Quem melhor maneja as cartas do jogo eleitoral até agora é Ciro Gomes, que se cacifa como polo mais consequente à direita de Jair Bolsonaro.
Deu um baile em suas duas últimas duas grandes entrevistas, ao Uol/Folha/SBT e ao Roda Vida, articulando um impressionante nacionalismo esclarecido, de tons de esquerda, que namora o eleitorado de Lula sem assustar a classe média e afastar a empresarial.
Ao mesmo tempo, com refinada sutileza, se coloca como o candidato que está contra tudo o que está aí, mirando bem os alvos que não lhe interessam e enviando recados a quem pode lhe servir de apoio futuro, à esquerda e à direita.
É assim que bate em cachorros mortos, como Temer e Dilma, ou irrelevantes como Gleisi Hoffmann (“tenho pena dela”), e deixa entrever referências a quem importa (“Lula é meu amigo pessoal”, “Meirelles é meu amigo”).
Também, por enquanto, não bate no PSDB e nem Fernando Henrique, de quem nunca gostou desde que foi preterido como ministro da Fazenda. Seria o candidato natural ao cargo que ocupava no governo de transição de Itamar Franco, que FHC sucedeu em 1995.
Suas principais fichas são jogadas no eleitorado de esquerda. Detona as reformas ou propostas de Temer, trabalhista e previdenciária, apoia a greve dos petroleiros e defende uma Petrobras devidamente estatal sem Pedro Parente.
Não chega a defender Nicólas Maduro, da Venezuela em frangalhos que o petismo resiste a discutir, mas o coloca na perspectiva de uma oposição também ilegítima no país.
Estado papai
Para além de agradar Lula e seu espólio, parece ter inferido com rara sabedoria o que seus concorrentes à direita não souberam perceber ou articular.
Que a maioria do eleitorado gosta de um estado papai, aí incluindo o pobre do Bolsa Família, a classe média contra a privatização da Petrobras e a elite empresarial que mama no BNDES do nosso capitalismo de estado.
Para não desagradar o espectro oposto, à direita, defende o “capitalismo inclusivo” de seu assessor Mangabeira Unger, e elege poucos inimigos de fácil assimilação pela maioria: os beneficiários de grandes heranças e de grandes lucros, a serem taxados, e o tal “mercado”, que sempre inspira antipatia.
— As quatro famílias do Itaú receberam R$ 9 bilhões de lucro, sem pagar um tostão de imposto.
Parece desprezar o voto que nunca teria mesmo de uma minoria rica e cabalar o da classe média desinformada, que por acaso é maioria.
Para isso, ao mesmo tempo que clarifica o alvo, generaliza as acusações ao tal mercado e simplifica os problemas do Orçamento da União com argumentos no atacado que, à luz do senso comum, são difíceis de contestar.
E emenda com um discurso populista opondo o pobre à banca “rentista”, que sempre faz sucesso.
Diz que o propalado déficit público é na verdade dívida com os bancos, que está em R$ 5 trilhões e toma R$ 600 milhões para ser rolada, parte em até apenas quatro dias. Assim como o déficit da Previdência é culpa de alguns poucos, os 2% que consomem 25% de sua receita.
Tudo isso numa catarata de dados de aluno aplicado com conhecimento intenso de todos os temas se sobrepondo a frases de efeito colorido, mais eficientes ainda quando bate nos inimigos escolhidos, a seu estilo de metralhadora giratória que dá pouco tempo de contestação ao interlocutor.
Passa por sincero a maior parte do tempo e é possível que acredite mesmo no que diz.
Ele é um caso curioso de coronel da esquerda, com algum palavreado rural inclusive. Sensibilizado com os problemas de seu nordeste, como foi um Miguel Arraes ou um Lula, ou do povo brasileiro, como foi seu ídolo Leonel Brizola, fundador do partido a que serve.
Em diferentes momentos da história recente, tentando se viabilizar como candidato, tentou articulações por uma frente de esquerda, como tenta agora com o PSB e o PCdoB.
Marketing da sinceridade
É preciso lupa para flagrar suas contradições ou dissimulações no todo lógico que emana de sua performance. É sutilíssimo para parecer que está respondendo quando está tomando uma curva ou simular fraqueza como virtude.
Quando encostado na parede para responder o que faria sobre situações que diagnostica tão bem — segurança, greve dos caminhoneiros, aborto —, tangencia com uma cascata de volume de dados para demonstrar conhecimento ou a promessa de que terá abertura e independência para transferir à sociedade a discussão das soluções. Mas responder o que faria, mesmo, não responde.
Tudo somado, sugere o cara da Casa Grande que a elite reconhece como um dos seus, com articulação para defender a Senzala contra tudo o que está aí sem abalar as ilusões da maioria. Para ajustar o figurino, tem amenizado o tom agressivo que, como marketing de sinceridade, vinha dando errado.
Deve ir para as eleições de outubro na linha Lula Paz e Amor de 2002, fazendo discurso meio social contra os inimigos certos. Na véspera, quem sabe, como o ex-presidente, faz uma Carta ao Povo Brasileiro para acalmar os empresários.
Talvez nem precise. Tem inteligência de sobra para mostrar que é um coronel que não assusta.
Com isso, leva a grande imprensa junto. Não é bobo nada.
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