Pode-se dividir os codinomes escolhidos pela Odebrecht para nominar os políticos nas planilhas de seu departamento de propinas em pelo menos três categorias de alguma relação com o nível de relevância que atribuía a cada um na pirâmide do plano de investimentos que fazia neles nos últimos anos.
Cada uma sugere um nível de deboche que se reduz à medida que sobe a hierarquia de importância dos delatados. Ou se amplia, em sentido inverso.
- No pé dessa pirâmide, estão os deputados de menor expressão, do baixo clero, sem poder de fogo, que apenas recebiam as doações. Classificados com alcunhas de puro deboche, relacionadas em geral a aspectos físicos, a forma mais baixa de crítica: Feio, Feia, Boca-Mole, Decrépito e Velhinho.
- No nível intermediário, os líderes de alguma influência sobre outros colegas, com poder de convencimento sobre os interesses da empresa, arregimentação em favor de negócios comuns e distribuição de valores segundo o potencial de contrapartida por cabeça. É um nível em que os apelidos são um tanto mais respeitosos e relacionados até a alguma competência do aliado. Seria Angorá um tipo de gato que rouba escondido? Caranguejo, o tipo escorregadio que anda de lado para não ser pego ou que morde a mão de quem o cerca? Mineirinho, o que, como se sabe, come quieto?
- No topo, estariam os que na Máfia chamam capa preta. Aos quais se deve reverência pelo poder de comandar grupos maiores e influenciar em maior escala em políticas públicas globais que atendam os grandes interesses corporativos. Que se traduz em codinomes mais sofisticados de alguma pretensão literária. Santo pode estar relacionado a alguém metido a… santo, sem o ser. Justiça, indicando o seu contrário. E Amigo, aquele certo das horas incertas que aceita seus defeitos e, no limite de seu poder e de sua lealdade, pode ser até um Brahma, o número 1, o que nunca falta.
Apesar do nível de deboche ou de reverência, nenhum remete a virtude e todos me parecem reflexo de como a empresa via os políticos e do grau de desprezo com que os tratava. Como se fosse um modelo de virtude e estivesse sempre num patamar acima deles. Mais ou menos assim: eu te compro, mas se você se vende, você não presta.
Já ficou comprovado que Lula só conversava com o patrono da empresa, Emílio, porque achava seu jovem comandante, Marcelo, preso em Curitiba, um moleque mimado de nariz arrebitado que olhava todo mundo de cima para baixo.
De sua prisão aos primeiros dias de carceragem, foi um desfile de arrogância de quem ainda se achava no controle da situação e dificultou as negociações para um acordo de delação premiada que o pai sugerira desde a primeira hora.
Especulo que esse desprezo dispensado democraticamente do office-boy ao presidente da República pode ter espalhado seu DNA pela espinha dorsal da empresa de 77 diretores e 200 mil funcionários, como ocorre em toda corporação, e chegou aos políticos que tratava como subordinados aos quais era preciso enquadrar, punir ou pagar de má vontade quando não é possível demitir.
Delação como catarse
Minha explicação pouco científica se baseia em inferências que vêm de longe.
Quando vazou a delação de Ricardo Pessoa, aquele gordão da UTC que gerenciava o cartel de empreiteiras que fraudava a Petrobras, imaginei que houve boa dose de prazer em contar os detalhes do desfile do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, por sua empresa, distribuindo picotes de documentos comprometedores pelas lixeiras.
Tempos depois, se divulgou que os delatores de uma nova leva da Lava Jato quase salivavam ao citar nomes de tucanos e em especial de Aécio Neves, num tipo de reação ao fato de ele ter alimentado sua campanha eleitoral contra Dilma com as denúncias contra a Petrobras, como se membros de seu partido não estivessem também envolvidos.
Volta e meia, um ou outro delator se apressa em dizer que determinado político era afoito, exigente, intolerante com prazos. Goela larga, no jargão do meio.
É um misto de prazer e desprezo temperado a vingança que traduz certo esgotamento de uma relação que parecia estar chegando ao limite. Minha impressão sobre Ricardo Pessoa e outros é que pareciam cansados dos achaques a nível cada vez maiores e que a oportunidade da delação era um tipo de expiação, alívio e catarse.
Serve de alerta aos políticos sobre o desprezo que inspiram também e até em quem os corrompe.
Legislativo e consenso
O Legislativo é mal visto em qualquer lugar do mundo. Washington, como professou Trump em sua campanha, é um pântano a ser drenado. No Brasil, uma boa dosagem a mais, por tudo que se sabe e mais um pouco.
Decorre que não tem um comandante que tudo pode, de nariz arrebitado como Marcelo Odebrecht, e cujas decisões dependem de um consenso arrancado a fórceps em negociações excruciantes. Pela própria natureza de um poder que tem que tirar decisões em comum de grandes grupos (mais de 500 membros na Câmara dos Deputados e 80 no Senado), perde muito de seu poder fogo, negociação e chantagem.
Isto vale para a votação de leis, para a instalação de CPIs e para as negociações de compensação financeira. Como são muitos e não é possível a qualquer corruptor dar grandes valores a todos eles, as negociações são feitas no atacado com alguns, os do nível intermediário, que se incumbem de fazer a distribuição.
