A reunião de ontem de líderes na Câmara do PDT de Ciro Gomes, do PSB e do PCdoB, para construir com seus 69 deputados uma alternativa de oposição ao novo governo, pode dar ao ex-governador do Ceará a oportunidade que não teve na campanha presidencial.
Pode ser que ele não esteja por trás, mas é bem possível que esteja por trás.
Ciro Gomes farejou desde o início da campanha o desgaste das estratégias do PT, que teria mais capacidade para contrapor ao favorito Jair Bolsonaro um discurso menos sectário. Que falasse para os viúvos de Lula, mas também para os que preferiam o diabo a seu partido.
Haddad fez uma boa campanha, que puxou larga margem de votos além da militância, mas esbarrou no muro da rejeição mais brava que já viu a uma agremiação partidária na nossa curta história republicana.
Ciro encarnava muitas resistências, mas não tinha essa, determinante. Não à toa, todas as pesquisas indicavam ser o único capaz de vencer Bolsonaro. Esteve todo o tempo no terceiro lugar das indicações do primeiro, abatido pelos 20% de votos que Lula preferiu transferir a Fernando Haddad.
Vendo-se da perspectiva de hoje o grande contingente, de classe média a intelectuais, capaz de tapar o nariz para votar no candidato do PT na falta de melhor alternativa, é fácil estimar que a história teria sido outra com ele.
Agora, ele fareja de novo que já um enorme vácuo a ser preenchido por uma oposição diferente da que o PT oferece/oferecerá ao novo governo. Soube na campanha e sabe agora que há uma demanda por responsabilidade e por pacificação, por uma oposição que queira contribuir e nenhuma para o espírito de confrontação que é marca do partido de Lula.
E não tem a menor disposição para servir de “puxadinho do PT”, nas palavras do líder André Figueiredo, para se referir à tentação hegemônica do partido para controlar a oposição.
Por isso e para isso, foi para a Europa no segundo turno e só desceu na véspera da eleição para mostrar que está fora do barco petista, com quem tinha contas a acertar desde que se sentiu traído por Lula. Não só por tê-lo preterido em favor de Haddad, quanto por ter articulado para destruir as chances de aliança de seu PDT.
>>> Veja meu artigo: Lula subestima preço a pagar por reação de Ciro
Ontem se deixou entrevistar pela Folha de S. Paulo para demarcar sua distância, sua plataforma de oposição e sua revanche:
— O lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor que criou uma força antagônica que é a maior força política no Brasil hoje. E o Bolsonaro estava no lugar certo, na hora certa. Só o petismo fanático vai chamar os 60% do povo brasileiro de fascista. Eu não, de forma nenhuma.
No Congresso, há amplo espaço para se fazer uma oposição responsável, que diga “sim” quando necessário e “não” com bons argumentos.
Não uma oposição que faça obstrução por obstruir, como diz André Figueiredo sobre o modelo de barreirar que fez a fama de Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e Vanessa Graziotin em votações importantes nos últimos quatro anos.
Liderando por fora, vai dividir com o Bolsonaro o processo de aniquilação do PT, o novo presidente pela direita, ele pela esquerda. O desafio será manter a campanha aberta por quatro anos e torcer para que o PT não se renove e nem Bolsonaro queira reeleição se estiver indo bem.
De qualquer forma, chegará lá forte, credor de alguns débitos da esquerda e dos eleitores que apostavam nele como alternativa.
O julgamento da oposição a Bolsonaro, segundo WSJ
A vitória de Bolsonaro no Wall Street Journal. O Antagonista traduziu um trecho do artigo de Mary Anastasia O’Grady para enfatizar o que seria uma aula de jornalismo, sem viés ideolígico. A mim impressiona a objetividade de dizer tanto em tão pouco espaço, sem uma palavra sobrando:
“A eleição presidencial de domingo no Brasil opôs Jair Bolsonaro, um ex-capitão do Exército que passou 27 anos no Congresso do Brasil, a Fernando Haddad, ex-prefeito da cidade de São Paulo. Na noite de domingo, com 97% dos votos, o Sr. Bolsonaro estava batendo com facilidade o Sr. Haddad, por 55,4% a 44,6%.
Muito se falou, durante a campanha, do histórico de comentários rudes de Bolsonaro sobre mulheres e minorias e da sua promessa de combater o crime com mão de ferro em bairros pobres.
Ele foi rotulado de racista, misógino, homofóbico, fascista, defensor da tortura e aspirante a ditador. Seus oponentes se reuniram nas ruas para denunciá-lo e escreveram diatribes contra ele na imprensa. A mídia internacional orgulhosamente ‘progressista’ entrou na briga, declarando-o uma ameaça ao meio ambiente e à democracia.
Deveria ter sido suficiente para afundar a candidatura de Bolsonaro. No entanto, ele prevaleceu, e não é difícil entender por quê: os brasileiros estão em meio a um despertar nacional em que o socialismo –a alternativa a uma presidência de Bolsonaro– foi levado a julgamento. A vitória retumbante do candidato a governador liberal-clássico do Partido Novo, Romeu Zema, no grande estado de Minas Gerais confirma essa teoria.
Haddad era o candidato do Partido dos Trabalhadores, gigante populista de esquerda do Brasil, conhecido como PT. Ele também foi o sucessor escolhido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso por corrupção, mas continua sendo popular entre seus partidários. Contra o pequeno Partido Social Liberal de Bolsonaro, Haddad deveria ter vencido a disputa.
Vale a pena examinar o triunfo do Sr. Bolsonaro porque ele sugere que algo mudou nesta eleição. Pode sempre mudar de volta, e provavelmente mudará. Mas, por enquanto, o ímpeto está do lado da reforma, e os formuladores de políticas têm uma oportunidade única de promover a liberdade e a prosperidade na maior economia da América do Sul.”
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