Em 46 de seus 100 anos bem vividos, Folha de S. Paulo adotou o modelo militante que fez de todos culpados e a projetou como maior e mais indispensável jornal do país.
Dos 100 anos bem vividos da Folha de S. Paulo, completados na sexta-feira, pode-se considerar relevantes os últimos 46, contados a partir de 1974.
Começaria ali a reformulação de Cláudio Abramo que lhe tiraria o ranço direitista e provinciano, que fazia dela uma cópia tacanha de seu vetusto concorrente, O Estado de S. Paulo.
Inauguraria seu projeto pluralista de opinião, uma demanda da descompressão do regime militar, na segunda metade da década.
O que viraria sua marca e sua alavanca, expandida por Boris Casoy — depois que o regime militar pediu a cabeça de Abramo — e exagerada por Otávio Frias Filho, a partir de 1984.
O jovem advogado discípulo de Abramo deu a feição militante do jornal contra tudo, desde o engajamento na campanha das Diretas-Já e depois de uma limpa na Redação, em que demitiu todos os veteranos, resistentes a suas mudanças.
Que substituíam os padrões comportados do jornalismo de conhecimento reflexivo por um espécie de farofa no ventilador, contra “tudo isso que está aí”, como se dizia à época.
“A Folha publica tudo o que sabe” era o mote do seu autodenominado jornalismo investigativo, múltiplo e apartidário, mas que redundou numa seção de tiro livre e edição caótica em que todo mundo era culpado até prova em contrário.
Mas que foi determinante para transformá-lo no maior e mais influente jornal do país, desde então e até hoje. Desbancou então do posto o icônico Jornal do Brasil e fez todos os outros comerem poeira, a partir daí.
Aparou suas arestas depois, se equilibrou, ficou mais profissional e, tanto quanto possível, isento. Por conta de sua gênese e de seu envolvimento ainda provinciano com seus amiguinhos da USP, nunca perdeu o ar de militância.
O que lhe dá um viés incontornável de esquerda, ainda que se esforce para ser liberal no sentido econômico do termo e se enquadre no sistema capitalista que lhe sustenta.
Nos últimos tempos, foi acometido dos males de rede social que dilapidaram econômica e politicamente toda a mídia tradicional.
Atualmente, tem que lutar como no início para ter relevância e sustentabilidade, se diferenciando de um modelo em que o excesso, e não a falta de informação, contribui para o obscurantismo.
Mas se equilibra íntegro e continua sendo de longe o mais investigativo, palpitante, completo e indispensável bastião do mercado de notícias nacional.
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