País não tem mais tempo para fetiche de eleger neófitos em política e servir de laboratório para trainees sem experiência de articular, negociar e conceder
Sérgio Moro passeou entre lideranças partidárias importantes na última semana, animando o fã clube que torce por sua candidatura a presidente como bala de prata da terceira via contra Lula e Bolsonaro .
Reprisa o tipo de fetiche recorrente na história recente brasileira de que uma celebridade de forte apelo popular sem nenhuma vivência política pode salvar o país.
Teria carisma, independência, apoio social e autoridade moral suficientes para reordenar o jogo político, mobilizar a sociedade num grande projeto nacional e impor uma pauta moralizadora que tire o país de sua crise moral, também recorrente.
Foi o caso em outros tempos de Silvio Santos, Pelé, Joaquim Barbosa, José Luiz Datena e até por último Luciano Huck, que enganou até raposas felpudas como Fernando Henrique Cardoso e Roberto Freire, defensores sinceros de sua fama de animador de auditórios para enquadrar o mundo político.
Contra as piores evidências de viabilidade e resultados práticos, nos casos em que a habilidade e a capacidade de gerir alguma coisa foram suplantadas pelo marketing de gênero, que é outro nome para usar fama em detrimento da competência articuladora.
A história da democratização conta três desastres recentes e simbólicos: a primeira mulher prefeita de uma capital, Maria Luíza Fontenelle, de Fortaleza; o primeiro prefeito negro de uma capital, Celso Pitta, em São Paulo, e a primeira mulher na presidência da República, Dilma Rousseff.
Sergio Moro só tem fama e a ideia de moralismo que é comum a todas as celebridades salvadoras. Faltam-lhe o principal delas, carisma, e tudo o que pelo menos as celebridades postes de gênero desastrosas tiveram: estrutura partidária e um padrinho.
Sequer tem uma oratória minimamente empolgante. Acostumado mais a redigir que a falar, mais em tese do que em fatos, incapaz de fazer comparações e fulanizar suas acusações, é um orador teórico, monocórdio e um tanto quanto desconfortável que a voz anasalada só agrava.
Pode até se dar bem na campanha, se tiver competência e humildade para terceirizar a articulação algum gênio de de jogo de cintura agregador e a comunicação para outro gênio que consiga disfarçar seu jeito porteira de empatia.
Não me esqueço de Francelino Pereira, um quase gago carismático como uma torneira, nas primeiras eleições totalmente livres do regime militar, em 1982, quando ainda se podia controlar a mensagem pelos meios restritos de comunicação. Seu marqueteiro genial o fez passar por gênio eloquente no programa eleitoral da TV, com as bruxarias da edição.
Orador ruim e anasalado, Sérgio Moro pode passar a campanha sem falar, abusar de falas e imagens editadas de seu passado glorioso à frente da Lava Jato, a cruzada histórica que pela primeira vez em quinhentos anos colocou o baronato na cadeia. Pode dispensar debates, como fazem quase todos os que estão por cima.
Problema é governar depois, sem poder editar falas e fatos, onde é mais difícil terceirizar a articulação e administrar o país a golpes de marketing, como veio tentando Jair Bolsonaro em quase três anos, produzindo média de três crises por mês.
Bolsonaro se tornou um tipo de celebridade e poste de si mesmo, muito carisma e nenhuma capacidade de articulação. Levou dois anos para descobrir que precisava comprar o Centrão e até hoje, apesar de ter pago caro em liberação de verbas e cargos, perde quase todas as votações no Congresso.
Neófitos como Moro levam mais tempo e pagam mais caro para domar o serpentário. Não porque o pântamo brasiliense e de nossos costumes políticos tenha certo tipo especial de serpente, mais faminta, mas porque assim é em qualquer lugar do mundo.
Desde que começou a formar vilas e cidades, que o homem precisa articular, negociar e conceder para tocar a organização e o progresso de suas sociedades, com variados graus de interesse, conforme a região.
Aqui já se comprou em dinheiro vivo, depois por cargos e por fim por emendas ao Orçamento, além do tráfico geral de influência que anima o poder desde sempre. Em democracias avançadas, a compra é mais em cima, em torno de trocas mais republicanas e transparentes.
Neófitos sem qualquer experiência anterior no difícil exercício de sentar à mesa para negociar e conceder, onde é preciso compartilhar ganhos e perdas em comum, tendem a querer ordenar o mundo à sua maneira.
Em artigo de 2012, quando Joaquim Barbosa vivia a fama momentânea de Sérgio Moro no julgamento do Mensalão no STF, escrevi um artigo conjecturando como que, por sua rigidez moral, não passaria de advogado de sindicato se tentasse uma carreira política.
Leia: E se Joaquim Barbosa fosse Lula? Sobreviveria?
Neófitos de qualquer ramo, celebridades de moralismo rígido ou postes de qualquer origem não sobrevivem nesse meio porque lhes falta, antes de tudo, humildade.
Inebriadas do poder transitório da fama, incorporam-se de um poder que não têm. Em geral arrogantes sem se perceberem, cheios de certezas mal fabricadas por uma leitura apressada da realidade, tendem a desqualificar os adversários como inimigos ou sabotadores. De interesses desqualificáveis.
Precisavam passar primeiro pela melhor escola que conheço, por convívio de bastidor em mais de 40 anos, o Legislativo. Espécie de universidade de habilidade, com mestrado em articulação e pós-graduação em malemolência, de onde ninguém sai sem aprender a articular, negociar e conceder por objetivos comuns.
É para onde recomendo que pessoas como Datena, Huck ou Moro devam ir, antes de se aventurarem ao pico da administração, onde não está em jogo apenas suas carreiras, seus projetos ou mesmo suas vaidades. Mas tocar um país de 220 milhões de pessoas reais, que não pode mais servir de laboratório a trainees.
Nunca tratei de Datena, volta e meia mordido pela mosca azul de um grande cargo executivo. Mas é o mesmo que já sugeri em outros textos para Huck. Que abaixe a crista e se submeta primeiro a essa escola, candidatando-se a vereador, deputado estadual ou federal.
A senador, vá lá, se tiver um respaldo nacional, como deveria ser a meta de Sérgio Moro hoje. Seu estado deve adorar a ideia. Além de ser uma eleição mais segura, vai cumprir as etapas imprescindíveis à formação de liderança (que é para o que os Legislativos são feitos) e, uma vez no Planalto, ter a voz que não teve na planície.
Como parte do seu fã clube, sou porém dos que torcem para que se candidate à presidência para pôr fogo no parquinho das eleições , apesar de saber que não é o candidato ideal para o país que não tem mais tempo de experimentar novo trainee depois dos dois últimos estagiários desastrosos.
Torço para que tenha a projeção que não teve para se defender do massacre que sofreu à direita e à esquerda, até por sua incompetência oratória, e dar a última versão sobre a Lava Jato, depois da desastrosa que lhe deu o STF de Gilmar Mendes.
Depois eu penso se voto nele. Vai depender de que seu adversário num eventual segundo turno seja pior do que ele em capacidade articulatória para fazer as coisas acontecerem. O que é difícil.
> Publicado no Estado de Minas, em 5/10/2021
Deixe um comentário