Em outubro do ano passado, interessado em me aprofundar em marketing digital, caí num vídeo de um sujeito comum, com cara gente boa e uma conversa suave.
Cheio de humildade, jogava com segurança um monte de dados concretos de pessoas como ele que haviam conseguido resultados extraordinários com uma fórmula infalível de uso da internet para promover e vender pessoas e produtos online.
Diferente de tudo o que eu tinha visto, passou o método de graça. Pelos quase 30 minutos seguintes, foi despejando dicas e conselhos valiosos de sua experiência pessoal sem pedir nada em troca. Só pedia que eu comentasse e compartilhasse, caso tivesse gostado, e me convidava para um segundo vídeo de informações quentes para se chegar aos mesmos resultados.
Repetiu boa parte das informações do primeiro, acrescentou dicas e conselhos valiosos, só pediu em troca comentários e compartilhamentos e convidou para um terceiro.
Onde deu mais informações e exemplos bem sucedidos de pessoas que usaram a fórmula no mundo e, de novo, como não quer nada, anunciou um quarto onde tudo aquilo iria chegar. Sempre humilde, sempre se esforçando para parecer uma pessoas comum, mas sem deixar de exibir suas cifras de sucesso.
E sempre pedindo comentários e compartilhamentos.
No quarto, enfim, longo como os demais, resumiu as informações dos vídeos anteriores, listou uma série de novas vantagens, comunicou como quem não quer nada que estaria oferecendo a fórmula para quem estivesse disposto a pagar, ofereceu bônus exclusivos para os interessados e, só no final, no último minuto, falou no preço. Depois disso, apenas advertiu que a oferta, infelizmente, por vários motivos, só estaria disponível até aquela sexta-feira.
Comprei no impulso, sem questionar o preço especialmente elevado para os meus padrões, sem pesquisar na internet se havia alternativas mais baratas, sem medo de explicar para os amigos e parentes como fiz um investimento daquele tamanho através da internet – a que sempre resisti para fazer compras – e de um sujeito que acabava de conhecer.
O que explica o poder daqueles quatro vídeos mesmerizantes, de um sujeito desconhecido, longos para os nossos padrões atuais de pressa?
Fui descobrir quase um ano depois que caí em um ou todos os gatilhos mentais listados em As Armas da Persuasão, o livro de cabeceira que ele citava sempre nos vídeos semanais que, a partir daí, passei a assistir com admiração de fã.
As seis armas da persuasão
O best-seller do americano Robert Cialdini, psicólogo social e professor de Psicologia e Marketing, lista as seis armas que Érico Rocha, aquele jovem desconhecido e já milionário depois de três versões de seu curso, usou naqueles vídeos e usa em conversas ou palestras em que precisa arrastar alguém.
1. Reciprocidade. Eu te dou alguma coisa de graça e aciono em sua mente o desejo de me retribuir.
2. Coerência e Compromisso. Eu peço para comentar ou compartilhar e você assume um compromisso por sua necessidade de manter sua coerência interna.
3. Aprovação social. Eu mostro exemplos de pessoas bem sucedidas no mundo. Se você embarcar nesse outro mundo, porá em questão sua identidade, ficará inseguro e com tendência a imitar.
4. Afinidade. Eu sou igual a você, olha como eu me visto e olha esse cenário legal onde estou, e você pode conseguir o mesmo que eu.
5. Autoridade. Você pode confiar por que eu tenho autoridade no que estou falando. Veja o que já citei e o que já conquistei.
6. Escassez. Eu só vou oferecer essa oferta até sexta-feira. Se você não aceitar, não terá a oportunidade de ser recíproco, de ser coerente com seu compromisso, de entrar nesse mundo, de trocar figurinha comigo e obter a autoridade que eu consegui.
Pelo menos os mais 2 milhões de compradores do livro tiveram em mãos a mesma oportunidade, mas se contam nos dedos os experts geniais que condensaram suas lições num método, como o americano Jeff Walker, criador da Fórmula que Érico adaptou para o Brasil, e conseguiram tudo o que prometem.
