleições pelo mundo: des ou criminalização do aborto, violência e valorização da mulher do mercado de trabalho, emancipação das comunidades indígenas e LGBT, a desordem da imigração, cotas raciais.
Foi com essa pauta que cresceu aos olhos do eleitorado, enquanto Fernando Haddad defendia o que não era determinante para a vitória naquele momento: democracia.
Nem democracia, nem privatização, nem tamanho do estado. Políticas macro para gerar emprego e moradia também já estavam fora de moda.
Por um conjunto de circunstâncias, Bolsonaro incorporou como nenhum outro candidato o mal estar da civilização brasileira com o foco que vinha sendo dado.
Contra o proselitismo de esquerda
Começou na irritação com o proselitismo da esquerda que descambou para o excesso de sacrifício do direito da maioria em benefício das minorias de todo tipo, com razão ou não.
Foi com essa pauta que ele cresceu nas redes sociais e foi com ela que voltou à live que fez nesta semana no Facebook.
Como eu disse no artigo de ontem, seu refúgio e flanco de defesa para se contrapor ao cerco do mundo político de Brasília, insatisfeito com suas negociações sem políticos.
>>> Leia o artigo: Bolsonaro volta às lives para enfrentar raposas de Brasília
Ele não falou nada de privatização, redução ou aumento de impostos, tamanho do Estado, emprego, moradia e renda.
Nada disso. Em sua última live, ele retomou questões que tratam de incômodos palpáveis do cotidiano. Um tipo de discurso e política para as minorias com seu foco, o foco diferente do que vinha sendo tentado pelas esquerdas.
Discurso direto para minorias
Falou do excesso de multas dos órgãos ambientais ao abordar a questão do Acordo de Paris, de liberdade para os índios explorar economicamente suas terras e restrições a migrações.
Seu foco é surpreendente estranho e libertador a seu modo ao que vinha sendo professado pelas esquerdas, de intervenção e paternalismo estatal.
Vocaliza tirar o empreendedor das mãos de ferro do Estado, permitir ao índio se emancipar financeiramente e dar ao empregado segurança de seu já limitado espaço no mercado não será ocupado por imigrantes.
É uma curiosa e nova forma de fazer política que sobrepõem os interesses miúdos e de comportamento individual sobre os macros.
A tensão ficou muito clara na disputa eleitoral, onde questões sexuais e religiosas se sobrepuseram as genéricas como democracia e mercado. E parece ir sendo ampliada, elucidada e aproveitada pelo novo presidente na sua luta contra a ordem que quer combater.
É mais do que um Brasil contra o outro. É um novo mundo com suas novas tentações — conflitos religiosos, imigração, afirmação feminina etc — contra o outro.
Onde a pastora Damares faz todo sentido.
Não é nem de longe a idiota que a maledicência das redes sociais tenta fazer crer depois que bombou o vídeo em que ela fala de sua epifania com Jesus num pé de goiaba, aos dez anos de idade.
Posições conservadoras
Jurista, pedagoga e longa carreira de assessora parlamentar, tem extensa folha de serviços prestados na formulação de leis, na assessoria de CPIs e na assistência direta a crianças e mulheres vítimas de abuso. Participa de uma ONG internacional a respeito.
Vítima de aborto por abuso, está completando algumas décadas de trabalho em defesa da família e de seus valores. No parlamento, no púlpito da Igreja da Lagoinha em Belo Horizonte ou fora deles.
Ainda que não se concorde com suas posições conservadoras, seu discurso em defesa de suas convicções contra a descriminalização do aborto é concatenado e convincente:
— O aborto não pode ser usado como um contraceptivo — disse, num de seus melhores momentos para acrescentar que é um trauma que a mulher carrega para o resto da vida.
Do episódio do pé de goiaba que virou chacota, fez uma boa limonada para dizer oferecê-lo como exemplo de que é possível se descer da árvore e combater a opressão contra a mulher. Do seu ótimo depoimento à revista Crusoé:
Você sabe quantas mulheres estão no pé de goiaba ainda hoje no Brasil? Você sabe quantas crianças estão no pé de goiaba ainda hoje? Eu consegui, eu superei, eu fiz da minha dor a minha luta. Uma em cada três meninas pode estar sendo abusada sexualmente no Brasil. Relatórios mostram isso. Então estou falando para um terço das mulheres no Brasil, sendo abusadas. Nós recebemos um relatório agora que diz que o Brasil é o pior país da América do Sul para ser menina. Não dá mais para a gente admitir tanto abuso de meninas e meninos no Brasil.
Sua cara traduz mais do que seu jeito conservador. Mas a da mãe forte que tem que matar um boi por dia para proteger a família e tem medo de que o filho não chegue em casa.
Que ajudou Bolsonaro a ganhar a eleição no Brasil e vem definindo as eleições na nova ordem mundial.
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