Como Lula, ele defende os nichos de sua base fiel, mas precisa ampliar seu horizonte para os setores mais amplos em que é mal avaliado, como pobres e mulheres
Não é fácil a vida de Jair Bolsonaro. Meio travado nas pesquisas e um tanto assustado com a distância detectada em relação a Lula na última Datafolha, de 27% contra 48%, ele anda apelando a seu nicho e fora dele, com vistas, como sempre, à eleição.
Na última semana teve oportunidade de sair em defesa dos sertanejos e da polícia, duas forças indiscutíveis de sua base eleitoral, envolvidas em dois episódios escandalosos: o de tortura e assassinato por gás por membros da PRF de Sergipe e o de cantores patrocinados por dinheiro público de prefeituras e de emendas secretas do Congresso.
Ao mesmo tempo, no moto contínuo de campanha permanente, teve que continuar a sua luta mais ou menos inglória para reduzir o preço dos combustíveis e se exibir com sua mulher em eventos e entre mulheres, como na gravação de seus primeiros programas de TV, na periferia de Brasília.
Nos dois casos, arranjar um jeito de sinalizar que se preocupa com a inflação que atinge os mais pobres e ao mesmo tempo que não é um macho alfa que respeita mais motocicletas que mulheres, duas das maiores fragilidades de sua imagem, segundo a mesma pesquisa.
Além de ganhar no primeiro turno se a eleição fosse só entre mulheres, Lula ganha na maioria dos estados do norte nordeste e empata ou perde nos estados do sul e do centro-oeste, onde está a maior parte do eleitorado de Bolsonaro: mais rico, mais branco, mais escolarizado, mais homem.
Ao se mexer para trocar presidentes da Petrobras, acusar os governadores de não reduzir o ICMS dos combustíveis e anunciar fórmulas de tirar o controle da estatal sobre o álcool e sobre dutos, ele pode não conseguir reduzir a inflação, mas sinaliza para os pobres que está tentando e que a culpa dos outros.
Ao mostrar que a esposa pode ter maior protagonismo além do quarto, sala e cozinha, tenta algum sinal para a mulherada de classe média que o acha um brucutu e também para as donas de casa, não por acaso asfixiadas pelos preços do gás e das gôndolas do supermercado.
Tudo indica que, por algum mérito dele e mais da conjuntura internacional, já conseguiu passar a impressão de que nada tem a ver com a alta dos preços. O efeito com as mulheres ainda vai depender de muitas variáveis da campanha, inclusive das rixas nas disputas regionais, onde o sexo acaba sendo menos determinante.
O desafio é conseguir até as vésperas da eleição afastar o saudosismo da sensação de bonança da era Lula e, mais difícil, consolidar Michele como protótipo da nova mulher, independente e batalhadora, que não combina com a ideia de penduricalho do marido.
Trabalhar com os nichos próprios em que se agarra nas horas de aperto, sertanejos e polícias, empresários e sócios de clubes de tiro, é mais fácil, mais consolidado e onde se sente mais à vontade. E os defende de peito aberto, mesmo correndo o risco de perder algum apoio entre os mais esclarecidos.
É um preço que parece valer à pena pagar, porque tem consolidado a base fiel em torno dos 20 e poucos por cento nas pesquisas, que lhe dá fôlego na alegria e na tristeza, na riqueza e na miséria, na sua disputa com Lula.
Que, não por acaso, também faz o mesmo. Está sempre apimentando seus discursos com música para os ouvidos de seus sindicalistas e radicais de estimação, contra as reformas e as elites (“banqueiro nunca me perguntou se o pobre passa fome”), apesar dos sustos que passa na classe média para cima.
O próprio Arthur Lira, o presidente da Câmara que manda no país, se dá bem com os dois e estará com qualquer deles no próximo governo, chegou a dizer que eles sempre perdem voto nas pesquisas quando falam a seus nichos.
Apesar disso tudo, a terra se move. Eles são macacos velhos, mais experimentados que nós todos para calcular o risco. Precisam sinalizar para além do ombro, mas não podem esquecer de quem está debaixo do sovaco.
Então, aguardem que Bolsonaro e Lula continuarão a defender os seus. Por mais horrorizados que continuemos a ficar com policiais que matam, sertanejos que superfaturam, sindicalistas que querem seu imposto sindical, fazer greves ou invadir propriedades.
Paraná versus Datafolha
Depois da margem quase disparatada de 21% de diferença de Lula para Bolsonaro (48% a 27%) no Datafolha, a pesquisa do instituto Paraná divulgada nesta quarta-feira surpreendeu com um quase empate técnico na estimulada, de 41,4% a 35,3%, e já empate na espontânea (28,3% a 27,3%).
Houve, como no instituto paulista, ligeiro avanço de Lula em relação à última, quando tinha 40% das indicações. Mas, fora isso, ainda não vi informação consistente que explique a diferença entre as duas. A margem de erro de ambas é a mesma, 2%, em amostras próximas, respectivamente de 2.556 em 181 cidades e 2020 em 164. Ambas presenciais.
Dei amplo espaço à da Datafolha, neste artigo, porque tenho motivos para acreditar nela desde que comecei a acompanhá-la, há quase 40 anos, em meados dos anos 80. Ainda não tenho, digamos, uma análise histórica do Paraná, criado em 2013.
Diante dessa disparidade, confirmo que elas só sinalizam um estado de ânimo de determinado momento, que muda, concordo com os políticos que não as levam a sério e tendo a dar toda razão aos que dizem que elas não são confiáveis. São mais espertas que confiáveis.
> Publicado no Estado de Minas, em 2/6/2022.
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