O presidente Jair Bolsonaro pensa como uma parte da população que tem seus mesmos preconceitos e crueldades.
É uma minoria que não aceita as razões de terroristas e acha que bandido bom é bandido morto, que ambientalista só atrapalha o progresso, que pedinte de rua é preguiçoso, que índio é vagabundo que gosta de celular e terras improdutivas, que casamento é exclusivo de homem e mulher.
Suas grosserias repugnantes em praça pública estão sempre relacionadas a respostas a quem pensa diferente disso.
Derivam de um rancor atávico mesmo. Perde a compostura quando ouve ou percebe algo que abala esse seu edifício moral.
Quando a jornalista Mírian Leitão revelou que fora presa jovem, grávida e nua num quarto escuro do Exército junto a uma cobra, o então deputado Jair Bolsonaro a culpou em alto e bom som para todo mundo ouvir: “pior para a cobra”.
Quando o filho dela, Mateus, o procurou para reconstituir a história que foi confirmada pelo próprio torturador, ele repetiu o que seriam as más intenções dela como guerrilheira e o que havia dito.
— Você me desculpe, é sua mãe, mas repito: pior para a cobra.
É genuíno e profundo seu ódio vituperado nos últimos dias contra os advogados que dificultam a punição de seu agressor, à imprensa que fica do lado dos bandidos degolados no Pará ou dos ambientalistas que atrapalham os negócios na Amazônia.
Seu erro mais primitivo, por uma limitação intelectual séria, é atacar pessoas e não coisas ou ideias. Ao divergir de advogados, jornalistas ou ambientalistas, troca o argumento por agressões pessoais.
Seu erro médio é confundir maioria com parcela e ignorar as razões conjunturais por que as maiorias se formam. Achar que a maioria que o elegeu tem as mesmas ideias da parcela de suas afinidades.
Ou ainda: achar que a segunda puxa a primeira. Que foi a parte da população senhora de seus afetos que lhe deu ou lhe puxou a vitória.
O mais grave é ignorar que a campanha já acabou, que é obrigatoriamente presidente da maioria e não vai governar se continuar entrincheirado em seus preconceitos e seus preconceituosos.
Tanto erro básico sem norte já estimula correntes de opinião mais sérias, mesmo entre os conservadores que o estão abandonando, que se trata de um caso de maldade intrínseca. Aquela banalidade do mal de Hannah Arendt, para sofisticar a análise do que parece mais rasteiro.
Bolsonaro é do mal. Não se explica senão à luz nada tamanha crueldade e falta de empatia com vítimas, tamanho vácuo de discernimento, de respeito ao próximo, de sentimento cristão.
Gosto de acreditar, para salvá-lo de julgamento tão cruel, que ainda resta a hipótese menos pior. Que ele esteja agindo apenas por razões eleitorais.
Que, como o sapo de Guimarães Rosa, não estaria saltando por boniteza (feiúra no caso), mas por precisão.
Como vive em campanha desde que Aécio Neves quase ganhou as eleições e percebeu que a esquerda deveria ser seu alvo para o resto da vida, atua para manter sua parcela do coração, seu nicho de afinidades, acesa até a próxima eleição. É ela que lhe dará ou puxará nova vitória, acredita.
Ainda que esteja de novo errado. E mal perceba que vai construindo outras trincheiras mais difíceis de atravessar à sua volta. Seja na própria esquerda que volta a descobrir uma causa, seja nos candidatos à centro direita que crescem como larvas nos excrementos de suas falas.
Ainda assim, prefiro acreditar, por enquanto, que se trata de uma mera questão eleitoral.
[…] >>> Leia o artigo: Bolsonaro mantém campanha para os preconceituosos como ele […]