Por ignorância, dissimulação ou espírito de tropa, economistas respeitados do partido defendem princípios anti liberais para humilhar Alckmin e detonar aliança
Na última semana, o presidente do diretório paulista do PT e ex-ministro de Lula, Luiz Marinho, disse claramente ao Estadão que tem “ojeriza ao perfil do Alckmin”.
Praticamente impôs ao tucano penitência de joelhos se tem alguma pretensão de se aliar ao partido na condição de candidato a vice de Lula:
— (Ele) vai ter de passar a falar diferente. Ele tem de saber que estará defendendo um projeto que tem CPF, tem lado, tem CNPJ. Ele tem de se tornar engolível. É disso que se trata.
Nesta segunda, o deputado federal Ruy Falcão disse em longa entrevista à Folha de S. Paulo que Lula não precisa dessa “muleta eleitoral” e filiados do diretório do Butantã fizeram uma petição contra a aliança, organizada por Daniel Kenzo, a fim de “zelar pela vida do companheiro Lula”.
Seriam apenas mais faíscas na fogueira com que petistas vem torrando a aliança com o tucano, não se tratassem de luminares do partido e estivessem ecoando o que tantos outros da mesma estatura vêm insinuando em palavras, gestos e ações.
De tal monta, que só certa pusilanimidade do ex-governador explica que ainda aceite se submeter às condições impostas às custas de dobrar a espinha, não às suas convicções políticas mas a seu próprio respeito pessoal, por um aliança que lhe favorece pouco.
Leia: Aliança de Lula com Alckmin sinaliza muito e favorece pouco a ambos
Ruy Falcão e outro luminar, José Genoíno, tinham encabeçado um abaixo assinado eletrônico contra a aliança e a mais proeminente deles, a presidente do partido, Gleisi Hoffman, saiu em defesa ostensiva de tudo quanto tese anti liberal possa criar constrangimento para que ela aconteça.
— Não tem necessidade de carta ao povo brasileiro (…) e não tem mimimi do mercado.
Que por sua vez ecoavam artigo do ex-ministro Guido Mantega, publicado como proposta de plano de governo na mesma Folha, e reunião na fundação Perseu Abramo. Onde ele e outros economistas eminentes, como Aloizio Mercadante, davam certo respaldo científico às suas divergências oceânicas com o talvez futuro vice.
Defendiam pontualmente a revogação da reforma trabalhista, do teto de gastos e de qualquer privatização, atual ou futura, como se estivessem desenhando para Alckmin as suas convicções e ao mesmo tempo as suas incompatibilidades históricas.
Como a ojeriza ancestral que têm à responsabilidade fiscal e à muleta do que chamam “neoliberalismo”, a pecha maldosa com que carimbaram na testa dos tucanos uma vocação para a insensibilidade social.
À maneira de Marinho, Falcão, Kenzo e Gleisi, procuraram deixar claros o nojo ao espírito de muleta aleijada do político liberal conservador que estaria tendo a cara de pau de insistir numa aliança que não lhes interessa. Entre o partido sacrossanto que defende os pobres e humildes e o representante reacionário dos ricos e do capital.
No ritmo do baile e de alguns poucos bombeiros dos dois lados tentando manter a aliança de pé, as apostas ficaram em até quanto Alckmin suporta a humilhação e Lula a alimenta, na medida em que não exerce sua autoridade para enquadrar os companheiros.
A seu jeito de deixar a peãozada brigar para faturar de conciliador no final, estabeleceu que ninguém fala por ele, mas também não deixou de tirar uma casquinha no apelo midiático da revogação da reforma trabalhista. Elogiou mobilização semelhante na Espanha.
O que me importa pouco. Meu ponto é o quanto ele, seus luminares e o partido que se candidatam de novo a comandar esse país gigante e miserável, numa de suas fases mais dramáticas, acreditam nas bobagens que falam.
