O Brasil já deu duas contribuições insuperáveis ao estudo do uso de redes sociais para mudar ou parar um país.
Foi com o Facebook que os jovens do movimento Passe Livre, de junho de 2013, deram a largada no processo de deterioração do regime de Dilma Rousseff que desandaria no impeachment, dois anos depois. Foi com o WhatsApp que os caminhoneiros pararam e mudaram o país para sempre.
O caso já vem sendo estudado fora do país como fenômeno proporcional ao provocado pelo Twitter na chamada Primavera Árabe, que derrubou alguns governos do Oriente Médio em 2011, com bons e maus resultados, incluindo o da Síria que deu na carnificina de hoje.
É um poder um tanto aterrorizante em especial no Brasil, onde 60% têm o aplicativo de celular e 46% o utilizam como fonte de notícias, segundo um estudo produzido pela Reuters e a Universidade do Oxford, revelado pela BBC.
O número, muito acima da média mundial de 15%, chamou atenção de pesquisadores como Yasodara Córdova, da Escola de Governo de Harvard, que estudou a Primavera Árabe e analisa como governos lidam com a internet.
Ela chama atenção para o fato de que, diferente do Facebook e do Twitter, a conversa no WhatsApp não tem mediação e nem a via de mão dupla de opiniões fora do grupo.
São grupos fechados, de no máximo 256 pessoas, em conversas encriptadas, impenetrável e ao mesmo tempo multiplicável sem indicação da fonte. Enquanto Twitter e Facebook são, como ela diz, como uma via pública, uma praça, onde se abre uma banquinha e as pessoas podem te ver e interagir com você, o WhatsApp é como uma sala de estar fechada de comunicação difusa que forma lideranças sem rosto e sem origem.
— É uma espécie de sindicato digital num mundo em que o sindicato é um modelo em declínio, não só em termos de representatividade, mas também de metodologia.
Fabrício Benevenuto, pesquisador de Ciência da Computação da nossa UFMG, pioneiro no estudo de conteúdos compartilhados pelo WhatsApp, soube desde a Primavera Árabe que as redes sociais virariam um movimento político de força descomunal:
— Não tem como governos autoritários controlarem uma coisa dessas — disse à BBC.
O nacional Ipsos confirmou em pesquisa que 46% souberam da paralisação pelo aplicativo, contra apenas 8% do Facebook e apenas 1% por sindicato ou associação. O contato pessoal e pela estrada, segunda e terceira formas de mobilização, deixaram em indicadores irrelevantes — e sequer citados na pesquisa — o conhecimento produzido por rádio, TV ou a leitura de jornais.
O que quer dizer que o país que teve acesso ao rádio antes dos livros, à TV antes dos jornais e às redes sociais antes de aprender a refletir conseguiu se organizar antes de levar sindicatos a sério.
O noticiário da greve e nossos WhatsApp estiveram coalhados de exemplos de lideranças sem nome, sem dono e sem origem, com o olhar messiânico dos convictos, bradando certezas definitivas construídas apenas no conhecimento precário do aplicativo. Cada lenda ou cada fake news, em texto, áudio ou vídeo, era tomado como novo aprendizado a ser multiplicado rápido e sem dúvida, porque a revolução e a derrubada do regime está a caminho.
— Vamos colocar fogo nisso aqui! — bradou um dos líderes anônimos já ao fim do movimento, tentando arrastar sua cota de caminhões para Brasília.
Muito novo, o fenômeno deixou atônitos um governo que ainda se comunica como na era do rádio, em discursos monocórdios do presidente, mais auditivos que visuais na TV, e pôs a Petrobras a correr atrás do prejuízo para tentar se contrapor à avalanche que a pôs de joelhos.
Soube-se que seus diretores, gerentes e funcionários se puseram também a organizar grupos e mutirões de contra-informação, numa estratégia reativa que sugere parte do cenário das próximas eleições.
Será a arena em que uma multidão de lideranças sem rosto, espalhadas como cogumelos e convencidas por elas mesmas a partir de informações sem comprovação, terão força para mobilizar e desmoralizar como nunca antes. Por convicção, por mentira, por má ou até boa fé, que é a pior e mais eficiente das alavancas nesse caso.
É possível que, com o tempo, tudo se ajuste e equilibre, como tudo na vida. Mas as próximas eleições ainda se darão sob o signo dessa força e caberá aos candidatos descobrir formas de enfrentá-la se pretendem algum sucesso.
Não tenha dúvidas de que, do ponto de vista de hoje, ela será capaz de alavancar e destruir reputações em menos de um dia.
Será interessante assistir de camarote o que seus assessores de marketing criarão para enfrentar um fenômeno onde tudo é novo. E tão revolucionário e assustador quanto a Primavera Árabe.
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