Uma análise da poderosa capacidade de oratória hipnótica com que Hitler criou o Messias que levou a Alemanha e o mundo à sua maior tragédia.
Adolf Hitler foi uma criança mimada, um adolescente rejeitado, um administrador procrastinador, um interlocutor que não ouvia, um comandante histérico e um estrategista medíocre que só ganhava na força e atraiu mais inimigos do que podia combater.
Fisicamente, antes de se tornar público nos cartazes que o colocavam de peito estufado, era um dândi de pernas e calças bávaras curtas, suspensórios, cabelo emplastrado partido ao meio, dentes estragados. Sua voz era áspera que desandava para um falsete estridente.
Também, como escondeu a propaganda, teve histórias mal explicadas de pequenos roubos, deduragem e traições.
Não havia dúvida entre seus colaboradores mais próximos, coroada nos melhores estudos de psicologia, de que se tratava de um psicopata à beira da esquizofrenia. Não era um louco no sentido comum do termo, mas sim um neurótico que carecia de inibições adequadas.
Mas tinha uma percepção de psicologia das massas, causa e efeito de uma capacidade oratória de tal forma hipnótica, sem paralelo na história, que dobrou todas as dificuldades em seu caminho e levou seu país ao delírio e o mundo à maior de suas tragédias.
E o levaria ao limite até a última hora, de onde só recuaria pelo suicídio, quando estivesse acossado, depois de ter eliminado os comandantes mais críticos, como previu o psicólogo americano Walter Charles Langer quando ele ainda estava vivo.
Ele foi contratado para produzir um perfil do ditador, no auge da guerra, por um general meio maluco da inteligência americana, William Donovan, que já havia proposto uma tempestade de morcegos incendiados sobre Berlim e o envenenamento das hortas de onde saíam os alimentos do bunker nazista.
Seu relatório de 1943, que se transformou no livro A Mente de Hitler, virou referência dos estudos de psicanálise sem a presença do analisado. Produto de depoimentos de dezenas de contemporâneos que estiveram com Hitler, cruza diferentes visões de onde emerge o mais cruel e paranoico dos governantes.
— Sigo o meu caminho com a precisão e a segurança de um sonâmbulo.
Por diversas circunstâncias pessoais de uma rejeição brava depois da morte da mãe e, políticas, da outra mãe que perdeu tudo com a Primeira Guerra, a Alemanha, desenvolveu o que Langer chama de um “complexo de Messias”, único capaz de levar seu povo à terra prometida.
Montado nas duas, escalou a sua montanha de paranoia e ambição que deu no que deu.
Comunicação como reação
Hitler foi o primeiro filho excessivamente amado e protegido da jovem Klara, que compensava nele, em detrimento de seus irmãos não legítimos, a morte dos três primeiros.
Ao mesmo tempo, desprezava o pai Alois, um funcionário público às vezes sóbrio e às vezes bêbado violento que batia nos filhos e nela, uma sobrinha que havia adotado depois de duas outras esposas.
Embora apanhasse e, depois disso, ela transava com ele. De forma que, quando ela morreu de câncer de mama, em 1907, era aos 18 anos um adolescente decepcionado, perdido e de más referências entre um pai desequilibrado e uma mãe traidora.
Foi em seguida reprovado duas vezes no exame da Escola de Belas Artes de Viena e entrou em parafuso. Caiu na boemia e depois na mendicância, maltrapilho e barbudo, pedindo esmolas e dormindo em abrigos.
Não tinha disposição para nada. O amigo Reinhold Hanisch conseguira comercializar algumas de suas obras, cartões postais, cartazes e aquarelas, que ele só entregava quando à beira da fome por algum dinheiro que gastava todo de uma vez só.
Suas primeiras reações para ser alguma coisa na vida, semente de seu aprendizado de oratória, começaram no enfrentamento a operários de ideias marxistas da construção civil, onde fez alguns bicos, no desespero.
Rejeitado como por certa arrogância de classe, sua, passou a estudar a fundo panfletos políticos e jornais. E a fazer discursos ali, nos bares e na pensão alugada sob risco permanente de despejo. Começara a admirar suas principais influências antissemitas, Georg von Schönerer e Karl Lueger, prefeito de Viena.