E minha conclusão é a pior possível. Ou acreditam, o que é muito ruim, ou não, que é pior: dissimulam e manipulam para fins eleitorais ou por desonestidade intelectual. Sonegam ao eleitorado que:
- Neoliberalismo é uma ficção que nunca deu as caras nesse país de economia facista, de estado indutor de todo investimento, patrão de uma nobiliarquia burocrática que come mais da metade do Orçamento e financiador do sistema bancário que come o restante em juros.
- Reformas estruturais e mecanismos para enxugar e conter o Estado, como a trabalhista, o teto de gastos e as privatizações, é que induzem o crescimento gerador de riquezas, impostos e empregos.
- O peso da máquina que querem inchar com mais subsídios e programas sociais produz mais impostos e obrigações legais que enforcam os milhares de pequenos empreendedores que tocam a economia. Pergunte a um dono de boteco ou padaria amedrontados de contratar se ele é a favor de mais encargos e obrigações trabalhistas de que Lula tanto gosta.
No plano da honestidade intelectual, ou falta dela, me horroriza que um economista de tantos títulos e história como Aloizio Mercadante venha falar de “economia popular” em oposição ao que seria uma economia da elite.
Ou como gostam de dizer e ele repete, “da Faria Lima”, onde está o baronato do mercado financeiro que, segundo o próprio Lula, deveria vir de joelhos agradecer o que seus governos fizeram por ele.
Salvo melhor demagogia, não existe “economia popular” assim como não existe um jeito de direita ou de esquerda de varrer rua, como ensinou numa frase lapidar o prefeito de Nova York que virou nome de aeroporto, Fiorello La Guardia.
Existe demanda e oferta administradas com o mínimo de encargos e intervenção do governo, para baratear o custo e a liberdade de produzir. Evitar abusos de concorrência e não favorecer desequilíbrios para os amigos, como aliás fizeram quatro governos petistas através do BNDES.
Em que haja responsabilidade fiscal, simplificação tributária e investimento estrutural que dê condições equivalentes de produção e competição. Subsídios e programas de assistência social devem ser mecanismos mínimos de correção de desequilíbrios passageiros e não base de um programa permanente de um governo.
Pode ser que seu conceito de “economia popular” seja a velha matriz de seus quatro governos. Despejar dinheiro nas camadas mais pobres em forma de doação ou de crédito barato, consignado para o funcionalismo, na ilusão de produzir desenvolvimento pelo consumo turbinado artificialmente.
Que nada mais são do que os tais mecanismos de uma economia propriamente dita, sem adjetivos, transitórios por que insustentáveis a longo prazo, como se provou até a quebra do país em 2013. Quando os subsídios pararam de fazer efeito, quebraram o Caixa da União, e a população endividada parou de comprar.
Como é impossível que Mercadante seja ignorante a respeito disso tudo, ele só pode estar dissimulando. Conjunturalmente, com fins eleitorais. Estruturalmente, repetindo o velho cacoete dos intelectuais de partido, os chamados orgânicos no conceito de Antonio Gramsci, colocando os interesses de seu grupo acima da isenção científica e de sua liberdade de pensamento.
Não estivesse manipulando e sendo intelectualmente honesto, poderia estar ensinando que liberalismo não é coisa do Alckmin e nem oposição à esquerda. É um princípio universal de igualdade que, junto com o ceticismo científico, empurra o mundo desde o iluminismo.
Com algumas diferenças de enfoque entre direita e esquerda. Sim, existe o liberal de direita, conservador, com foco prioritário na liberdade individual contra o excesso de Estado. E existe o liberal de esquerda, com mais ênfase no coletivismo e no intervencionismo estatal.
Mas ambos na defesa de condições iguais, universais, para todos. Não de privilégios para nichos e guetos que todos os luminares do partido vêm defendendo à frente de grandes movimentos sociais desde a Constituinte de 1988.
Alckmin é um liberal de direita, com ideias diferentes de como buscar a mesma coisa que um bom liberal de esquerda defenderia: condições estruturais para desenvolvimento e produção de riqueza em busca de igualdade e justiça social.
Demonizá-lo como se vêm fazendo com o respaldo de economistas como Mercadante é altamente desonesto, se não for só ignorância.
Publicado no Estado de Minas, em 18/1/2022
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