Jair Bolsonaro é um animal político que fareja ameaças eleitorais à distância. Como parece também saber escolher sua caça com antecedência.
Nesta semana, começou a sentir cheiro de ameaça em seus planos de sobrevivência política nas movimentações de dois de seus concorrentes potenciais na floresta da sucessão presidencial: João Doria e Luciano Huck.
Tratou logo de tentar abatê-los com a história da compra de jatinhos subsidiados pelo BNDES a 3% ao ano. Independente do mérito da operação, carimba nos dois, mais que a fama de aproveitadores do dinheiro público, a de membros de uma elite endinheirada.
Ao delimitar sua diferença em relação a eles, pode estar fazendo o cálculo certo de que é preciso arranjar novo inimigo para 2022. Uma vez que o inimigo que o alavancou até aqui, o PT, já perdeu a força como plataforma.
Já escrevi mais de uma vez aqui que o que até os estagiários de marketing político sabem, que os candidatos precisam eleger o inimigo preferencial que coincida com o circunstancial da população.
Veja artigos:
– O discurso de Lula contra a imprensa e a arte de escolher inimigos
– Recuos de Temer lembram Iamar e o risco de agradar o inimigo
– Temer comete três erros políticos ao escolher o inimigo errado
Cada candidato vitorioso dos últimos 30 anos da vida democrática brasileira escolheu o seu. Soube apresentá-lo como risco à sobrevivência do país e associação-lo a um símbolo forte.
Numa simplificação: Collor, os políticos tradicionais. Fernando Henrique, a inflação. Lula, a disparidade de renda. Dilma, a descontinuidade da bonança lulista. Temer (eleito pelo impeachment patrocinado por Eduardo Cunha), o descalabro administrativo. Bolsonaro, o descalabro misturado à corrupção.
Bolsonaro conseguiu associar o PT às duas coisas e mais a relativização moral dos costumes, que nenhum dos outros candidatos ousou. Por não poderem falar de corda em casa de enforcado e não terem percebido o peso dessa relativização numa sociedade conservadora.
Acontece que o PT não se apresenta mais como um inimigo com bagagem suficientemente assustadora. Pelo contrário. O ponto de inflexão na sociedade foi tão grande, que suas ideias para o país em todos os campos, político, econômico e social, soam anacrônicas.
Desafios eleitorais
Para voltar a ser um inimigo de peso, ele teria uma tarefa astronômica para convencer a sociedade do contrário do que pensa. Mais que isso, chegando a esse ponto, mostrar que é capaz de fazer igual ou melhor do que seu algoz.
Como Lula no panorama dificílimo da campanha de 2002, em que teria que ser tão competente quanto FHC e fazer mais do que o Plano Real, um símbolo fortíssimo de mudança na vida das pessoas. Todo paz e amor, ele conseguiu provar que não apresentava um risco às conquistas e que poderia ampliá-las no que faltava: o reequilíbrio de renda, para o qual o seu currículo de pobre era o contraponto perfeito.
No ambiente de crença na liberdade econômica de hoje, por exemplo, que a sociedade vai incorporar daqui pra frente, o PT teria que provar que é capaz de abrir o mercado tanto quanto Paulo Guedes. E, de alguma forma, oferecer mais do que isso. Um… mercado social, sei lá.
Teria que ser capaz de prometer uma reforma da previdência que consertasse o caixa do Tesouro, sem cortes de benefícios, uma reforma tributária que não aumentasse impostos, uma política para a Amazônia que não contrariasse o agronegócio.
Teria que amenizar sua defesa radical da igualdade de gêneros, de cotas raciais, de direitos humanos. E defender um pacote anti-crime que combatesse a violência sem desqualificar policiais e arrochar juízes e procuradores.
Teria, enfim, o trabalho de doze hércules de mostrar como fazer diferente e melhor, violando suas crenças ancestrais para incorporar e aperfeiçoar as novas que a inflexão do bolsonarismo vai implantar.
Que é uma tarefa fácil para os candidatos de centro que já as tem, como Doria, Huck e um Rodrigo Maia. É bem mais viável para eles mostrar que podem fazer melhor.
Quando nada, não é nada difícil mostrar que podem ser melhores que o presidente atual, bastando exibir um mínimo de elegância de que são capazes e que fará uma diferença enorme em relação ao brucutu atual.
Será um, digamos, upgrade cultural fácil de vender. O grande inimigo deles será a língua descontrolada de Bolsonaro.
Campanha cedo demais
Evidentemente que tudo muda. Bolsonaro terá quilômetros de vantagem se a economia estiver em aceleração, com crescimento de renda e emprego. Ou ele pode virar o inimigo ideal do PT se tudo der errado, como foi a promessa Macri na Argentina.
Como qualquer estagiário de política sabe desde Bill Clinton, a questão é quase sempre “a economia, estúpido”. Se o povo estiver satisfeito, as grosserias do presidente vão passar a ser entendidas como um charme especial.
— É maluco, mas resolve — dirão, numa variação para os nossos tempos da famosa “rouba, mas faz”.
O que não muda minha percepção, porém, de que Bolsonaro abriu a campanha eleitoral cedo demais. É ele que está com a ejaculação precoce que atribuiu a Doria como símbolo de que teria queimado a largada.
Acabou colocando o nome de seus adversários preferenciais na roda e os promovendo a players importantes. Ou mesmo os tirando irrelevância, como o caso de Huck.
Dá sinal de que, sim, já não considera o PT mais como um inimigo relevante e já elegendo os seus preferenciais.
Problema é que começa a atrair mais problemas dos que o que já tem, para ficar com manobras diversionistas. Precisava concentrar um pouco mais nas tarefas para as quais foi eleito.
>>> O PT como inimigo ideal, no vídeo:
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