A melhor metáfora de uma campanha publicitária na era pré-digital é a do jogo de boliche: a bola era a campanha, a pista o canal e os pinos os públicos alvos a serem atingidos. Se o publicitário não derrubasse todos numa só tacada, era possível jogar outras bolas/campanhas mais bem dirigidas.
Era um tempo em que bastava criar a campanha, comprar a mídia (os canais), fazer o ataque e analisar o recall.
Nesses novos tempos, a melhor comparação é a que faz Walter Longo, publicitário, professor, palestrante especialista em inovação e estratégia e ex-presidente da Abril Editora, no livro mais enxuto, didático e convincente sobre o que vem depois depois da era digital: Marketing e Comunicação na Era Pós-Digital, seu título.
É a de que os homens de comunicação passam a ter que lidar agora com um pin-ball, aquele jogo eletrônico da bolinha caótica em movimentos imprevisíveis por canais aleatórios e reações imprevistas, gerando outras reações idem.
O homem de comunicação/publicidade dessa pós-era tem que inventar o canal, sem estar muito convencido dos resultados, e estar pronto para administrar seus efeitos e reações.
Num caso bem sucedido, a Coca-cola inventou de colocar nomes nas latas do refrigerante e jamais poderia imaginar que, tanto tempo tempos, o vídeo do Porta dos Fundos fazendo graça com a ideia ainda tem milhões de visualizações, num tipo de propaganda ganha absolutamente inesperada.
É uma era de consumo caótico, déficit de atenção e relações superficiais que produziu uma geração sem compromisso com suas escolhas. Na qual a mensagem bate, não fixa e se transforma.
Muito diferente da geração anterior, que estabelecia compromissos para longo prazo, como diz Longo:
“Os nativos que já nasceram com acesso à internet querem liberdade para mudar de rumo e alterar a direção, tanto pessoal e profissional, até sentir enfado. Efemeridade de forma holística. Mudam de opinião com rapidez e frequencia.“
Para o empresário, blogueiro, autor de best-sellers e articulista James Altucher, citado no livro, a filosofia dos jovens se baseia na efemeridade: “o passado e o futuro não existem, são lembranças e especulações”. Para o filósofo polonês Zygmunt Bauman, pensador da pós modernidade também citado, “a engrenagem do estilo de vida da era pós-digital está empurrando a geração dos nativos digitais para a troca de amores, amizades, marcas, aplicativos e aspirações como quem troca de tênis, numa sucessão de reinícios rápidos e indolores”.
A força destruidora dessa era da “transitoridade das lealdades”, numa ótima expressão do autor, devastou grandes modelos de negócios e marcas que eram seus sinônimos (disco, cópia de filme, Kodak, Olivetti, Xerox), destruiu empresas centenárias (das 500 maiores dos EUA em 1955, restam 67), reduziu-lhes a vida útil (de 75 para 15 anos) e destruiu até as pontocom que não souberam se adaptar (American Online, Altavista, Netscape).
E, por cima, quebrou todos os paradigmas da velha publicidade. Os principais:
Tamanho não é mais documento
Nessa nova ordem, uma empresa como o WhatssApp, de cinco anos de vida e 55 empregados, foi vendida em 2011 por US$ 19 bilhões, mais do que mastodontes da aviação e da indústria automobilística. Um designer como o egípcio Karim Rashid pode substituir várias empresas de publicidade do centro nervoso delas, a Madison Avenue, prestando serviços de dentro de seu escritório, em qualquer ilha do Pacífico, para 300 clientes espalhados pelo mundo, entre os quais a Coca-cola, a Veuve Clicquot, a Disney e a Melissa.
O cliente não tem sempre razão
Na grande maioria das vezes, os clientes não sabem o que desejam simplesmente por ignorarem o que esse produto ou serviço desconhecido pode fazer por eles. Um exemplo recente é o iPad. Para quem já tinha um laptop e um celular, o produto poderia soar redundante. Muitas pesquisas demonstram rejeição a novidades, não porque as propostas sejam ruins, mas porque o consumidor já está exausto de tantas opções.
O segredo não é mais a alma do negócio
A internet é lugar de compartilhamento que abomina o individualismo, cada vez mais impertinente, impopular e improdutivo. Boa parte dos softwares são resultado de colaboração. O processo evolutivo do Microsoft Windows, por exemplo, se baseou nos feedbacks. O Itunes de Steve Jobs organizou a colaboração para recolher inteligência operacional no mundo todo. Um dos exemplos mais claros deste tipo de atitude mental viabilizada pela tecnologia é o aplicativo Waze, em que os usuários aperfeiçoam o software a cada esquina com suas opiniões e contribuições. A JustPark coordena a utilização segura e responsável de espaços vazios e ociosos em estacionamentos, enquanto o site Airnb os vazios em apartamentos. Juntos, eles dispensam a construção de milhares de estacionamentos e hotéis.
