Você já considerou a possibilidade de ter seu livro na prateleira da livraria pelo resto de sua vida, a ser descoberto depois de sua morte por seus filhos, netos e tataranetos?
A ideia é paradigmática para mudar seu conceito sobre a eternidade dos escritores e acabar com o preconceito que acaso tenha sobre livro digital.
Pense na ideia de que seu livro, se for impresso, terá que ser retirado da livraria em poucos dias para dar lugar a novos lançamentos. Sendo digital, terá uma prateleira infinita de que nunca sairá.
Minha geração e talvez a sua tem resistência atávica a pensar em livro que não seja em papel, apesar do quanto ele é finito e cruel com seus esforços de seu escritor.
Você atravessa ano ou mais, incluindo noites insone, para escrever o livro da sua vida que pode não durar um fim de semana na prateleira.
Todos nós escritores temos história de fracassos, de gastar tempo e energia para escrever e tentar publicar nosso livro , que em muitos casos não passará da empolgação dos amigos na noite de lançamento.
Dos 1,2 milhões de títulos vendidos nos EUA em 2004, 950 mil (80%) venderam menos de 99 exemplares. Outros 200 mil não passaram de mil. Apenas 25 mil passaram de 5 mil unidades vendidas.
O que confirma que a probabilidade de seu sucesso no modelo antigo de livro era uma loteria.
Nem é por não ter potencial de venda. Mas pela crueldade de que seu livro, por melhor que seja, terá que sair da prateleira rápido para dar lugar aos novos próximos títulos, publicados às centenas diariamente.
Depois disso, estará praticamente morto. Os exemplares que escaparem de ser triturados pela editora poderão ser achados como relíquia, algum dia, em algum sebo.
(Ainda que alguns escritores achem essa arqueologia o máximo).
Mas pense que isso tudo pode ser diferente na prateleira virtual do mundo, a das livrarias virtuais como a Amazon.
Como vou contar sobre elas, sobre minha experiência com os dois modelos e como mudei meu conceito.
O nicho do livro digital
As livrarias virtuais têm espaço infinito para que seu livro fique sem ocupar espaço e sem precisar sair para dar lugar a outro. Pelo resto dos tempos.
Com a eficiência dos algoritmos de pesquisa, ainda poderá ser encontrado e sugerido, em qualquer época.
Ao invés de ser um problema para os donos da livraria, passa a ser uma solução e uma hipótese de faturamento um dia. Não grande em curto prazo, mas a conta-gotas, sempre.
É o conceito de cauda longa, desenvolvido pelo físico e jornalista de tecnologia Chris Anderson para explicar o impacto no varejo das novas tecnologias de comunicação, produção, distribuição e escolhas online.
Em seu best-seller de 2006, ele mostra como a infinita capacidade de armazenamento e distribuição em bits, aliada à facilidade das máquinas de pesquisa para determinar escolhas, acabou com a era dos hits, dos best-sellers, dos arrasa-quarteirões e das audiências maciças.
É a era do poder do nicho, da fragmentação dos mercados, em que cada indivíduo passa a ser ele mesmo uma broadcast, uma micro-celebridade com um imenso arsenal de ferramentas para ele mesmo produzir, distribuir, divulgar, compartilhar e entregar.
Distribuição de Cauda longa é o nome que se dá àquele rabicho à direita dos gráficos que indicam pouco movimento depois dos picos. Como uma planície monótona descendo os desfiladeiros ou aqueles sinais de normalidade nos monitores cardíacos depois dos picos de pressão alta.
No caso dos gráficos de vendas, indica a planície de poucas unidades vendidas depois dos picos relacionados a explosões de consumo. A monotonia das poucas vendas a longo prazo (cauda longa) contra o calor das muitas, em curto prazo (cauda curta).
Na economia de livro em papel e consumo de massa, interessava ao empresário apenas a cauda curta dos picos. Para isso, editores e livreiros precisavam escolher bem para acertar o hit, o best-seller da próxima temporada, e explorar ao máximo o tempo dos topos elevados.
Porque dependiam sobretudo da limitação de espaço nas prateleiras. Quando mais topos tivessem, mais vendas e rotatividade para abrir espaço para os próximos sucessos.
Na era da prateleira infinita, porém, não há problema algum que eles fiquem no estoque. E como todos os livros podem ser armazenados, a cauda longa longa passa a ser uma outra fonte de renda de tempo longo que nada custa.
A médio prazo, a soma dos livros desimportantes vendidos aos poucos pode ser igual ou superior à dos poucos que vendem nos picos. E nada impede que um livro que foi sucesso no passado, há anos ou décadas, volte ao sucesso.
Como o seu que estará lá, ele vai ser encontrado e comprado, a custo zero de promoção pelas editoras, pelas livrarias, pelo autor.
Como exemplifica Chris Anderson, na era da economia de massa, mesmo as mega-livrarias só poderiam conter 10% de tudo o que era produzido. Na era das novas tecnologias, elas podem ter tudo e levar a sério o que também vende pouco.
É também o fim, segundo ele, da regra de Pareto, segundo a qual 20% de qualquer coisa garante o resultados dos outros 80%: 20% dos laranjais dão 80% das laranjas, 20% dos clientes fazem o faturamento dos outros 80%, 20% do estoque garantem 80% das vendas.