A maioria fez como eu: obedeceu a um impulso emocional que Cialdini chama de “atalho mental”, uma certa suspensão do julgamento que salta sobre a análise e a racionalidade para tomar decisões em cima de apelos isolados, sem avaliar se de fato aquilo é essencial.
– Para humanos e não humanos, os padrões de comportamento automático tendem a ser desencadeados por uma característica isolada das informações pertinentes à situação. A vantagem dessa reação de atalho está em sua economia. Ao reagir automaticamente a uma característica desencadeadora informativa, o indíviduo poupa tempo, energia e capacidade mental.
Atalhos mentais
O livro é cheio de exemplos dessa suspensão do raciocínio lógico quando se apega a um fato isolado e um desses gatilhos mentais dispara uma necessidade impensada, localizada mais no plano emocional, que racional. Que a ciência chama de sistema límbico, localizado no neo-córtex frontal.
Reciprocidade – O livro mostra por exemplos e pesquisas como o DNA humano construiu uma rede honrada de cooperação, desde as cavernas, e de retribuição para aliviar o desconforto da dívida. Da atenção que se sente obrigado a dar ao hare-krishna que lhe dá uma rosa, ao vendedor que lhe serve um cafezinho, à miserável Etiópia que ajudou as vítimas do terremoto do México 50 anos depois de ter recebido ajuda semelhante.
– Pelo fato de os acordos recíprocos serem vitais aos sistemas sociais humanos, fomos condicionados a nos sentirmos mal quando devemos favores.
Coerência e compromisso – O ser humano tende a torcer por suas escolhas depois de feitas, mesmo ruins, e continuar apostando nelas mesmo quando erradas para manter a coerência do compromisso. Apostadores de loterias tendem a acreditar mais no investimento que fizeram logo após a compra do bilhete, casais justificam suas escolhas para manter casamentos fracassados, pais compram em fevereiro aquele presente que não acharam no Natal para cumprir o compromisso com o filho. Por isso empresas pedem para você preencher formulários ou responder pesquisas e vendedores de cursos online solicitam curtidas, comentários e compartilhamentos.
– Depois que fazemos uma opção ou tomamos uma posição, deparamos com pressões pessoais ou interpessoais exigindo que nos comportemos de acordo com esse compromisso. Pressões que nos farão reagir de maneira que justifiquem nossas decisões anteriores.
Aprovação social – As pessoas seguem até o riso enlatado das comédias, a multidão que ignora um crime na rua – se outros não estão se preocupando, não deve ter importância – e até suicidas. Estatísticas provam que o número de suicídios e de acidentes de carro e avião, por comportamento suicida, aumenta após noticário de suicídio nas primeiras páginas dos jornais.
– Em geral, quando estamos inseguros, quando a situação está obscura ou ambígua, quando a incerteza domina, aumenta nossa tendência a aceitar as ações dos outros como corretas.
Afinidade – Dizemos sim a pessoas de que gostamos ou com quem nos identificamos ou associamos a coisas boas. As dinâmicas das reuniões de Tupperware são feitas para criar intimidade antes da venda. Associamos marcas, cenários, situações e pessoas bonitas a sensações agradáveis. Como carros anunciados por modelos parecem mais bonitos e potentes. Pesquisas mostraram que cartões são relacionados a virtudes do crédito e que pessoas expostas à marca MasterCard dão gorjetas ou doações mais altas.
– A atratividade física parece gerar um efeito auréola que se estende a impressões favoráveis sobre outros traços, como talento, gentileza e inteligência. Pessoas atraentes são mais persuasivas para conseguir o que pedem e mudar as atitudes dos outros.
Autoridade – Enfermeiras e co-pilotos podem obedecer médicos e comandantes, mesmo sob receitas e ordens erradas, pela tendência humana de prestar reverência a títulos, roupas e uniformes. Pesquisas comprovaram casos de medicação errada em hospitais porque os enfermeiros, mesmo duvidando da prescrição, não contestaram. E membros da tripulação de um avião não mencionaram os erros do comandante. Uma pessoa de terno tem mais possibilidade de ser acompanhada ao atravessar o sinal fechado numa faixa de pedestres do que outra vestida em trajes comuns.
