Se você perguntar hoje a qualquer analista de banco ou corretora de ações qual a principal recomendação de compra na área de concessão de serviços públicos, numa constelação que tem gigantes como a Petrobras, a Eletrobrás, a Companhia Energética de São Paulo e o Banco do Brasil, ele vai dizer que é a Cemig.
Única pagadora atualmente de dividendos entre as empresas públicas, a estatal controlada pelo governo mineiro reportou no final de março um lucro de R$ 1 bilhão em 2017 e distribuiu R$ 500 milhões a seus acionistas, correspondente a R$ 0,42 por ação. Representa 5% de sua cotação em torno de R$ 8,00 no pregão de ontem. Seus investidores, corretores e analistas, felicíssimos, esperavam R$ 0,22.
O resultado de 200% acima do divulgado no ano passado é resultado de cortes duros nos investimentos, na dívida e no custeio, num tipo de gestão de resultados contraditória com a que o governador aplica na sua administração.
A empresa, que faturou R$ 20 bilhões no período, reduziu suas participações em outras empresas de geração e transmissão, diminuiu a dívida de R$ 3,9 para R$ 2,37 bi e desligou 1,3 mil funcionários (de 7,1 para 5,8 mil) entre um ano e outro, graças a um programa de demissão voluntária.
Agora, cortemos para a gestão do sistema de educação e saúde do Estado.
No primeiro ano de seu governo, em 2015, o governador Fernando Pimentel aumentou em quase R$ 7 bilhões a folha de pessoal, elevando para R$ 43,460 bilhões o que o governo Anastasia havia deixado em R$ 35,560 bilhões no último ano de seu governo.
O aumento foi produto dos reajustes diferenciados que deu ao pessoal da Segurança e sobretudo ao da Educação, onde a ampliação de jornada para justificar aumento de salário teve quase caráter de farra dadas as condições do sistema.
O que se sabe hoje é que passou um vasto contingente de professores de 6 para 8 horas de jornada, além do aumento de 33% distribuídos em três anos. Que acabou redundando num aumento total de quase 80%.
A conta é a seguinte. Não é que o governo Anastasia, como se apregoou, não pagasse o piso nacional da categoria. Pagava, mas para uma jornada de 6 horas. Significa que, se o piso era de R$ 2 mil, por exemplo, esse professor ganhava R$ 1,5 mil. Com o aumento da jornada, foi para R$ 2 mil (um reajuste de 33%) e, depois, R$ 2.660 com o reajuste de 33%.
(Uma pergunta a se fazer é: esse aumento de jornada ampliou o atendimento e reduziu a convocação de novos professores?)
Tudo muito bem, ótimo, professores deveriam ganhar R$ 10 mil, . O problema é que não tinha esse dinheiro e nem perspectiva que viesse a ter, muito pelo contrário em função da crise que começou a corroer o país a partir do segundo semestre de 2013.
O resultado, em linha inversa ao da Cemig, foi que a conta chegou pouco mais de um ano depois, com o parcelamento de salário de todos os servidores e, agora, no caso da educação, cano propriamente dito em parcelas de reajustes que deveriam ter sido dadas desde o ano passado. Para se cumprir o piso nacional, bandeira de luta da categoria desde que foi criado, em 2008.
No caso da educação, o resultado mais visível é a greve já de um mês e sem solução a vista que prejudica 3 milhões de famílias com filhos matriculados, que se acreditava afastada do cenário das escolas mineiras com o advento de um governo chamado popular e afinado com o movimento sindical que lhe deu sustentação.
O caso da saúde é mais tenebroso, porque pode provocar, mais que eventuais atrasos no desenvolvimento dos alunos, mortes de pacientes em filas ou por falta de medicamentos.
A Associação Mineira de Municípios contabiliza R$ 4,7 bilhões que deixaram de ser repassados aos municípios, provocando redução de atendimento e distribuição de medicamentos.
Maior maternidade do país, com 900 partos por mês, a Sofia Feldman estava com R$ 5 milhões por receber no mês passado. A Santa Casa de Belo Horizonte tem 130 leitos parados e CTIs desativadas. Recentemente, um centenário hospital filantrópico de Igarapé anunciou a primeira paralisação de sua existência porque não conseguia receber em dia uma verba de R$ 100 mil.
Faltam remédios tanto em postos, hospitais e no programa de distribuição a pacientes sob acompanhamento. Pior do que isso, o governo descontou a mensalidade do servidor filiado a um convênio do Ipsemg com planos privados, mas não o repassou aos fornecedores. Um tipo de apropriação indébita.
