Guerra na Ucrânia expõe frouxidão dos líderes ocidentais, mas também criatividade e modernidade da civilização ocidental contra o anacronismo do império russo
Das poucas vezes em que não me irrito com a opressão do politicamente correto que derivou para várias formas de terror sobre o que falar, pensar e agir, costumo ter um pouco de vontade com a ideia de que esse novo mundo pode ser melhor para meu filho.
Pode ser um lugar de forte censura, controle social de um Grande Irmão multifacetado à moda de 1984, de Orwell, castas de minorias com vozes isoladas em seu lugar de fala, mas menos violência na escola. Meu filho deverá ser mais obediente, um tanto quanto servil, mas menos agredido e bullyinado. Imagino.
O delírio me ocorreu diante da tese que circulou em círculos pensantes mais à direita, em meio à reação inicial tímida dos líderes ocidentais à invasão da Ucrânia, de que o modelo de vida ocidental está deixando os homens mais frouxos.
Teria criado uma geração de fracotes amedrontados, de menos testosterona, que se reflete no perfil dos principais presidentes que hoje comandam o mundo civilizado.
Contra o estilo Vladimir Putin de reconstruir um império a porrete, formou-se uma galeria de panguás cheio de dedos de quem perdeu o bonde: Emmanuel Macron da França, Boris Johnson do Reino Unido e Joe Biden dos EUA.
Perdemos uma Angela Merkel na Alemanha por um socialista utópico (com o perdão da redundância) e ganhamos o filho de Pierre Trudeau no Canadá, um vexame no enfrentamento do movimento anti vacina. Dois dos últimos brucutus estilo Putin, eleitos para mudar o quadro, Donald Trump e Jair Bolsonaro, estão desmoralizados.
Tem mesmo certa frouxidão comprovável em nossas referências culturais, no cinema, na TV, nas artes, na imprensa, no comportamento cotidiano, no café da manhã, na escola, no trabalho e, claro, na balada.
O homem alfa está semi morto na cultura ocidental. Só ainda bate muito em mulher em lugares, como no Brasil, onde a cultura jurídica ainda é alfa. Os juízes podem até ser progressivamente gays em espírito, mas alfas ao pé da lei.
Em 30 anos, estima-se que o número de variações gays será superior à dos chamados cisgêneros, essas pessoas que se acham no direito de se verem como mulher ou homem apenas porque nasceram com vagina ou pênis.
Se a cacetada testosteronal de Putin suscita a ideia de frouxidão de uma civilização que construiu as cidades a ferro e fogo, também sugere que estamos melhores do que nunca em superioridade moral e tecnológica. Na medida em que não precisamos mais matar gente para asfixiar ditadores.
A Rússia que ameaçou usar ogivas semi nucleares em sua guerra quase doméstica, num óbvio sinal de fraqueza, amanheceu nesta segunda-feira sob um hecatombe de dimensões atômicas em seu sistema financeiro.
Ao invés de apertar o botão vermelho de disparo de mísseis intercontinentais, os líderes panguás mandaram digitar alguns códigos que isolou o seu sistema bancário do resto do mundo e sequestrou as reservas de seus bancos centrais fora do país.
Como se um exército inimigo invadisse e saqueasse todas as riquezas acumuladas em seus cofres, o saque planetário a partir de um teclado derrubou sua moeda, sua bolsa, suas empresas.
Mantido o bloqueio por mais tempo, vai quebrá-las ao redor do mundo e colocar em risco as reservas também de seus cidadãos, sobretudo a dos oligarcas que sustentam o regime e que, não por acaso, adoram o Ocidente para fazer investimentos.
Paralelamente, enquanto suas rotas aéreas e eletrônicas vão sendo abortadas, o jovem presidente da Ucrânia põe em marcha algumas mensagens de resistência numa rede de 18 milhões de seguidores mais poderosa que blindados, aviões, submarinos e ogivas.
Sim, o Instagram, o Twitter, a tecnologia que põe ou tira aviões do ar, derruba ou impulsiona a internet, bloqueia o dinheiro do último cidadão da Antártida e pode sequestrar o dinheiro dos oligarcas em qualquer lugar do mundo, são conquistas da civilização que construímos. A maioria dos avanços tecnológicos desde sempre, sobretudo nos últimos anos, é produção ocidental.
Que torna um anacronismo ditadores de canhão e TV estatal, sonhando em reconstruir e controlar um império a bala. Como é o caso de Putin, de seu parceiro na China e de seus similares no Oriente, em parte estacionados no século XV.
Apesar de nossas falhas morais e de nossas derrapagens, uma Venezuela ou uma Cuba aqui e ali, nosso meio de vida ainda é o da criatividade que move, destrói e reconstrói quando preciso máquinas, ditaduras, democracias.
A questão então nem é de democracia versus ditadura, liberdade versus despotismo, mas de modernidade contra o atraso. A civilização ocidental trava uma guerra sem armas convencionais que deixa patente o quanto Putin e seus iguais estão anacrônicos.
Não é certamente casual que a população da Ucrânia, majoritariamente e em apoio de 94% a seu líder, quer estar ligada a esse mundo, assim como ocorre com todos os países que o experimentam. Desde pelo menos a derrubada do Muro de Berlim, quando as diferenças de modo de vida entre as Alemanhas oriental e ocidental ficaram gritantes.
Pode ser que um dia os impérios russo e chinês, bem como as ditaduras religiosas orientais, se modernizem. Assim como pode ser também que o cerceamento da liberdade e da divergência, primeira condição da criatividade e do progresso humanos que fez a diferença para o Ocidente, nos leve de volta às cavernas.
Mas esses movimentos costumam levar séculos, às vezes milênios. A turma do politicamente correto e de vocação gay, muito criativa aliás, maioria nos meios mais influentes (universidade, imprensa e indústria cultural), ainda tem muito terreno a conquistar e muita guerra a travar antes de nos destruir.
Ou não, nunca. Nossa civilização tem a vantagem, ainda insuperável, de corrigir-se.
> Publicado no Estado de Minas, em 1/3/2022
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