Descobriu um lar, uma identidade e um sentido de pertencimento no exército da Bavaria, a que se alistou com devoção para servir na Primeira Grande Guerra, em 1914. Foi um soldado obediente, que não passou de cabo, embora bajulador de oficiais e suspeito de delatar colegas.
Quatro anos depois, revoltado com os políticos e os marxistas que entregaram a Alemanha de bandeja no Tratado de Versalhes, que pôs fim à guerra, andava frustrado, sem atividade, mas discursando onde desse.
Foi descoberto por um superior que o transformou em oficial de educação do Exército, de onde disparou para a carreira política. Que viria desaguar na formação do seu Partido Nazista e na maratona de comícios diários que, ao longo de cinco anos de militância, lhe deram o treino para o que viria a ser num palco.
Às vésperas do Putsch da Cervejaria, a tentativa de golpe contra o governo da Baviera, que liderou em 1923 e mudou sua vida e o mundo, sua capacidade de oratória já chamava atenção pelo que oferecia de contradição com seu aspecto físico.
Como descreve Langer:
“Sua altura é um pouco abaixo da média. Os quadris são largos e, os ombros, relativamente estreitos. Seus músculos são flácidos e suas pernas são curtas, finas e fracas, ficando escondidas, no passado por botas pesadas e, mais recentemente, por calças compridas. tem um tronco largo o peito escavado, a ponto de usar uniformes com enchimento. Do ponto de vista físico, não atenderia aos requisitos de sua própria guarda de elite.”
Vestia-se e apresentava-se de forma um tanto quanto descuidada e ridícula:
“Frequentemente, usava o traje montanhês, incluindo calça curta de couto, camisa branca e suspensórios. Nem sempre o traje estava limpo e, com a boca cheia de dentes amarronzadas e estragados, as unhas compridas e sujas, ele apresenta uma imagem um tanto quanto grotesca. Naquela época, tinha também um barba pontiaguda, e seu cabelo castanho-escuro era repartido ao meio e fica grudado junto à cabeça com óleo.”
No julgamento que resultou em sua prisão por nove meses após o fracasso do Putsch, o escritor de Germany Puts The Clock Back, Edgar Ansell Mowrer, estava impressionado:
— O terrível rebelde era esse dândi provinciano, com seu cabelo escuro ensebado, sua casaca, seus gestos estranhos e sua língua solta? Ele parece para todos um caixeiro viajante de uma firma de roupas.
O professor Max von Gruber, da Universidade de Munique, o viu assim no mesmo julgamento:
— Foi a primeira vez que vi Hitler de perto. Rosto e cabeça do tipo inferior, mestiço; testa pequena e recuada, nariz feio, maçãs do rosto largas olhos pequenos, cabelo escuro. Expressão não de um homem exercendo autoridade em autodomínio perfeito, mas de excitação desvairada. No fim, uma expressão de vaidade satisfeita.
A jornalista americana Dorothy Thompson, depois de vê-lo num comício, escreveu assim na Harper’s Magazine:
— Ele é amargo, quase sem rosto, um homem cujo semblante é uma caricatura, um homem cuja estrutura parece cartilaginosa, sem ossos. Ele é insignificante e volúvel, inadequado e inseguro. É o próprio protótipo do homenzinho.
O estranhamento com sua estatura e irrelevância física vem evidentemente da dificuldade de explicar o magnetismo poderoso que o transformava num gigante diante diante da plateia.
Walter Langer elenca uma série de depoimentos de colaboradores próximos, jornalistas e escritores contemporâneos, na tentativa de explicar o ritual quase macabro com que ele tateava o pulso da multidão até fazê-la dançar com ele.
- Konrad Heiden: “O início é lento e hesitante. Aos poucos, ele vai se aquecendo quando a atmosfera espiritual da grande multidão é incitada. Porque Hitler responde a esse contato metafísico de tal maneira que cada membro da plateia se sente preso a ele por um vínculo individual de afinidade.”
- Gregor Strasser: “Reage a vibração do coração humano com a sensibilidade de um sismógrafo”.
- Revista Newsweek: “As mulheres desmaiavam, quando, com o rosto arroxeado e retorcido pelo esforço, Hitler despejava seu discurso mágico”.
- Janet Flanner: “Seu discurso costumava definhar seu colarinho, desgrudar seu topete, vidrar seus olhos, ele era como um homem hipnotizado, repetindo-se até entrar num frenesi”.