– Existe uma tendência a reagir automaticamente a meros símbolos de autoridade, e não ao seu conteúdo.
Escassez – Menos é melhor e perda é pior. Colecionados de figurinhas e antiguidades são a melhor prova. Quando alguma coisa lhe é oferecida com prazo limitado, você salta sobre toda a avaliação de necessidade e pensa mais na perda do que se precisa mesmo do que vai acabar. Cialdini se viu numa armadilha diante de um anúncio de uma Igreja Mórmon, assunto e seita sobre os quais nunca teve interesse, oferecendo o acesso a instalações secretas apenas em determinado fim de semana. Só se deu pelo envolvimento quando ligou para um amigo estendendo o convite e ouviu a voz da racionalidade, de quem não fora afetado pelo atalho: mas por que diabos você vai a uma igreja mórmon?
– As pessoas parecem mais motivadas pelo pensamento de perder algo do que pelo de ganhar algo do mesmo valor.
Os manipuladores desses gatilhos , de vendedores de roupa a cursos online, operam com mecanismos infalíveis para provocar essa suspensão, que vão, entre tantos outros, de induzi-lo a compromissos ou fazer comparações.
Se alguém te oferece um produto de R$ 1 mil e depois outro de R$ 200, você achará o de 200 barato. Mas, se oferecer antes um de R$ 50, você achará caro o mesmo de 200. Por isso bons vendedores só oferecem o suéter e as meias depois de o cliente ter comprado o terno. E os de carro só falam nos opcionais depois da compra do carro concluída. E como recusar um produto que, segundo o vendedor, havia acabado mas, por sorte, ele acabou de encontrar lá no fundo do almoxarifado?
E você certamente já ouviu um vendedor perguntar: “se eu te der o desconto, você leva?” Ele está te obrigando a assumir um compromisso com você mesmo de manter a coerência de cumpri-lo.
Tem defesa? É fácil?
Rico em exemplos de manipulação vividos pelo próprio autor, As Armas da Persuasão também dá conselhos para enfrentá-la e não levar para a casa o que não se precisa.
Que passam, no geral, por tomar consciência e isolar o desejo do mecanismo que está tentando estimulá-lo.
Se você está diante de um vendedor/anunciante bonito e sedutor ou de quem desenvolveu uma relação de afinidade ou de cobrança de compromissos ou ainda de pressão do tempo, convém separar o fenômemo do produto: você precisa realmente dele ou está comprando por empatia, associação ou medo de perda?
No caso da escassez, o mecanismo mais infernal, parar para pensar se precisa de fato ou se está remoendo sua sensação de outras perdas.
Em qualquer dos casos, dormir uma noite e consultar o travesseiro antes de clicar no botão “Comprar”, é imprescindível.
Cialdini cita o caso de um entrevistado inscrito num curso de Meditação Transcendental que prometida de paz interior a atravessar paredes, mesmo advertido da impossibilidade. Resguardado nas muralhas interiores de suas necessidades de coerência, respondeu:
– Eu não ia gastar nada essa noite, porque estou quebrado, ia esperar outra reunião. Mas quando seu colega começou a falar, senti que, se não entregasse o dinheiro agora, quando voltasse para casa começaria a pensar no que ele disse e jamais me inscreveria.
No meu caso, não me arrependi um minuto do dinheiro que gastei a partir dos quatro vídeos que me induziram à compra apressada. É possível que que eu tivesse, sim, pesado outras informações e adiasse a compra se tivesse dormido uma noite antes do clique. E teria aprendido o que todos os vídeos, com toda a sua extensão e tanta informação de qualidade, não me informaram:
As coisas nunca são fáceis como anunciadas. E os gatilhos mentais que isolam informações e atacam nosso sistema emocional não nos dão tempo de saber disso.
Sara Xavier diz
Estava procurando saber sobre isso, ótimo blog obrigado. Já adicionei aos favoritos!