Voto de vingança explica a influência de Lula dois anos depois de ter sido banido e do fiasco do governo Bolsonaro
Se Lula tivesse feito há dois anos atrás o discurso com que foi recebido ao som de trombetas hoje, não seria ouvido.
É o mesmo discurso do velho encantador de serpentes que:
- usa expressões que o povo entende (picanha, marmita, pão com manteiga e futebol),
- tem uma fala adequada a diferentes públicos, o interno e o externo, que acena para o empresariado e a classe média sem machucar seus sindicalistas, e vice-versa,
- vai da afinidade com a rotina mais comezinha do trabalhador a articulações sobre economia, saúde e ambiente que poderiam ser ditas na ONU,
- escolhe com maestria os inimigos (desta vez Moro, Imprensa e Bolsonaro),
- posa como ninguém de vítima que não guarda rancor.
O que muda o quadro hoje é que há disposição de ouvi-lo depois do fiasco da aposta que se fez no capitão que tinha vindo para bani-lo, por bons motivos, da vida pública nacional.
A isso se dá o nome de vingança.
Assim como a maioria do eleitorado votou em Bolsonaro para se vingar do engodo que lhe passou o PT, agora boa parte desse eleitorado quer se vingar com ele do engodo em que foi metido há dois anos.
Se é verdade que vingança é um prato que se come frio, em política é aquele que os maestros da retórica exploram a quente.
Escrevi há pouco tempo que o eleitor vota até no diabo, como votou, para evitar o capeta. Mas depois, se preciso, vota em outro para tirar o anterior.
Desde que apareça um bom capeta no mercado, como é o caso de Lula nas atuais circunstâncias.
Ele é hoje a única miragem disponível capaz de fazer Bolsonaro estremecer e afrouxar a prepotência com que ajudou a enfiar o país no buraco.
Não à toa, logo depois que Lula defendeu posição contrária e óbvia à dele, em defesa da vacina (“não ouça esse presidente imbecil”), Bolsonaro correu para fazer de máscara uma cerimônia para assinatura de compra das vacinas da Pfizer e da Johnson.
Ao mesmo tempo, o filho Flávio foi flagrado pedindo a seus multiplicadores nas redes o que parecia impensável no tempo em que jogavam contra o esforço da medicina e da sociedade. Sobre uma foto do pai:
— Vamos viralizar: “Nossa arma é a vacina”.
Eu me perguntava até há pouco se não havia alguém ao redor que Bolsonaro ouvisse, capaz de pará-lo. Que o encostasse na parede e o convencesse de que passa dos limites ao sair sem máscara, fazer aglomeração e pregar contra vacinas e prevenção, na contramão do mundo.
Não parecia haver ninguém até ontem. Só, agora, Lula.
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