A O Globo, que publicou página inteira no final de março para provar que Minas Gerais está às vésperas de chegar à situação catastrófica do Rio de Janeiro, no que diz respeito a atrasos de meses de salários e apagão dos serviços públicos, na fila depois do Rio Grande do Sul, a Secretaria de Saúde disse que o governo ampliou de 145 para 340 a cesta de medicamentos oferecidos.
Como no caso da Educação e num tipo de estratégia de gestão avessa à da Cemig, chegou prometendo elevação gastos como solução para fazer economia. Como o dono do bar que, quando a crise chega e os clientes fogem, compra mais mesas, se endivida e contrata mais empregados.
Estratégia política
Os sistemas de Saúde e Educação, que comeram quase R$ 26 bilhões dos R$ 90 bi de orçamento em 2017 (R$ 15 bi um e R$ 10,7 bi o outro), é mesmo um saco sem fundo a desafiar talentos empresariais, políticos e — vá lá — sindicais. Tem um crescimento de despesas vegetativo que vai destruir o Estado se não for equacionado e não há condições, vontade e apoio políticos a longo prazo para fazê-lo.
Mas assusta que quadro, princípios e estratégias tão óbvios para donos de bar, donas de casa e estagiários de administração tenham escapado ao governador de longa carreira na administração pública, prefeito de Belo Horizonte por duas vezes e ministro da Indústria e Comércio. Não era um neófito.
Curioso que tenha, como controlador, dado salvo conduto para que a Cemig fizesse o que era preciso ser feito. E que tenha adotado como administrador público o contrário do espírito de gestão liberal que patrocinou na companhia.
A explicação mais simples é que o modelo não condiz com a ideologia de seu partido, mais afeito a direito que deveres e benevolente com dinheiro público, que explica muito da crise patrocinada pelo governo Dilma Rousseff.
Parte da explicação pode estar que, lá, os acionistas não deixaram. Diretores de empresas S/A administram dinheiro dos outros, têm que prestar contas e se submetem a avaliações duras em assembleias, a custo de irem para a rua se não oferecerem resultado.
No governo, Pimentel só tinha que dar satisfação a ele mesmo, já que chegou ao governo montado em prestígio popular e apoio dos movimentos sociais que não davam trégua aos governos anteriores.
Nem teve dificuldade, como sempre acontece com todos os governadores, de arrastar o apoio da maioria dos deputados de oposição na Assembleia, subservientes a qualquer ocupante do Palácio da Liberdade que lhes garanta obras e verbas para suas bases eleitorais.
Daí, conseguir a boa vontade do Judiciário e da imprensa junto, foi só outro passo.
Essa onipotência sem oposição que em geral cega, como cegou Aécio Neves, não condiz com sua fama de estrategista que comeu o eleitorado tucano pelas bordas, ganhou e tocou o governo contendo a agressividade do seu partido, costurando alianças com todo o espectro da centro direita, à exceção apenas do PSDB, e empurrando com a barriga os complicados processos judiciais que o deixaram em situação difícil nos tribunais.
Fosse o estrategista empresarial que deu cordas à Cemig montado no perfil do articulador que sabe as manhas da política, teria feito os cortes necessários no primeiro ano para não dar vexame no último, quando precisa aparecer bem na foto de campanha.
Fizesse as maldades necessárias como as que deixou correr na Cemig, poderia estar fazendo alguma graça para seus eleitores em véspera de eleição, como uma estatal bem administrada que distribui dividendos no dia do balanço.
E certamente estaria em melhor situação eleitoral, num quadro em que tem algo a comunicar na área de Segurança (melhorou de fato) e os outros candidatos não empolgam ou estão por se fazerem conhecidos.
Quem sabe ainda dá tempo de ele sair por aí dizendo que pode fazer de Minas uma nova Cemig, enxuta, responsável, eficiente e doida para distribuir benefícios/dividendos sustentáveis…
Augusto Veríssimo diz
Dr. ZRamiri, só nos seus sonhos o Anastácia pagava o piso.
Thiago Lobato diz
Parei de ler nas primeiras linhas qdo me deparei com o excerto
“num tipo de gestão de resultados que um ideólogo de esquerda dos que apoiam o governo estadual chamaria de neoliberal”.
Acessei o link para ler uma reportagem que imaginava ser séria e didática. Deparei-me, no entanto, com mais um editorial besteirol neste portal. Se quisesse ler opinião sobre política, acessaria os artigos de opinião do Uol de São Paulo ou o editorial do Metrópoles de Brasília. Pelo menos estes veículos possuem jornalistas capacitados para tal.
Ass: Thiago Lobato