- F. Yates-Brown: “Ele era um homem tranformado e possuído. Estávamos na presença de um milagre.”
- Stanley High: “Quando no clímax, ele balança de um lado para outro, seus ouvintes balançam com ele; quando ele se inclina para a frente, eles também se inclinam para frente, e quanto ele conclui, ele ou ficam admirados, em silêncio, ou de pé, em frenesi.”
E, finalmente, Langer:
Seus comícios estavam sempre cheios e, no momento em que terminava de falar, tinha entorpecido completamente as faculdades críticas de seus ouvintes, deixando-os dispostos a acreditar em quase tudo o que dizia. Sua língua era como um chicote que estimulava as emoções. Sempre conseguia dizer o que maioria pensava em segredo e não sabia verbalizar. Estavam como que Intoxicados.
A explicação de seu sucesso, pelo próprio Hitler, está em Mein Kampf, Minha Luta, a conhecida bíblia do nazismo que ditou a um amigo nos nove meses em que esteve preso, depois do Putsch.
— A psique das massas não reage a nada que seja fraco ou pela metade. Tal como a mulher cuja sensibilidade espirital é determina mais pela razão abstrata do que por um desejo emocional indefinível de alcançar o poder, e que, por essa razão, prefere se submeter ao homem forte, e não ao fraco, a massa também prefere quem dá ordens, e não quem implora.
Força da ideia
O que ele dizia? Aquilo que Victor Hugo disse sobre a revolução francesa que o jornalista Eurípedes Alcântara lembra bem na introdução do seu prefácio ao livro:
“Nenhuma força terrestre é capaz de deter uma ideia cuja hora tenha chegado.”
Como diz Langer,
— era um Hitler sincero que os alemães conheciam, cujas palavras ardiam nos recantos mais secretos de suas mentes, era o Hitler que os levaria de volta ao amor próprio.
A Alemanha de Hitler era tão paranóica quanto ele pela submissão humilhante aceita por seus políticos ao Tratado de Versalhes, que a responsabilizou pela Primeira Guerra e lhe impôs pesadas perdas, em territórios e dívidas impagáveis.
Quando Hitler começou a ascender como líder do Partido Nazista, depois da prisão, o país vivia a maior das inflações da história do homem. Conta-se que era preciso levar em um carrinho de obra o volume de dinheiro necessário para comprar um pão.
Ele encarnou, como nenhum outro encarnaria, desde sempre e para sempre, esse rancor profundo e tratou de dar nomes fáceis de digerir aos inimigos comuns que o país amava odiar: os marxistas, os políticos, o capitalismo internacional e os judeus.
Lunático, com a capacidade de oratória hipnótica que lançava as multidões e milícias a delírios e execuções sumárias, conseguiu vender o sonho de uma grande nação pura, eugenicamente homogênea, sem judeus, negros, ciganos, homossexuais e deficientes físicos.
A isso lacrou a ideia de ser um predestinado como um Messias que recebera uma missão divina de restaurar a honra de seu país. Colocava os acidentes de que escapou na Primeira Guerra e os atentados que sofreria depois na conta dessas predestinações.
— Quando eu estava confinado no leito do hospital, veio para mim a ideia de que eu libertaria a Alemanha, que a tornaria grande.
Entre outras coisas, disse:
- “Você se dá conta de que está na presença do maior alemão de todos os tempos?”
- “Não preciso de seu endosso para me convencer de minha grandeza histórica.”
- “Não posso estar errado, O que faço e digo é histórico.”
- “Eu não brinco na guerra. Não permito que os generais me deem ordens.”
- “Sou um dos homens mais duros que Alemanha teve por décadas, talvez por séculos, dotado da maior autoridade em relação a qualquer alemão.”
Um diplomata: “Logo que o conheci, sua lógica e noção de realidade me impressionaram, mas, com o passar do tempo, ele me deu a impressão de se tornar cada vez mais irracional e cada vez mais convencido de sua infalibilidade e grandeza.”
De tocador de tambor anunciando um Messias que viria salvar a Alemanha, passou a se apresentar como o próprio. Passou a fazer mais referências à Bíblia, como a São Mateus, “sou uma voz que clama não deserto”.
