Conheça a estrutura de cinco tópicos que faz a redação perfeita, que começa como começa, com um retrospecto e uma lição moral.
Como você faz para convencer uma pessoa de forma contundente e deixar pouco espaço para ser contraditado?
Nos negócios ou no amor, para melhorar ou acabar uma relação, você se senta diante da pessoa a ser convencida, respira fundo, olha nos olhos dela e, pela ordem:
- Anuncia o objetivo da conversa.
- Apresenta a sua proposta ou sua tese.
- Faz um retrospecto para justificá-la, com cronologia de fatos, dados, exemplos.
- Conclui da forma que começou, justificando o que propôs.
- Acrescenta uma conclusão filosófica, uma lição moral, uma perspectiva de futuro.
Mais ou menos assim, diante do patrão:
- Olha, estava passando da hora de a gente ter uma conversa objetiva sobre a minha situação aqui na empresa.
- Eu venho reivindicar uma promoção e, como você há de concordar comigo, eu tenho pelo menos cinco motivos para justificá-la.
- Você sabe que sou pontual e proativo, não me preocupo em exceder o horário, não levo problemas à diretoria, visto a camisa, tenho os melhores resultados nas avaliações de desempenho. Sei que o momento da empresa é difícil, que as promoções estão suspensas até, segunda ordem, mas você sabe tão bem quanto eu o desestímulo está contaminando os funcionários e pode acabar provocando maiores perdas que ganhos para empresa.
- Então, eu gostaria que você considerasse com carinho uma promoção a supervisor, na primeira leva de promoções que está por vir.
- O senhor sabe o quanto eu sou capaz de corresponder e continuar trabalhando para que a nossa empresa continue sendo uma das melhores em seu segmento.
Ou então, diante do amor que acabou:
- Olha, eu queria propor a sério uma separação.
- A gente sabe há tempos que não está dando certo. Eu posso listar pelo menos umas seis coisas que provam que nosso relacionamento está definhando ou já acabou.
- Há meses que a gente não sai para jantar, há semanas que a gente não transa, você não tem mais paciência de conversar comigo, não temos mais as mesmas preferências, já não sinto nenhum prazer de lhe servir café na cama e quase zero de voltar para casa à noite.
- Não vejo como que um casal possa viver assim e precisamos ter coragem de mudar, sem machucar um ao outro.
- Somos jovens, temos muito o que fazer ainda na vida e será tanto melhor que cada um tenha liberdade para buscar o seu destino e a sua felicidade.
Textos redondos são assim. As melhores redações para Enem ou concurso são assim. Meus melhores textos ou os melhores que li foram construídos nessa ordem:
- Um anúncio que vai apresentar a tese,
- a tese propriamente dita anunciando suas razões,
- um retrospecto cronológico de dados e exemplos para provar um padrão de comportamento que a comprovem,
- o retorno ao início para confirmá-la e
- uma conclusão moral com pretensões universais.
Com o tempo, como mostrei em A fórmula de cinco blocos para escrever a redação descomplicada para o Enem, você vai perceber que tudo é assim: uma apresentação, um desenvolvimento, uma conclusão. Aqui precedidos de um anúncio e complementado com uma mensagem.
Como nos livros e filmes, o problema, o enfrentamento e a solução. Como na jornada do herói, a saída, a luta e o retorno. Nos textos de publicidade, um problema, uma explicação e uma solução.
Texto jornalístico opinativo
Volto ao exemplo da redação que me deu a melhor nota no concurso que me garantiu o emprego que me sustentou por uma vida, em 1992.
Pedia-se um texto jornalístico opinativo sobre a a Tragédia da Barraginha, ainda mal explicada no noticiário seis meses depois de ter matado 37 pessoas num deslizamento de terra em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte.
Minha tese era a de que toda a informação disponibilizada pelas autoridades e pela imprensa passava longe da discussão do problema da superpopulação que tornava inúteis qualquer esforço de planejamento.
Como se pedia texto jornalístico, que se supõe objetivo apesar de opinativo, comecei com minha tese logo na primeira frase do primeiro parágrafo. Mais ou menos assim, de memória:
Passados quase seis meses da Tragédia da Barraginha, ainda não se tem uma explicação convincente das causas e uma discussão séria sobre o descontrole populacional que está na raiz do problema.
Concluía esse parágrafo inicial alinhando sumariamente os três exemplos sobre os quais eu iria discorrer no retrospecto:
Nem as autoridades, nem os especialistas e nem a imprensa ofereceram informação, dados ou análises que estimulem a discussão sobre o drama da expansão populacional que inviabiliza qualquer tipo de planejamento governamental.
Encaminhei o retrospecto com um parágrafo para cada um dos citados acima, recuperando mais ou menos de memória o que havia lido no noticiário.
Informava e contestava no mesmo parágrafo o que foi dito por cada um dos representantes de cada segmento:
O prefeito Fulano de Tal culpou a construção de casas em áreas de risco, mas não informou porque a prefeitura não atuou a tempo para…
Técnicos da universidade empenhados em explicar as causas disseram à imprensa que as edificações não cumpriam qualquer norma de segurança, mas não disseram como…
Rádios, jornais e TV insistiram que a prefeitura poderia ter evitado a tragédia, mas também não avançaram sobre as causas…
O parágrafo de conclusão resumia que nenhum dos três haviam se preocupado com a tragédia humana de descontrole populacional, etcetera, e a lição moral de que me lembro de cor:
… num mundo em perigosa expansão demográfica, que pode ter 10 bilhões de habitantes em 30 anos.