De vez em quando, raro, como os cometas que passam ciclicamente, ostentam presidentes poderosos que fazem o que quer e falam em nome da maioria. Como o Caranguejo e o Justiça.
O que acaba se refletindo nos codinomes. A turma do baixo clero leva os apelidos de quem não se espera nada em troca. A turma intermediária, na proporção de suas manhas e potencialidades de contrapartida. A do atacado, as alcunhas que pressupõem um grau maior de cuidado e reverência.
Como em qualquer casamento, na política e em qualquer relação de troca, é preciso se fazer respeitar para ser respeitado. Ou vai se levar pouco e depois ainda ser ridicularizado.
O crime não compensa só porque dá cadeia. Desmoraliza também.
Jogos 3D Flash diz
A perda de mandato e suspensão das licitações deveriam ser definitivas. Quem é corrupto não pode ter perdão. E olha, o que falta de nomes nesta lista…
Katia diz
Deveria haver apenas um tipo de licitação neste país e que obrigasse a todos os entes e instituições a transmiti-la ao vivo ao cidadão, via internet, em um canal oficial, com hora amplamente divulgada, para que pudéssemos acompanhar minimamente, desde o início, quem são os participantes e se estão respeitando as mínimas regras. Teríamos pelo menos chances de constatar os indícios de fraude e de denunciar.
Franco Werk diz
Pra mim sistema político no Brasil tá falido, e 2 coisas são o atual “câncer”do Brasil: Eleição ano sim ano não e excessiva burocracia…ninguém governa, ficar só fazendo campanha política o tempo todo pra ele ou pra seu grupo político..e contam com a excessiva burocracia pra se esquivar da responsabilidade e travar a vida dos empreendedores..Pra mim tinha que ter eleição geral de 10 em 10 anos e transformar corrupção em crime hediondo e sem direito a fiança ou qualquer benefício à pena..e se fizesse bobagem seria fácil de tirar o malfeitor…!) anos ou o cara mostra serviço ou não volta nunca mais…além de economizar uma grana preta que é gasta a cada pleito…
valdir diz
Olhando em perspectiva, o que de fato incomoda é essa ideia de que corrupção seja sinônimo de PT, porque assim se entendendo iremos conviver com a corrupção até que a natureza resolva interferir e acabe com tudo para recomeçarmos e, talvez, no rumo certo. Temos que dizer a todo pulmão: PT, PSDB, DEM, PMDB etc., e principalmente dando nomes aos respectivos políticos. Chega dessa imprensa conveniente e que somente tem contribuído para tudo continuar como dantes. Não devemos nos comportar como torcedores, mas sim como brasilianos – o sufixo “eiro” dá ideia de profissão. Portanto, assim como fizemos com os do PT quando surgiram os indícios devemos fazer com FHC, Serra, Alkmin, Aécio, Anastasia, Temer e tantos outros. Doutra, se vazamentos fortalecia e era necessário, segundo o Doutor Moro, para as investigações e para o processo, que assim também continue .
Cristiano Marques diz
Pelo jeito, Pixuleco é coisa do passado.
Afonso Lemos diz
O Ricardo Kertzmann (Opinião Sem Medo) sumiu, será que calaram o moço? Responda aí Estado de Minas.
Robson diz
Muito bom seu texto, é complicado ter de negociar benefícios para um delator e pior é ver todos delatados votando medidas importantes (PEC/PREVIDENCIA) incluindo presidente, sem nenhum compromisso com o pais, e lamentavel ver partido importante como o do governo entrar sempre pela porta dos fundos, a oposição calada e oprimida não se manifesta. O judiciário não se faz respeitar. Será medo do nariz empinado? E nosso país segue rumo ao abismo como um trem desgovernado, esse abismo nos leva ao retrocesso dos anos 80, não interessa a constituição não há respeito. Mais uma vez mandarão a conta para a população pagar.
Afonso Lemos diz
Se tivéssemos qualidade no voto os angorás, caranguejos, justiças, mimados de narizes empinados não existiriam no nosso país. País da alcunha, do sarcasmo, da piada de mau gosto. Pobre país da América do Sul, cheio de mazelas, cheio de ladrões de gravata, de toga, de canetas nas mãos…
leonardo ferreira diz
Ser empresario nesse pais não, eu passaria muito mal de imaginar que teria que pagar propina para essa turma. Só de ler essa matéria meu estomago começa embrulhar. O empresário luta para crescer de sol a sol, de segunda a segunda, investe tira do propário bolso para começar sua empresa e quando vai para uma licitação publica , alguém se acha no direito de pedir propina. Propina deveria ser crime hediondo, pois é um dinheiro que poderia ser aplicado para melhoria de vida de todos inclusive daqueles que se beneficiam da propina. Mas não existe a propina sem aquele que oferece ou que dar a propina. É lamentável, muito lamentável assistir todos os dias esse tipo de coisa, que por outro lado podemos assistir que antigamente era tudo debaixo dos panos. Mas isso tudo dá nojo na gente.