— Cumpro as ordens que a divina providência me atribuiu. A Divina Providência quis que eu persistisse no objetivo de cumprir a missão germânica.
De São Mateus, deixou crescer a barba e promoveu-se a a Cristo:
— Ao chegar a Berlim alguns semana atrás e observar o movimento na Kurfurstendamn, o luxo, a perversão, a iniquidade, a exposição indecente e o materialismo judaico me repugnam profundamente, a ponto de eu quase ficar transtornado. Quase imaginei ser Jesus Cristo quando Ele chegou ao Tempo de seu Pai e encontrar tomado pelos cambistas.
Via-se como um Cristo não esmorecido na cruz, mas um lutador másculo, em oposição ao credo judaico-cristão, “com sua ética efeminada e piedosa”.
E acreditava piamente em sua imortalidade e no controle da vida depois da sua morte. Planejava um mausoléu de 200 metros de altura, centro de peregrinação dos alemães para todo o sempre:
— Sei como manter o controle sobre as pessoas depois de morrer. Serei o Führer para quem elas seguem os olhos e voltam para casa para conversar e lembrar. Minha vida não terminará na mera forma da morte. Ao contrário, ela começará.
Langer assegura que ele aprendeu oratória e psicologia das massas com Hanussen, astrólogo e adivinho praticante, guru de um grupo em Munique que acreditava na vinda de um Messias como Carlos Magno para salvar a Alemanha e criar um novo reich.
Daí a ideia de predestinação mágica, somada a um domínio impressionante da psique das massas, como admite Langer ao listar um compêndio de 27 itens de sua sabedoria no manejo de uma plateia, de que falarei em seguida.
Oratória e propaganda
A isso se somou, claro, a máquina de propaganda do amigo Joseph Goebells. É pacífico que não tivesse chegasse a tanto se não fosse por ela.
Os cartazes onipresentes e os rituais de sua entrada triunfal em marcha, sob holofote, sem olhar para os lados, o apresentava muito maior do que sua estatura de escoteiro de pernas finas.
Mas é pouco diante da máquina diabólica que turbinou suas falas e gestos, escondeu tudo o que não convinha e criou a imagem de um novo Cristo.
A propaganda se encarregava de retratá-lo como exemplo de incorruptibilidade, tolerância, magnanimidade, persistência e coragem. Vegetariano e abstêmio, sem vida pessoal e sem mulheres, concentrado 18 horas diárias na salvação de seu país.
Super relativo, sobre-humano, um Messias:
- Um cartaz numa galeria: “Quando ele fala, ouve-se o manto de Deus farfalhar pelo recinto.”
- Cobrindo a parede do congresso do Partido Nazista, sob sua foto: “No início, era o verbo…”
- No topo de uma colina: “Acreditamos na Sagrada Alemanha. A Sagrada Alemanha é Hitler. Acreditamos no Sarado Hitler.”
A única coisa talvez honesta dessa propaganda era sua paixão por Wagner, que ouvia aos prantos e cuja família frequentava. Mas era tal seu poder que, observa Langer, até os colaboradores mais próximos acreditavam na imagem construída.
“Não tenho consciência, minha consciência é Adolf Hitler”, dizia um dos seus mais proeminentes colaboradores, o chefe da força aérea (Luftwaffe) Hermann Göring.
Apesar de estarem lidando com um gestor relapso, que procrastinava as decisões, um interlocutor desagradável e sem humor que falava mais do que ouvia, um covarde que tinha medo de jornalistas, se embaraçava com intelectuais e fugia de situações diplomáticas embaraçosas.
Em particular, um paranoico com mania de perseguição e reações histéricas, capaz de rolar no chão e morder o tapete (teppichfresser), segundo alguns relatos. Uma criança mimada, que, contrariada, dava socos na mesa, gagueja, espumava.
Hermann Rauschning: “Era uma visão alarmante, o cabelo desgrenhado, os olhos fixos, o rosto deformado e roxo, como se fosse sofrer um colapso ou um derrame”.
A história real computa pelo menos três casos de ameaça de suicídio em situações de pirraça e restos provado que tomava um coquetel de remédios para dormir e de um drogas para se manter acordado: cocaína, heroína, morfina e metanfetamina.
