Nucky Thompson controla com mão de ferro e coração mole a Atlantic City do início dos anos 20, início da lei seca e embrião do nascimento do gangterismo e de figuras como Al Capone. Como chefe das finanças do município, achaca comerciantes, patrocina o tráfico, manda matar, controla Polícia e Judiciário. Ao mesmo tempo, protege aliados, é fiel aos amigos e benevolente com os miseráveis de quem precisa do voto. Na cara feiosa, maquiavélica e também vulnerável do ator Steve Busceni, à frente de um grande elenco, é a alma de Boardwalk Empire, o extraordinário seriado da HBO que concluiu sua segunda temporada neste mês no Brasil e entra na terceira, em setembro, nos EUA.
– Todos temos que decidir com que pecados queremos viver – diz no último capítulo da primeira temporada quando confrontado sobre seus métodos pela nova esposa, viúva do homem que mandou matar.
Penso em Ramiro Bastos, o coronel ambíguo que controla com métodos semelhantes a Ilhéus rica dos anos 20, na novela Gabriela. No livro de Jorge Amado e na primeira versão da novela, de 1975, era, como seu contraponto americano, o anti-herói em sua jornada de conflito, autoconhecimento e superação. Na cara, corpo e membros de Paulo Gracindo, era uma enciplopédia de nuances e ambiguidade adequados à ambivalência moral daqueles tempos. Seus confrontos com o jovem Mundinho Falcão em torno da modernização da cidade e de seus métodos, centrava a trama que se pretendia ao mesmo tempo discussão de uma época e de um país.
Na nova versão, em capítulos curtos, apressados e horários imprevisíveis, apesar do talento de Antônio Fagundes (a cara do Antônio Carlos Magalhães), não passa de um zumbi meio ranzinza, que se reúne com coronéis para arranjar o casamento dos filhos. Sua presença em cena mais atrapalha que ajuda o que parece ser o interesse principal da nova produção – casar mocinhos com mocinhas e explorar a sensualidade ostensiva de Gabriela.
A novela é um primor na superfície, com o reconhecido Padrão Globo de Qualidade em minúcias de cenografia e figurino, embora seja difícil acreditar que os coronéis dos anos 20 mantivessem aqueles ternos impecáveis no sol do meio-dia de Ilhéus. Ótima escalação de atores, diálogos inspirados – certamente mantidos da versão de Walter George Durst – e a finíssima trilha sonora, também herdada da versão anterior, compõem o quadro. Mas os grandes conflitos políticos e ideológicos, que davam consistência ao herói, seu antagonista e os demais personagens foram diluídos para realçar as sub-tramas amorosas. Sobrou a crítica velha, datada, cheirando a mofo, do comportamento dos machões que, não podendo transar com a namorada, iam para o puteiro.
Parece heresia comparar esse grude nacional com a excelência da produção americana, com seus atores que ganham 1 milhão de dólares por capítulo, dezenas de roteiristas por série e uma competição darwiniana em que sobram apenas os mais competentes numa seleção cruel em que centenas de projetos anuais vão para o lixo. Mas por que é que, com tantos recursos humanos e financeiros disponíveis para fazer algo realmente relevante, os produtores da novela global parecem terem optado por fazer algo pior?
Por que será que o autor dessa versão, Walcyr Carrasco (grande autor de Xica da Silva e A Padroeira) caiu na armadilha de achar que grandes conflitos políticos e sociais que dizem respeito ao destino de um povo e moldam heróis ou sub-heróis, não dão ibope? Em que ponto ou circunstâncias. enfim, os autores de novela globais tiveram que optar pela paquerinha de shopping ao invés dos grandes conflitos humanos? Quem lhes disse que o público não gosta de personagens profundos, densos, fechados, bons ou maus, no embate com o mundo?
Ou será que, como disse recentemente o autor da novela das 9h, João Emanuel Carneiro, seus colegas subestimam mesmo a inteligência do telespectador?
Alejandra Álvarez diz
Para mim, a melhor série Boardwalk Empire com Kelly Macdonald vez que mais pessoas deveriam ver. Esta série tem a possibilidade, mas eu duvido que eles, Nucky carregado e continuar a história de Capone & Luciano.