Por fim, o texto ficou quase matemático, na linha dos cinco parágrafos que defendi em Uma forma simples de estruturar o melhor texto: um parágrafo para a apresentação, três para o desenvolvimento e um para conclusão.
Uma estrutura básica que serve para qualquer tamanho de texto ou livro, dobrando ou multiplicando o número de parágrafos em cada bloco: 2 para introdução, 6 para desenvolvimento e 2 para conclusão; 3, 9, 3.
A nova prática da internet acabou com os parágrafos longos que encerravam uma ideia completa em mais de uma frase. A técnica dos textos nos sites, boa ou má, é de uma linha por ideia.
À qual ainda resisto. Mantenho o bom padrão de parágrafos curtos, mas ainda não acho que seja possível anunciar e exemplificar uma ideia em apenas uma linha e nem dividi-la em dois parágrafos.
Como se verá no exemplo a seguir, nos padrões tradicionais.
Um modelo sobre um tema atual
Transportando-se esse modelo de estrutura para os dias de hoje, podemos considerar a pandemia pelo coronavírus, de proporções semelhantes a poucas tragédias da humanidade.
Tão impactante quanto a Peste Negra da Idade Média, a Gripe Espanhola do final dos anos 10 do século XX e a Gripe Suína do final dos 00 do século XXI, ela oferece um material vasto para diferentes argumentos.
Para mãos à obra, convém observar três passos:
- Primeiro, fazer uma boa pesquisa para descobrir um padrão comum entre elas. Essa será a base do retrospecto.
- Com ele, desenvolver uma tese que o inspirará à conclusão.
- É fácil daí pensar numa grande frase de efeito edificante sobre o quanto essa, tanto quanto as outras, pode mudar a humanidade.
Minha tese mais visível, pelo padrão em comum nas três grandes tragédias anteriores, é a de que tanto governantes quanto populações subestimaram de início o tamanho do problema, desrespeitaram regras e apostaram em crendices.
Com base nisso e na estrutura proposta lá no início, escrevo um pequeno texto como exemplo, bem esquemático e repetitivo quanto à sequencia de fatos do retrospecto.
Que pode/deve ser melhorado/ampliado com sua criatividade:
1. Informa-se o que se vai tratar
A pandemia do coronavírus impacta de forma profunda e inédita a humanidade. Para entender a sua dimensão, é preciso buscar os exemplos das tragédias de igual porte em que o destino do ser humano esteve sob o mesmo risco.
2. Apresenta-se a tese
Guardadas as proporções, a Peste Negra dos anos 1.300, a Gripe Espanhola e a Gripe Suína, do início dos séculos XX e XXI, acabaram ganhando dimensões universais por razões parecidas com as que vivemos hoje. Tiveram em comum, mais ou menos no mesmo grau do que nos acomete hoje, um misto de pânico e ignorância que contribuiu ainda mais para a expansão da doença.
3. Faça-se o retrospecto:
Em meados dos anos 1300, a Peste Negra dizimou entre 75 a 200 milhões de pessoas que se acumulavam nas cidades em condições insalubres da Europa medieval, em fuga das baixas condições de vida no campo. Como hoje, sem saber a origem dos transmissores hospedados em ratos, pulgas e bactérias, as pessoas temiam sair às ruas, apelavam para crendices e desconfiavam da orientação dos clérigos.
Logo após a Primeira Grande Guerra, no final dos anos 10 do século XX, a Gripe Espanhola infectou mais de 500 milhões de pessoas com o vírus H1N1 e matou quase um quarto da população, estimado entre 17 a 50 milhões de pessoas. Só no Brasil, foram cerca de 35 mil pessoas, incluindo o presidente da República, Rodrigo Alves. Também como hoje, as autoridades subestimavam o poder de disseminação e desaconselhavam pânico, como diz o professor Fulano de Tal, infectologista da Universidade Tal. Baianos acreditavam que a cerveja curava o vírus, continuavam indo a enterros e missas.
Quando a gripe suína irrompeu, no final da primeira década do século XXI, já haviam ocorrido os maiores avanços da medicina no controle de doenças e na conscientização popular da necessidade de higiene para evitá-las. Mesmo assim, estima-se que a doença proveniente do México atingiu entre 700 milhões a 1,4 bilhão de pessoas, com uma estimativa de 175 mil a 550 mil mortes. Sem o grau de isolamento de hoje, ela provocou fechamento de comércio e escolas em muitas regiões do mundo e o mesmo tipo de pânico e preconceito que ajuda a impulsionar a atual, do Coronavírus.
4. Conclui-se, remetendo à tese:
Numa análise sumária dos três eventos que mudaram de forma radical a vida tal como é conhecida, as três epidemias anteriores à do coronavírus mostraram um padrão evidente, como se pôde ver nos casos mais dramáticos atuais da Itália e da Espanha. Qual seja, a de autoridades que amenizam a crise no início, temendo impactos maiores na economia, sonegando informações que alimentam o pânico e as crenças e a tentação da desobediência civil, que só contribuem para incrementá-la.
5. E emenda-se uma conclusão moral ou edificante:
A velocidade da informação decorrente da explosão das redes sociais contribuiu para que muito da desinformação e do preconceito das crises passadas pudessem ser amenizados. Mesmo com o ruído de informação provocado pelo excesso, a humanidade parece estar aprendendo com seus próprios erros e construindo um novo mundo em que, mesmo que não possam ser evitadas, as epidemias possam ser amenizadas.
Veja também o vídeo:
[…] Essa é uma dica importante de criar um efeito enriquecedor, que trato no meu artigo Redação perfeita acaba como começa e tem um retrospecto. […]