Nos anos 70 e 80, todos comentavam em torno do bebedouro no trabalho os mesmos seis programas de televisão e o último filme arrasa-quarteirão que chegava aos poucos cinemas.
Era um tempo em que um programa, com seus ídolos e seus valores, chegava por broadcast a milhões de pessoas.
Na nova era, é o contrário: milhões de programas chegam a uma só pessoa.
Com a democratização da produção, a infinita capacidade de armazenamento em bits, o fim dos gargalos de distribuição e facilidade de pesquisa para achá-los como agulha no palheiro, acabou a era dos hits, dos best-sellers, dos arrasa-quarteirões e das audiências maciças. O ibope das TVs abertas e a venda de ingressos caíram a um quarto desde os anos 80.
A nova era é a do poder do nicho, da fragmentação dos mercados, em que cada indivíduo passa a ser ele mesmo uma broadcast, uma micro-celebridade com um imenso arsenal de informação a compartilhar no grande bebedouro virtual do mundo.
Que é capaz de criar suas próprias micro-comunidades e micro-culturas, com impactos profundos na mídia, na comunicação, política, na economia, na família, no conjunto de crenças e valores e em tudo em se pode fazer uma escolha.
É a era da cauda longa, que dá nome ao livro de Chris Anderson, físico e editor-chefe da revista de tecnologia e cultura Wired, um marco no entendimento da revolução do varejo com o advento das novas tecnologias de comunicação, produção, distribuição e escolhas online.
Distribuição de cauda longa é o nome que se dá àquele rabicho produzido por um gráfico à medida que os itens monitorados vão mantendo-o indefinidamente enquanto tiverem dando resultado.
O gráfico começa à esquerda, nos topos mais elevados, onde estão os produtos de melhor resultado (hits e best-sellers), e vai formando uma curva desfiladeiro abaixo por um vale que representa os produtos de nicho, de menor resultado mas presença contínua até o infinito.
Na antiga economia do broadcast e das prateleiras finitas, os best-sellers ou os hits em CDs e DVDs faziam o topo à esquerda e o desfiladeiro era interrompido assim que chegava ao vale, por falta de produtos.
Eram, digamos, gráficos curtos sem cauda. Mas, na nova cultura, esse vale se alonga indefinidamente porque sempre haverá algum ou alguns livros, CDs ou DVDs de menor importância sendo procurados e vendidos.
Nas palavras do autor:
“Nossa cultura e nossa economia estão cada vez mais se afastando do foco em alguns hits relativamente pouco numerosos (produtos e mercados da endêmica dominante), no topo da curva, e avançando em direção a uma grande quantidade de nichos na parte inferior ou na cauda da curva de demanda. Numa era sem as limitações do espaço físico nas prateleiras e outros pontos de estrangulamento da distribuição, bens e serviços com alvo estreito podem ser tao atraentes em termos econômicos quanto os destinados ao grande público.”
Fim da regra de Pareto e da tirania das prateleiras
Tome-se o caso dos livros.
De 1,2 milhão de títulos de livros vendidos nos EUA, em 2004, 950 mil (quase 80%) venderam menos de 99 exemplares. Outros 200 mil não passaram de mil. Só 25 mil venderam mais de 5 mil exemplares.
A média de venda de um livro lá, segundo dados de 2006, que não alterou muito desde então, é de 500 exemplares. A maioria não vende mais do que um por ano.
Como as lojas têm espaço finito em suas prateleiras, elas não podem se dar ao luxo de manter em estoque produtos que venderão uma peça por ano. O que faz com que, mesmo as mega-livrarias, tenham menos de 10% de tudo o que produz a indústria editorial e precisam competência para prever o que será o best-sellers de venda garantida.
A venda de apenas um livro, um CD ou um DVD desconhecido ou antigo não interessava à antiga ordem, mas esses produtos de nicho passaram a ganhar prestígio quando se percebeu que a cauda do gráfico se alongava com eles.
Que a soma de milhares de unidades de produtos raros ou desconhecidos na cauda poderiam formar um volume tão impressionante quanto o do topo e mais lucrativo.
Chris Anderson chama de a regra dos 98, que arrebentou, entre tantas coisas, a mais consagrada das regras de distribuição de riqueza, a do italiano Vilfredo Pareto.
Por ela, os 20% de qualquer coisa são responsáveis por 80% dos resultados: 20% dos laranjais dão 80% das laranjas, 20% dos clientes dão 80% do lucro, 20% dos estoque garantem 80% das vendas.
Na nova regra, considera-se que os 98% do estoque vendem pelo menos uma unidade por semestre e, quanto maior o estoque e maior e variedade, mais unidades a princípio desimportantes serão vendidas. Se você tiver 10 alternativas, venderá bem. Mas se tiver 1.000, as outras 990 poderão dar a seu negócio um volume semelhante e um lucro maior.
