Quis o deus das redes socais que, às 6 horas desta quarta-feira 22, a quatro dias do segundo turno das eleições, o artigo de Xico Sá banido pela Folha de S. Paulo por defender claramente o voto em Dilma estivesse na lista das cinco colunas mais lidas da seção de Política do site do jornal, na seguinte ordem:
- Gregório Duvivier – Chupa, Dado
- Valdimir Saflatle – A educação de Aécio
- Ricardo Mello – Aécio perde batalha da verdade
- Ombusman Vera Guimarães Martins – Xico Sá escreve à Folha
- Eliane Catanhêde – Sai de Baixo!
Dos cinco, pode-se dizer que apenas o último, de Eliane Catanhêde, se esforça por equilibrar os argumentos entre as forças e fraquezas dos dois candidatos no clima belicoso da última semana do segundo turno das eleições. Ainda que quem a acompanhe perceba suas tendências liberais afinadas com as propostas de um candidato como Aécio Neves.
Os outros quatro são de autores claramente identificados com as ideias e a candidatura de Dilma Rousseff. Não é preciso lê-los regularmente para buscar nas entrelinhas traições mentais que revelem suas preferências.
O problema é que só Xico Sá acabou punido com o desligamento do jornal — voluntário, diga-se — por ter defendido abertamente o voto em Dilma.
A Folha estava certa.
Além de que a justiça eleitoral proíbe, seu manual de redação com base no qual ele foi contratado proíbe o proselitismo partidário.
Suas edições virariam um carnaval de palanques dispersos que baratearia e diluiria a opinião do jornal. Uma coisa é defender ideias permanentes que sirvam à formação do leitor, outra coisa é defender nomes passageiros que a história defenestrará.
Mas Xico também estava certo.
A se ver no artigo que ele disponibilizou com elegância para a coluna da ombudsman, profissional mantida para criticar o jornal, sua intenção foi uma provocação bem a seu jeito de denunciar a falsa imparcialidade dos veículos de imprensa, que, a propósito, a lista das mais lidas desta quarta deixa patente.
Sociedades maduras
Se em tempos de guerra, principalmente eleitoral, é quase impossível manter a neutralidade, num país rachado e de nervos expostos, está cada vez mais difícil disfarçar as posturas e contradições.
Basta correr o olho pelos artigos e as capas das edições impressas ou eletrônicas para perceber, em uns mais e outros menos, as ênfases reveladoras, embora os jornais posem uma independência que as ênfases, claras ou disfarçadas, não sustentam.
Em favor da Folha, se diga que é de longe o mais plural. Atirar para todos os lados foi o jeito que descobriu de construir sua independência, numa linha editorial meio sem linha, em que quase tudo é permitido e tudo que se sabe é dito.
Não se pode dizer o mesmo dos outros dois grandes — Estadão e O Globo — e das revistas Veja e Época, cujas escolhas dos colunistas estão atreladas a suas opções ideológicas.
Que é algo que ficou também mais fácil de perceber nesses tempos bicudos e desde que o PT assumiu o poder.
Os grandes veículos de comunicação aqui ou em qualquer democracia defendem, clara ou dissimuladamente, os pilares do estado de direito: a livre iniciativa, a liberdade de imprensa, a garantia dos contratos. O partido do governo, não necessariamente.
Xico Sá tocou exatamente nessa casa de marimbondo, ao defender que os jornais assumam a defesa de um candidato, como fazem os jornais americanos em editorial, mesmo que isso não traia a isenção de seu noticiário.
É uma postura madura, de sociedades politicamente maduras, que confiam no discernimento do leitor para interpretar divergências e punir favorecimentos.
Só que ele falou o nome de Dilma, embora no contexto de uma provocação. O jornal ofereceu-lhe a alternativa de publicar na página de debates, ele se recusou, preferiu afastar-se do jornal e acabou punindo seus leitores de suas saborosas contribuições.
Outros autores menos votados continuaram ocupando as páginas do maior jornal do país com suas idiossincrasias mal reveladas.
Esforço de neutralidade
E para os jornalistas, é bom?
Xico provoca os colegas colunistas a fazerem o mesmo, mas aí tenho minhas dúvidas.
Como diria Dilma, no que se refere a mim, quem me lê regularmente deve perceber em meio a meu esforço penitente de neutralidade as minhas convicções liberais — democrata em política e anarquista em cultura — algo incompatíveis com o jeito PT de pensar.
Cristalizar isso em torno de um candidato da hora, porém, pode cair num reducionismo contrário a ideias mais fundas e a preconceitos prejudiciais a uma perspectiva de longo prazo. Além de alimentar a sanha dos carimbadores de rótulos que tudo reduzem e desqualificam, em prejuízo de ideias mais duradouras.
Defender Aécio Neves implicaria reduzir que ele traduz as ideias liberais com que me identifico.
Não traduz.
Por força da barafunda desse país meio demente, em que falta maturidade e os políticos vendem o que tiver a gosto no mercado eleitoral, ele tem medo e vergonha de defender um capitalismo radical que começaria, no mínimo, pela venda desse blefe que é a Petrobras. Se tivesse sido dada, como dizem que foi a Vale, teríamos mais petróleo, mais empregos e mais impostos.
Com medo de contrariar a grande massa que acredita no estado Papai Noel, ele fala numa socializante “estatização da companhia” e embarca na mesma demagogia de prometer — e não racionalizar — os tais avanços sociais que custam mais do que os impostos podem pagar.
Esforça-se por cavar uma brecha de racionalidade na gestão do estado papai, mas disfarça mal — como os jornais em relação a suas preferências — seu capitalismo de estado um pouco mais arejado do que o do PT.
Não, Xico Sá.
Nos EUA, os nomes dos candidatos estão atrelados a ideias já cristalizadas na sociedade –—estado mínimo (republicano) versus estado médio (democrata) — e não demonizadas como a promessa do inferno por aqui. São emblemas de uma forma de pensar e não, como já admitiu Lula a respeito de si mesmo, metamorfoses ambulantes.
Não. A intenção é boa, mas vou continuar não tomando posições em favor de quem quer que seja. Ainda mais em tempos de guerra.
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