É o que Joanthan Zittrain, professor de Direito da Internet em Harvard, chama de Generatividade, “a capacidade de um sistema de produzir mudanças não antecipadas por meio de contribuições não filtradas de públicos amplos e variados.
O bom não é inimigo do ótimo
Nessa era de velocidade exponencial, em que produtos e marcas nascem a morrem todo dia, quem se atrasa pode perder a oportunidade ou ficar obsoleto antes de lançar seu produto. Walter Longo conta o caso da Apple, que lançou o Iphone e o Ipad, sabendo de suas imperfeições e sem certeza de seus limites, confiando no aperfeiçoamento depois de lançado. É um caso de saber que os aparelhos não precisavam estar ótimos, mas suficientes bons para receberem críticas e serem aperfeiçoados depois.
“Muita gente acha que a Apple é um exemplo definitivo de empresa que produz baseada na perfeição. Na verdade, é uma empresa com grande competência de definir o suficientemente bom. Não estamos falando de revoluções de produto, de engenharia, mas de utilizar o poder da comunicação para construir e potencializar uma mensagem que já está no DNA de todo o setor e que certamente inspiraria outros setores a trabalharem no sistema de pequenas melhorias apresentadas e incorporadas aos produtos conforme forem ocorrendo.“
Pós digital
O que caracteriza a era pós-digital, na ampla e boa explanação do livro, é aquela em que a tecnologia de compartilhamento e interatividade é tão ubíqua e onipresente, tão impregnada na sua vida, que você nem nota mais que conversa por teleconferência, troca mensagens com alguém do outro lado do mundo e ao mesmo tempo com o colega ao lado, seus aparelhos conversam entre si, os algoritmos no seu celular entendem seu comportamento, você vê, experimenta, assiste, compra e vende o quer e quando quer, num clique. Ou, melhor, num toque na tela.
É possível que você só perceba quando um juiz brasileiro fecha o WhatsApp e você tem a sensação de que faltou algo essencial à sua vida, como, antigamente, água e luz.
Nesse novo mundo, serviços antes inacessíveis ficaram de graça (jornais), coisas de graça passaram a ser pagas (TV), conhecimento virou comoditty e acessível a qualquer classe social em mais celulares que o número de habitantes do planeta. E tudo ficou on-off ao mesmo tempo:
“A conjunção simbiótica do digital com o experiencial, do on-line com o on-life, num só sistema de interrelações biunívocas, ou seja, o equilíbrio perfeito entre o high-tech e o high-touch envolvendo cada um de nós. (…) Quando a tecnologia – esteja ela num iPhone, tablet ou um novo app – se torna ubíqua e permeia todas as classes sociais, é difícil reter ou resgatar seu status aspiracional. Ela passa, então, a ser como o ar ou a água, notada muito mais por sua ausência que presença.“
O homem de comunicação dessa era tem que saber que é uma época de Mutualidade, Multiplicidade e Sincronicidade. Mais ou menos em suas palavras:
Mutualidade – Máquinas falam com máquinas e não apenas com pessoas. Não apenas comunicam a hora de aquecer ou desaquecer um prato, mas fazem diagnósticos, escrevem textos, definem roteiros, algoritmos calculam eficiência, objetos produzirem objetos. Os algoritmos percebem padrões, aprendem, analisam e tomam decisões. Com o big data, as máquinas sabem mais sobre você que qualquer pesquisa distorcida pela opinião. Recebem dados, tomam decisões e geram informação numa relação mutual e evolutiva.
Multiciplicidade – As tecnologias digitais expandiram os canais como água em gremlins. Ao invés da pista única de boliche, o pin-ball das redes sociais é um mundo caótico de banners, popups, download adversiting, podcastings, sites, blogs por onde passa e sofre infinitas mutações. O planejamento publicitário que era óbvio — atendimento, planejamento, criação, média, rádio e TV) — não pode mais considerar a mídia numa divisão por ferramentas. O publicitário tem que criar a mensagem e criar o meio, sem controle absoluto da repercussão e dos desdobramentos.
Sincronicidade – Com a mutualidade das máquinas e a multiplicidade de informações em tempo real, é possível ter informações mais causais e temporais que afetam o cotidiano, de forma dinâmica, do que detalhamento demográfico e comportamental. Não se trata mais de saber nome, idade, sexo e classe social, mas se o consumidor comprou um carro, teve filho, separou, começou um esporte, comprou um cachorro ou começou uma dieta. Nos bancos de dados antigos, quem se separava ou tinha filho ou comprava automóvel estava na mesma base de idade, renda e escolaridade.
O que antes era linear, programado, planejado, na era pós-digital é rápido, imprevisível, interativo, caótico.
Com o paradoxo da escolha e a falta de informação, as trocas hoje são mais de amigos e mais intensas.