A ela, Anderson contrapõe a regra dos 98. Os 98% dos produtos, dos clientes ou dos estoques desimportantes garantem os lucros dos outros 2%.
>>> Leia meu artigo A Cauda Longa ou o seu poder na era da cultura do nicho
Para o escritor, é outra revolução. Com as mesmas tecnologias que facilitaram a produção, a distribuição e a pesquisa online, ele pode publicar, divulgar e não morrer ao cabo de inúmeras vantagens.
Não enfrentará mais a angústia de não ser publicado, não precisará encarar recusas humilhantes dos editores, estabelecerá seu preço e sua comissão, receberá em dia pelas vendas.
Como no meu caso.
Meu salto para o livro digital
Eu conheço bem os dois lados e mudei meu conceito. Como se verá.
Eu 2010, eu publiquei o romance histórico de que tenho mais orgulho, O Dossiê Rubicão – Quando a Morte Assume o Poder, que faz do trauma nacional em torno da doença e morte do presidente Tancredo Neves o pano de fundo de um jogo de intrigas na redação de um grande jornal.
Um foca ambicioso descobre que o presidente civil eleito, único capaz de manobrar uma transição sem riscos da ditadura para a democracia, esconde uma doença grave e pode não tomar posse. Ele tem o furo de sua vida, mas a redação e o mundo que o cercam têm motivos para não deixá-lo publicar.
Enfrentei o calvário comum de todos os escritores iniciantes, embora estivesse no terceiro livro e na terceira tentativa séria de ser lido além de meu amigos e de minha aldeia.
Foram quase três anos dos transtornos conhecidos desde o primeiro parágrafo. Das noites insones pela grande ideia ao calvário pelas editoras, pelos preparativos de lançamento, pela angústia da divulgação, pela ansiedade e medo do fiasco.
Até a noite do lançamento que abriu outra batalha de energia e ansiedade: distribuição, pressão sobre imprensa, editor e livreiros, na ilusão de que meu produto tinha maior importância do que para mim e meus amigos.
Como todo iniciante, tinha a ilusão de estar fazendo o best-seller que iria ganhar capas de jornal e revista.
Não pude reclamar da repercussão, graças aos esforços do meu empenhado editor, da cooperação de amigos nos jornais e da presença maciça numa noite de popstar no Palácio das Artes, em Belo Horizonte.
Mas o livro seguiu a cauda curta da maioria que só tem pico na noite de autógrafo. Não pegou.
Sumiu em semanas das prateleiras de Belo Horizonte e não passou dos 300 exemplares antes de um ano, uma marca até significativa para um escritor de alcance regional. Para não destruir os demais exemplares da tiragem de mil, passei a distribuir para escolas, bibliotecas e, extemporaneamente, jornalistas e críticos.
Dois anos depois, como ocorreu com amigos escritores, eu não tinha mais tesão e planos de escrever novos livros.
Aposentei a ideia promissora de escrever mais duas continuações para completar uma trilogia, utilizando os mesmos personagens fictícios para tratar de dois momentos traumáticos da história do país, plasmados em seus presidentes: Fernando Collor e Lula.
Não voltaria ao teclado para textos longos, até que resolvi reeditar o livro e publicá-lo na Amazon com novo título, mais criativo e mais óbvio, como deveria ter me ocorrido antes: O Presidente Vai Morrer.
>>> Veja em O Presidente Vai Morrer – O Rubicão de um Foca e de um País
Queria não mais que o sonho de nós escritores que teremos tão pouco: apenas ser lido e, um pouco mais, a perenidade.
Nem precisava vender. Bastava estar acessível para que fosse achado ou pudesse ser indicado a quem perguntasse por ele. Se por ninguém, por meus filhos e netos no futuro.
Qual não foi minha surpresa. O livro vendeu algumas dezenas de exemplares nos primeiros meses e continuou vendendo um ou outro pelos anos seguintes e até hoje, num processo impensável para as livrarias físicas.
Como aquele bom livreiro que não existe mais, o algoritmo da Amazon indica meu livro a cada pessoa que compra algo semelhante de história, literatura histórica ou mesmo um romance. “Quem comprou esse livro, costuma comprar também esse…”
Melhor: tem a sofisticação de pagar por páginas lidas dentro do programa de assinaturas Kindle Ilimited. Recebo espécie de roylaties por qualquer montante de páginas lidas, em valor correspondente ou superior ao de direitos autorais dos livros impressos.
É pouco? É o mesmo ou mais um pouco do que receberia por livro vendido. Já recebi 2 dólares por cerca de 500 páginas lidas, volume do livro impresso. Que é mais do que a remuneração tradicional de 10% de capa, que eu teria no mercado pela venda de um exemplar.
E com uma prestação de contas rigorosa e mensalmente pontual, estranha, como se sabe, à maioria das editoras nacionais. Como se sabe a respeito da experiência da maioria dos escritores, elas mal pagam e eles mal cobram.
Não tenho enormes resultados, mas sou satisfeito o suficiente como meu cantinho nessa prateleira. Sabendo que posso ampliá-lo se voltar ao teclado, certo de que posso ser encontrado algum dia e ter uma prestação de contas honesta para isso.
Ainda não investi na estratégia o mesmo esforço gasto com o tempo nos livros impressos, mas pretendo.
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