Peter Morgan é um craque de dramas históricos.
Escreveu, entre 13 programas de TV, três peças teatrais e três filmes, as principais referências desse tipo em Hollywood: O Último Rei da Escócia, sobre o ditador de Uganda Idi Amin Dada; A Rainha, em torno do conflito de Elizabeth II com os funerais da princesa Diana; e Frost/Nixon, história do embate da clássica entrevista em que um comediante londrino tira do centro o ex-presidente Nixon.
É um autor de trama e diálogos de alta potência, mas seu sucesso pode ser explicado pelo talento de incorporar recursos de novelão consagrados na arte de arrebatar audiência.
Identifico cinco em The Crown, a belíssima série de 10 episódios da Netflix, toda redonda em direção, cenografia, fotografia, música, figurinos e escalação, mas, principalmente, pelo roteiro:
- O aprendizado sentimental do herói, no caso da heroína, que vai da imaturidade à consciência depois de muito sofrimento.
A jovem Elizabeth II tem que arcar com o peso do reinado com a morte precoce do pai e aprender seus códigos e responsabilidades sozinha, porque se espera que a rainha ungida por Deus já nasça sabendo. É interessante quando pede uma opinião a Winston Churchill (o grande John Lithgow) e ele fica meio horrorizado. - O acesso do leitor/telespectador a um mundo mágico e desconhecido.
Que mundo desperta mais fascínio do que o de reis e rainhas? - A rivalidade entre irmãos, irmãs no caso.
Como em toda relação adolescente, a irmã mais nova Margareth sofre nem tanto por não ser a rainha, mas por não ser a preferida do pai. O fato de a irmã mais velha ser a herdeira natural do trono é a grande metáfora para estabelecer o conflito que vai contrapor as duas. - A luta do amor para sobreviver sob o peso das estruturas sociais e institucionais.
Tem o amor pela irmã e pelo marido, posto a prova a cada vez que precisa contrariar-lhes, suprimir seus sentimentos, em obediência aos códigos e tradições que precisa preservar. - A desmistificação do herói, do mito, da celebridade, colocado como alguém capaz do mesmos sofrimentos e fracassos do leitor/telespectador.
No fundo, tudo é um grande pano de fundo para contar um conto de fadas da pobre menina que precisa enfrentar todos os conflitos da maturidade, no confronto entre seus desejos e a tradição, neste caso à que dá coerência e estabilidade ao cargo responsável pela ordem no império que já dominou tudo o que havia debaixo do sol.
Um novelão a que só um grande roteirista como Morgan daria ares de entretenimento refinado.
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