O deputado Ulysses Guimarães carregou nas costas a oposição à ditadura militar. Alto, esquálido, olhos azuis e gestos erráticos brigando com a intenção de seus discursos gongóricos, desafiava os militares nos momentos mais duros do regime que matava oposicionistas. É clássica a cena na Bahia em que, cercado por militares e cães agressivos, levantou o dedo e foi em frente:
– Me deixem passar. Sou um deputado da República.
Quando o regime começou a se esgotar e se abriu a possibilidade real de transferência do poder para um civil, no início dos anos 80, todos torciam por ele. Que fosse eleito ao cabo do movimento por eleições diretas com que arrastou multidões pelos país ou numa composição qualquer com os militares já esgotados e dispostos a entregar a rapadura.
Só que foi Tancredo Neves o escolhido pelas oposições e pelos dissidentes do regime, reunidos numa frente liberal, aceito pelos militares cansados e até pela linha dura do Exército que trabalhava pela eleição de alguém do partido do governo – Paulo Maluf no caso – que não fosse lhes mandar para o paredão depois de empossado.
Ulysses era perfeito para a oposição, com sua ira e seu olhar cheio de indignação e ternura, encantador para políticos, artistas e jornalistas. Mas absolutamente inadequado para as composições e concessões a serem feitas aos militares com os quais, a certa altura, tratou como os cachorros da Bahia. Criou arestas que Tancredo, nos bastidores, ia aparando.
– Às vezes investe como um touro miúra, pura coragem e coração – dizia o malandro Tancredo. – Mas acaba ajudando cegamente o jogo dos adversários e dos militares da linha dura.
Me lembro desse seu lado ingênuo e pouco prático, com todas as ressalvas de personalidade, na semana em que Joaquim Barbosa tratou com deselegância os representantes das mais poderosas entidades de representação dos juízes, em visita a seu gabinete. Com a grosseria que vem distribuindo à volta, chamou a imprensa para passar-lhes um pito público, num tipo de emboscada que não se comete nem com os inimigos. Bonito para a imprensa, mas péssimo para os resultados.
Joaquim Barbosa pareceu escolhido a certa altura, pela sociedade, como o paladino que poderia salvar a Justiça brasileira de seus entraves e desmandos históricos. Mas, como Ulysses, parece absolutamente inadequado para a tarefa de aglutinar, compor, convencer e conduzir soluções que é inerente à função dos líderes que querem mudar alguma coisa.
Sua única grande obra, se ainda tiver o apoio da grande imprensa que também vai se cansando de seus desaforos, deve ser a prisão dos julgados no processo do mensalão. Se tiver tempo, se sua curta passagem pela presidência do STF for suficiente para vencer as chicanas dos advogados.
Depois disso, será uma nota de rodapé na história. Que não foi o caso de Ulysses, que tinha uma lista extensa de outros serviços a apresentar.
Uma pena, pelo tanto de esperança que encarnava de uma sociedade ansiosa por moralidade e grandes exemplos.
Cristiano Marques diz
Ulysses falou? Me deixem passar, sou o líder da oposição.