As trocas são mais intensas e cheias de significado, a importância dos sentimentos de cada um dos envolvidos é muito maior, o individualismo não é visto com bons olhos nem deve ter espaço para existir. Nesse tipo de relação, o conhecimento do outro e o respeito por seus desejos e aspirações é o ponto de partida. Não existe mais o “compre isso” ou o “faça aquilo” descontextualizado. No mundo do engajamento, as propostas são definidas pelo feedback obtido de ações anteriores.
Nexialista do pin-ball e dono de circo
Nessa nova era da deslealdade dispersa, o profissional de marketing há que ser uma figura onipresente que, nas ótimas definições de Walter Longo, mistura o nexialista com o dono de circo. No sentido de administrar todas as variáveis e encantar.
Lembra que o marketing evoluiu como ciência de convencimento, se adaptou às novas técnicas da era digital — viral marketing, buzz, etc —, mas “sempre travou um monólogo com os consumidores”: criava um discurso e reverberava em alguma mídia.
Mas, com a ubiquidade das novas tecnologias e a facilidade do consumidor de usá-las, a mutualidade, a multiplicidade e a sincronicidade, o marketing evoluiu para se antecipar e sugerir coisas que possam ser relevantes, considerando os hábitos de navegação e interesses dos internautas. O processo de seguir o usuário (tracing) evoluiu para o de acompanhá-lo o tempo todo (tracking).
“Mais que dominar as armas digitais, as empresas de publicidade têm que ter uma alma digital.“
O publicitário dessa nova era pin-ball não pode, segundo ele, mais pensar em planejamento da era boliche por ferramentas, mas por processo. Tem que criar a mensagem e o canal, porque vai saber como as coisas começam, mas não necessariamente onde e como terminam.
Os conceitos mudaram:
- Massificação, que havia evoluído para Segmentação, virou Personalização.
- Inserção e Periodicidade, que haviam se transformado em Perenidade, evoluíram agora para Sincronicidade, aquela em que é preciso adivinhar o desejo que virá a partir do conhecimento do que seu alvo está fazendo.
- Conteúdo e Segregação, que haviam mudado para Aproximação, se transformaram agora em Integração evolutiva.
Mais que saber onde quer chegar, o homem de marketing precisa identificar o caminho para se chegar. Sabendo-se que tudo se consome de forma rápida e dispersa, é preciso ser múltiplo e sincrônico. Modelo Waze de planejar: não somente o caminho mais adequado, como todas as alternativas possíveis do ambiente mercadológico.
Tem que estar certo de que o consumidor desse tempo, mais fiel aos amigos que às empresas, em trocas mais pessoais e intensas, quer ser informado, surpreendido, seduzido, entrar na mitologia da marca, quer diversão e envolvimento. Há que ser um showman, que lhe ofereça magia. Produtos, marcas e anúncios que gerenciam têm que ter tensionalidade, a tensão permanente de contradições para surpreender.
O profissional da área tem operar um misto de insight publicitário com entretenimento e capacidade de engajamento. Com um é pé na Madison Avenue, outro na Vine Street de Hollywood e outro no Vale do Silício. Já há até uma sigla para isso — MVV, de Madison, a rua de grandes agências de Nova York; de Vine, a dos astros de cinema na Califórnia; e Valley da região propulsora da internet.
Há que ser um nexialista, no sentido de integrar de forma cinérgia, complementar e sequencial, as várias disciplinas que compõem o conhecimento humano, de modo que as coisas e atividades façam nexo.
É o cara que não sabe as respostas para todas as perguntas, mas sabe buscá-las. Tem uma visão gestáltica e uma cabeça de hiperlink. Mas não deixa de ir fundo onde preciso.
Opera um marketing que é, ao mesmo tempo, de convencimento do consumidor, de alinhamento de distribuidores, de engajamento dos fornecedores, de monitoramento dos concorrentes, de esclarecimento dos mercados e de envolvimento da comunidade. Um sujeito que busca casar, ao mesmo tempo, digital com o experiencial, do high-tech com o high-touch: convencimento, alinhamento, engajamento, acompanhamento, esclarecimento e envolvimento de múltiplos targets e grupos de influência. Nexialista, tem que achar nexo entre elas.
Isso, paradoxalmente, sem deixar de pensar no longo prazo, perscrutar e perceber para onde o mercado está indo. Cenários mudam, as perspectivas mudam. Profissionais e empresas que não mudarem, morrerão. Empresas que só apagam incêndios e não miram o longo prazo, morrem assim que as modas passam.
“Não é por ser efêmero que não tenha que se ser estratégico.“
Como o dono do circo.
Depois do boliche e do pin-ball, Walter Longo vai descolar outra metáfora genial na imagem do dono de circo que opera como ninguém a arte do espetáculo, lidando todos os dias com o múltiplo, o efêmero, a sincronicidade, para fazer o espetáculo convencer, alinhar e envolver, planejando à medida em que a cena se desenrola.
[…] Segundo, no que se refere a seu jornalismo, que leva em conta as novas afinidades do novo leitor — distraído, volúvel e engajado. […]