Quem entra num site para comprar um livro, um filme ou uma música, terá acesso e interesse a hits do passado ou de outras culturas.
Chegou-se a um mundo enfim em que as lojas podem ter todos os livros, CDs e filmes e disponibilizar mesmo os milhões que só vendem um ao ano ou em uma década, guardados em bits no espaço infinito das nuvens ou produzidos sob encomenda a cada vez que alguém comanda uma compra por click.
— É o fim da tirania da prateleira — diz o autor.
A poderosa rede de livrarias Barnes & Nobles americana, por exemplo, descobriu que vendia apenas 1,77% dos 1,2 milhão de livros de sua rede física, mas 10% dos mesmos livros quando online. Em 2006, ano da publicação de A Cauda Longa, em que muitos dos dados coletados representam um pequeno percentual de hoje, a Wal-Mart tinha em suas prateleiras 4.500 títulos de CDs contra 800 mil da Amazon.
E com mais lucro. Porque é possível cobrar mais de um livro que está fora de catálogo de alguém altamente interessado do que dos best-sellers que estão nos topos da esquerda, onde a competição é maior.
Tanto que os varejistas poderosos como a Amazon passaram a vender os hits do topo abaixo do preço de custo, tática que está no fundo do temor dos livreiros brasileiros com sua chegada ao país.
O negócio é usá-los para atrair clientes que, uma vez dentro de suas sites, receberão indicação de outros livros, hits ou filmes e se aventurarão a procurar outras raridades pelas quais estão dispostos a pagar mais caro.
Conforme a onda, um documentário antigo sobre Elvis Presley, Michael Jackson ou a Guerra do Golfo, que não compensa mais para o lojista estar na prateleira, pode vender mais que um lançamento de baixa potência. E a um preço que, por raridade, é mais alto.
Economia da abundância versus economia da escassez
Essa era da economia da abundância e da diversidade em oposição à economia da escassez, que se ganhava explorando a falta ou se tentando prever o sucesso, foi possível pela conjunção de:
- democratização das ferramentas de produção, que fez de cada um um produtor de conteúdo,
- ligação direta entre oferta e demanda, eliminando os gargalos de distribuição,
- a criação de filtros de pesquisa que permitem achar o que se quer e cruzar com infinitas possibilidades.
Sua construção derivou de duas grandes forças, segundo o autor: a possibilidade de se estocar tudo e de se dar acesso fácil tudo, através de filtros de pesquisa.
Todas as técnicas de indução das compras pela organização das prateleiras num supermercado, ele exemplifica, não são suficientes para mostrar um vinho imediatamente quando você pega um fondue ou uma azeitona, como faz o algoritmo do Google. Num magazine, você não pode se dar ao luxo de perguntar por uma seção de jaquetas azuis, por exemplo, como é possível filtrar no Google.
Na ponta de se ter tudo, cada pessoa virou uma broadcast. Com ferramentas baratas e gratuitas de auto editoração, edição e comunicação, cada pessoa percebeu que poderia ser relevante e oferecer seu serviço gratuitamente na rede, em troca apenas de reputação.
Como diz Chris Anderson, milhões de novos produtores de livros e filmes que podem, em algum lugar, em alguma hora, fazer algo sensível vibrar.
Na ponta da pesquisa e seleção, aconteceu o fenômeno do Google que conseguiu dar ordem no caos da oferta, separando o lixo do relevante. A capacidade de encapsular e dar nexo ao que o jornalista da The New Yorker, James Surowiecki, chamou de “sabedoria das multidões”.
— O Google tira o ruído e explora essa sabedoria como um oráculo — diz Anderson, depois de provar como a enciclopédia colaborativa Wikipedia pode ter mais artigos atualizados do que a Britannica: — Mais pessoas podem ser mais inteligentes que poucas pessoas.
Nessa nova era, vai sendo também reduzido o espaço dos advinhadores do que vai entrar no mercado ou fazer sucesso, como os marqueteiros. E das mensagens de cima para baixo. Cada formiga tem um megafone, na expressão que usa para dizer que as mensagens de baixo para cima ganham força e, pela primeira vez, podem ser medidas.
“Pela primeria vez, somos capaz de medir os padrões de consumo, as inclinações e as preferências de todo um mercado. Não de uma super elite, cujos componentes são melhores que nós. Eles são nós.”
Acrescente-se a necessidade humana de se reunir em torno do bebedouro e compartilhar e temos a nova era. Que pôs fim à tirania das prateleiras e em que tudo pode ser disponibilizado e tudo pode ser encontrado. Onde, para se fazer sucesso, é só fazer e se fazer encontrar.
— Faça, divulgue e me ajude a encontrar — resume.
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