O que tem no documento produzido pelo ministro da Secretaria de Comunicação do Governo, Thomas Traumann, que fez a presidente Dilma Rousseff se sentir “perplexa” e pode custar a sua demissão?
É um ótimo diagnóstico, com base em pesquisas e monitoramento das redes sociais, do desabamento da imagem do governo perante a opinião pública e do recuo da militância do PT nessas redes, que pode ter agravado o quadro.
Pode ter sido constrangedor porque faz autocrítica séria dos problemas do governo, incorpora as denúncias da oposição que ele procura camuflar (“um senador tucano na Lava-jato não altera o quadro de que o grosso do escândalo ocorreu na gestão PT”) e expõe o sistema de manipulação engendrado pela máquina de comunicação do governo.
Em linhas gerais, diz o seguinte:
1. As forças políticas que elegeram Dilma vêm perdendo força nas redes sociais desde os movimentos de junho de 2013, seguraram a onda no segundo turno das eleições presidenciais, em outubro passado, e desabaram depois que a presidente indicou Joaquim Levy para a Fazenda.
2. A militância arrefeceu, os deputados do PT pararam de defender o governo, o site de campanha Muda Mais foi extinto, os robôs contratados para cuspir mensagens automáticas nas redes foram desligados. Até o carnaval, com as tantas medidas impopulares e as contradições, aumentou o sentimento de abandono e traição.
3. Houve um esboço de reação da militância depois do pronunciamento do panelaço, dia 8 de março, mas que desabou depois que a PM declarou mais de 1 milhão de pessoas nas ruas em São Paulo, contra o governo, dia 15.
4. As páginas de Dilma no Facebook só vêm perdendo fãs. Só as páginas do Planalto, do PT e de Dilma no Facebook defendem o governo, mas não reverberam além de seus próprios seguidores. Fala para convertidos.
5. Em contrapartida, a oposição em torno de Aécio Neves manteve seus 50 robôs em campanha, batendo na tecla do maior escândalo de corrupção, do envolvimento de Dilma de Lula com os escândalos e da ideia de “estelionato eleitoral”. Estima um gasto da oposição em torno de R$ 10 milhões, entre novembro e março, em posts e mensagens patrocinados.
6. As páginas mais radicais contra o governo se profissionalizaram. A página do Facebook, Revoltados Online, conseguiu 16 milhões de seguidores em três meses, enquanto a do Vem Pra Rua atingiu 4 milhões. A página de Dilma, perdendo fãs, só tem 3 milhões.
7. Como resultado, em fevereiro, as mensagens, textos e vídeos da oposição conseguiram o engajamento de 80 milhões de brasileiros, enquanto as do Planalto e do PT não chegaram a 22 milhões. “Se fosse um partida de futebol, estaríamos perdendo de 8 a 2.”
8. Pesquisa da Secom por telefone colheu que 32% dos entrevistados mudaram de opinião sobre o governo em seis meses, principalmente no interior (35%) e entre pessoas com renda familiar entre 2 e 5 salários (36%).
9. Não é irreversível. Dilma ainda conseguiu alguns esboços de reação após o pronunciamento do dia 8 e da entrevista coletiva da segunda-feira, após as manifestações, em que falou do pacote anti-corrupção.
10. O caminho é explicar mais, dar mais entrevistas, estar mais disponível para a imprensa. E dar respostas para as muitas perguntas renitentes (por que ela mentiu e não assume os erros são algumas das várias citadas pelo documento). Sem respondê-las, não há como a militância se sentir respeitada de novo e defender o governo.
Ver a íntegra do documento neste link>>>
Se teve um grande problema para o governo, foi o de ter vazado para líderes do partido e imprensa.
Seus principais problemas para o público externo, porém, são:
- A ingenuidade de acreditar que basta dar explicações que o governo não tem. Como contornar as medidas impopulares que precisam tomadas?
- Achar que a queda ou recuperação da imagem depende da militância e não do conjunto de informações, digitais ou convencionais, que fazem a dona de casa perceber no Jornal Nacional ou na feira que o preço do tomate aumentou.
- Não parece incomodar o autor e nem o governo que a propaganda estatal tem que existir a serviço de campanha do partido. Diz claramente que o investimento de publicidade em 2015 deve privilegiar o estado de São Paulo, porque, textualmente, ” não há como recuperar a imagem do governo em São Paulo sem ajudar a levantar a popularidade de Haddad.”
Um planejamento de comunicação público pode até privilegiar regiões por necessidade de sensibilização em torno de alguma demanda pública, uma campanha de vacinação, por exemplo. Nunca para favorecer um partido.
É tanto um caso de convicção de uso da máquina pública para beneficiá-lo, no cacoete antigo do partido de não separar público e privado, que fecha como um comentário em torno de uma boa citação do rei de Portugal, Dom José. Em resposta ao Marquês de Alorna sobre o que fazer quando do terremoto que devastou o país no século XVII, disse: “Enterrar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos.”
Fechar os portos, segundo o ministro Traumann, ecoando o velho cacoete, é “evitar o pânico entre os nossos, impedir o salve-se quem puder, a fuga em massa”.
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