Apesar de tirar óleo de pedra, os EUA são o maior produtor mundial de petróleo.
Foram 13 milhões de barris/dia em 2017, cinco vezes acima da Petrobras e de outros tantos países exclusivamente produtores, que, como o Brasil, dormem sobre leitos esplêndidos de óleo cru.
Como são produzidos por diferentes petrolíferas que brigam por mercado e não são sufocadas por estados inchados e vampiros, o preço da gasolina na bomba é um dos mais baixos do mundo (0,85 de dólar).
É difícil acreditar que haja terreno para uma greve de caminhoneiros lá, nas dimensões da que parou o país aqui. Primeiro, pelo preço. Segundo porque não teriam muito claro a quem chantagear.
Numa economia de mercado e de diferentes atores, eles teriam que se haver com os diferentes patrões e não com o único que vislumbram por aqui, por acaso ao mesmo tempo onipotente e zumbi: o governo federal.
Esse o tapa na cara mais evidente de nosso capitalismo de araque, em que tudo começa e termina em reunião no Palácio do Planalto.
Onde se pula no pescoço de um presidente impotente que precisa de oito braços para controlar os preços da única estatal produtora de petróleo e negociar com os grevistas, ao mesmo tempo que alinhar os políticos, domar os governadores, acionar o Judiciário e acalmar a população.
É um arremedo de capitalismo tão frágil que bastaram alguns meses de preço liberado pela estatal monopolizadora para criar o caos na terra. A estratégia que vinha salvando a empresa da destruição provocada pelo braço político venal desse capitalismo de estado revelou-se uma obscenidade.
Como que um gestor de uma empresa de economia mista dominada pelo governo tem a cara-de-pau de alinhar seus preços segundo regras de mercado se se vive num país sem mercado, em que todas os negócios, todas as encomendas, todas as reuniões de empresários influentes começam e terminam no Palácio?
— Ele acha que é dono do país? — perguntou um dos maiores empresários de transporte, aliado à esquerda, à direita e à catarse geral contra o governo em que se transformou a sanha dos caminhoneiros sem dono e com dono nas estradas.
Talvez estejam mesmo todos certos, caminhoneiros livres e os de patrões no comando do locaute. E temos mesmo que sepultar nossas ilusões de que podemos criar nesses trópicos atrasados uma sociedade competitiva de livre mercado, a única que produziu desenvolvimento nos países avançados.
Porque esse não é mesmo um país para ter capitalismo.
Não é possível se falar em liberdade de produção e competição se uma única empresa estatal domina toda a cadeia de combustível e seus reflexos sobre todas as outras, tem poder de vida e morte sobre o preço das bombas, só deve obediência a seus números e seu sócio majoritário, o eventual ocupante do Palácio.
Ora, se não tem competição, se não posso escolher, por que preciso pagar o preço que ele, o gestor, ou ela, a empresa, quer?
É sintomático que nos habituamos a achar um absurdo que os donos de postos cobrem o que querem em tempos de crise e mereçam ter polícia em suas portas. Logo eles, a ponta mais frágil dessa cadeia, a quem sobra uma margem bruta miserável de 10% contra os 45% dos governos federal e estadual (16% de Pis/Cofins de um, 29% de ICMS do outro).
Porque em nossa ordem mental sub capitalista, os donos de postos têm que trabalhar com preços tabelados, independente de seus custos.
E é mais sintomático ainda que caminhoneiros e seus patrões queiram do governo preços tabelados na bomba e no frete. Um máximo para o diesel que não é deles. Um mínimo para o frete que lhes pertence. Nunca o contrário.
Nesse país sem governo e mentalidade anos 50, é de novo sintomático que os petroleiros, sambando na crise, anunciem greve para pedir o fim da eficiência da estatal. Aceitaram calados todas as revelações de corrupção que empurraram a empresa ladeira abaixo, mas não poderiam ficar calados agora que ela começa a dar certo.
Ou mais ainda: nesse país sem governo e de mentalidade pré revolução industrial, é também sintomático que o candidato mais cotado nas pesquisas eleitorais para presidente, Jair Bolsonaro, fique do lado errado do caos. Porque no fundo tem a mesma mentalidade nacional de que o capitalismo é o inimigo.
Quer outro sintoma? Os outros dois candidatos mais bem colocados, Ciro Gomes e Marina Silva, de olho na herança eleitoral do ex-presidente populista e intervencionista que está preso, preguem todos os dias contra as reformas que possam trazer alguma racionalidade ao estado dinossauro.
Melhor que aceitemos e afastemos nossas ilusões de modernidade. Somos todos, afinal, anti capitalistas. Para que outra empresa? Para que mais petrolíferas? Para que mais patrões? Para que mais capitalismo?
Queremos que o governo controle o nosso risco e defina o nosso preço, desde que seja, no nosso caso, mínimo. E continue sendo nosso único interlocutor para que continuemos a pressioná-lo sempre que necessário.
Com outro locaute nas estradas, se preciso.
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