No que diz a respeito a mulheres, não era bem o caso de um monástico. Nos longos anos em que manteve uma relação um tanto quanto protocolar com a fotógrafa Eva Braun, intercalou uma série de mulheres de cinema que entravam e saíam da chancelaria.
Walter Langer ilustra bem que a Alemanha acreditava na imagem fabricada e o atribui ao que de fato era a grande e irrevogável habilidade dele, para além de tudo o que a propaganda pudesse fazer: um conjunto de talentos inigualáveis e nunca superados de entender e manipular a psique das massas.
Kurt Georg W. Ludecke: “Hitler tem um poder inigualável para aproveitar cada brisa e transformar num redemoinho político. Nenhum escândalo oficial era tão insignificante que ele não pudesse transformá-lo em traição nacional”.
Langer lista 27 deles, que resultam num conjunto de regras básicas, uma checklist de estratégias para conquistar e dominar multidões:
- Nunca deixe o público esfriar.
- Nunca admita uma falha ou erro.
- Nunca reconheça que pode haver algo bom em seu inimigo.
- Nunca deixe espaço para alternativas.
- Nunca aceite a culpa.
- Concentre-se em somente um inimigo por vez e o culpe por tudo que está errado.
- As pessoas acreditarão mais rápido numa. grande mentira do que numa pequena e, se você repeti-la com frequência, mais cedo ou mais tarde várias pessoas acreditarão nela.
Como ele mesmo costumava dizer, aprendeu com a democracia a propaganda, com o comunismo o terror e, com a igreja, os slogans:
— Há pouco espaço num cérebro, ou, por assim dizer, pouco espaço de parede e, se você mobiliá-lo com seus slogans, a oposição não terá lugar para pendurar seus quadros, porque o aposento do cérebro já estará abarrotado com sua mobília.
O principal, o 20, conforme Lager:
— É a firme crença em sua missão e, em público, a dedicação completa de sua vida a essa realização, é o espetáculo de um homem cujas convicções são tão fortes que ele se sacrifica pela causa dos outros e os induz a seguir seus exemplos”.
Ideia e comunicação
Langer vai buscar o fundo desse devotamento à Alemanha na mãe que o traía com o pai que a espancava. O pai seria a Áustria, a que sempre renegou, de onde fugiu para se alistar em fileiras alemãs.
Sua busca de referências fortes, próximas ou distantes como César, Napoleão e Frederico, o Grande, que ele descartava depois de se julgar maior do que elas, são a melhor prova de sua psicopatia.
As metáforas psicanalíticas ajudam a clarear o arcabouço da ambição alimentada pela mais funda rejeição de um filho perdido sem pai e mãe, ao mesmo tempo que remetem a outra das grandes questões suscitadas por esse pequeno grande livro.
A de que, como assegura o autor, “a loucura da Alemanha produziu a loucura de Hitler.”
Não foi só Hitler, o louco, que criou a loucura alemã; a loucura alemã também criou Hitler. Tendo forjado Hitler como seu porta-voz e líder, essa loucura foi levada por seu ímpeto, talvez para muito além do ponto ao qual estava de início preparada para ir. Do ponto de vista científico, portanto, somos forçados a considerar Hitler, o Fürher, não um demônio pessoal, independente de quão perversas suas ações e sua filosofia possam ser, mas a expressão de um estado de espírito existente em milhões de pessoas, não só na Alemanha, mas, em menor grau, em todos os países civilizados.
E, no que me compete, à questão da comunicação. Em que ponto uma comunicação é eficiente se não tiver o personagem perfeito para a hora, aquela hora da ideia chegada de que fala Victor Hugo.
Joseph Goebbels teria conseguido o mesmo com Lenine, Fidel Castrou ou Napoleão, se não houvesse a hora de que fala Victor Hugo? Ou, tendo só a hora da grande ideia, seria eficiente se não tivesse o líder que a encarnasse?
Remete sempre ao dilema do ovo e da galinha. Mas eu ainda acho que é sempre o homem, como o prova muito bem Hitler e seu poder de hipnose coletiva, que puxa a propaganda. Nunca o contrário.
MANOEL AFONSO diz
Um pouco cansativo por sua extensão, mas demonstra a facilidade do jornalista em lidar com um tema tão fascinante e complexo. Manoel Afonso – Campo Grande – MS (mcritica@terra.com.br)