Petista perde o medo de assustar a elite conservadora e, como Bolsonaro, aposta na radicalização para fortalecer base própria e arrastar indecisos anti sistema
Para surpresa zero de quem o conhece e muita da maioria que apostava num novo Lula Paz e Amor para ampliar seus apoios na centro direita, Lula passou a chutar o pau da barraca nos últimos dias.
Em pelo menos cinco episódios que o Lula cauteloso da pré campanha desaconselharia, partiu para o velho modelo de ataque consagrado no modo petista de assustar a classe média e a maioria conservadora que, em princípio, andava preocupado em cativar.
- Defendeu a legalização do aborto,
- atacou o modo de vida da classe média,
- chamou a elite brasileira de escravagista,
- insuflou a militância a cercar casas e familiares de parlamentares,
- condenou o boicote internacional à Rússia: “é uma bomba atômica”.
Misturou o modo Marilena Chauí de ódio à classe média com o sindicalista de porta de fábrica que imprecava contra a zelite e o líder capaz de subestimar a inteligência da plateia como nenhum outro, esquecido de suas afinidades com as elites que ataca.
Num primeiro momento, achei que, como todo ser humano pressionado e desconfortável por ostentar por 24 horas diárias um personagem em que não acredita, ele tinha enchido o saco.
Ou que, irritado com pressões internas a cada dia mais insuportáveis dentro do próprio partido, pudesse estar querendo minar os acordos que fez e até mesmo o modelo de candidatura que as circunstâncias lhe impuseram. Ou a própria candidatura.
Depois de achar estranho que esteja adiando ao limite a confirmação dela, tomei como enigmática a última abordagem sobre a aliança com Geraldo Alckmin, seu carimbo de boa vontade com a centro direita.
Foi a primeira vez que não a colocou como certeza. Disse em entrevista que vai levar o nome do ex tucano à aprovação do PT. Que pode ser tomado como uma formalidade gentil, mas fora do padrão para quem não tinha tido esse cuidado até então.
Até que me dei conta de que ele pode estar vendo valor eleitoral na radicalização, preocupado com os números nas pesquisas, a figura indefinida e o conselho de velhos amigos.
Suas indicações de voto nas últimas sondagens empacaram e até caíram um pouco, embora ainda superiores, mas com sinais nada desprezíveis de que possam chegar a um empate técnico com Bolsonaro, nas próximas semanas.
Precisa reverter o quadro e perseguir o objetivo sonhado a certa altura de liquidar a fatura no primeiro turno, de modo a evitar um segundo turno sangrento e imprevisível.
Em decorrência disso, pode ter interpretado que a figura indefinida que arquitetou ou lhe arquitetaram não é um ativo eleitoral valioso num eleitorado que continua procurando um candidato antissistema, como Bolsonaro se anunciou e continua se anunciando, sem sê-lo.
Além de ativo ruim, pode estar lhe custando votos em suas hostes e é preciso assegurar esse apoio como ponto de partida. Também como Bolsonaro vem fazendo e crescendo, apostando no discurso radical para a militância idem.
Pode estar, nesse sentido, atacado pela síndrome que o empurrou para a rua ao final da campanha eleitoral de 2014, quando a militância petista fazia corpo mole (ele inclusive) por Dilma Rousseff e havia um clima favorável crescente ao adversário Aécio Neves.
Peguem vídeos da época para conferir um Lula transtornado, descabelado, quase irreconhecível, atacando o tucano abaixo da linha da cintura com insinuações a bebidas e drogas, numa série de comícios rápidos pelo país. (Não me esqueço da amiga lulista de carteirinha: “esse Lula não me representa”.)
Nessa linha, o raciocínio é: garanta a base que você tem, porque, se você estiver na frente, puxa o resto dos indecisos, na velha e nunca superada atração afrodisíaca despertada pelo poder.
E, uma última hipótese, é que esteja dando ouvidos a velhos e sábios companheiros como o jornalista Ricardo Kotscho, ex-assessor de imprensa, mentor e amigo de copo, incomodados com o jeito manso adotado até aqui.
Num artigo pungente que rodou até em grupos de WhatsApp, ele implora pelo velho Lula que mobilizava mentes e corações, que fazia a hora e não esperava acontecer.
— Sai logo pra rua, nego velho, ali é o teu lugar. Volta pra de onde você veio, pega o peão a unha, como fazia o Lula da Vila Euclides para enfrentar a ditadura. O dia 2 de outubro já está chegando….
Como Lula ainda não errou estrategicamente desde que ganhou a primeira eleição para presidente e já deixou o status de humano que não se cansa dos personagens que interpreta, convém prestar atenção.
> Publicado no Estado de Minas, em /4/2022.
Deixe um comentário