Daenerys Targaryen teve três dragões devotos que criou como filhos, o apoio de seu povo, a lealdade de seu exército, um forte sentido de missão e competência para fazer alianças, fazendo partilha de reinos, cooptando ou eliminando adversários.
Foi amada e temida.
Chegada a hora, com uma arma imbatível, uma base coesa e a missão de implantar um tempo de paz, justiça e prosperidade, caminhou com força e quase unanimidade para retomar o trono dos sete reinos usurpado pela tirana Cersei Lannister.
O final em que põe tudo a perder, por ambição desmedida em substituir a tirania velha pela sua, não elimina o fato de que poderia ter atingido seu objetivo. Desde que tivesse tido a grandeza de evitar a vingança e a generosidade de dar uma saída honrosa seus inimigos.
Me remete a Jair Bolsonaro, ainda que seja pretensioso e um tanto ridículo compará-lo com os gigantescos e complexos personagens de Games of Thrones, a estupenda série de múltiplas leituras que encerrou oito temporadas revisitando tudo o que se pode saber sobre conquistar e manter poder.
Mas como evitar, se, apesar de oito mandatos de representante do povo, ele parece nada perceber da natureza das rivalidades, lealdades e traições que compõem os múltiplos reinos de Brasília?
Sua arma de poder imbatível foi/ainda é o forte apoio popular em que chegou montado com a lealdade de sua tropa e um sincero sentido de missão de mudar o país.
Ainda era amado e temido.
Mas, chegada sua hora, contou demais com o poder de seus dragõezinhos domésticos que lhe empurraram na campanha, como se não se precisasse mais do que deles para proteger e assustar o povo.
Com eles e, só com eles, distribuiu a estranhos os bens disponíveis, em forma de Ministérios, e zombou dos prováveis aliados que precisaria conquistar. Pior, achou que poderia dividi-los e, não conseguindo, teve que ceder apoio a um dos seus líderes.
Quando precisou deles, já não tinha o que compartilhar e nem autoridade para usar a força desse líder que nada mais lhe devia. Ignorou duas lições básicas de qualquer fã de GoT, velhas como Maquiavel:
- Quando dois vizinhos estiverem brigando, convém escolher um lado, porque, se omitir, o perdedor não o perdoará e o vencedor o dispensará.
- O inimigo, você conquista ou destrói. De perna quebrada, ele ainda pode atacá-lo ou se aliar a quem possa.
Quando sentiu as primeiras traições, se recolheu à força de seus dragõezinhos que a essa altura produzia mais incêndio que solução e apoio popular, já agora um tanto desgastado de não ver rumo.
Cruel para quem precisa dominar esse ou qualquer reino, já não parecia mais amado e nem temido. Quase ridículo, até.
Por previsível em todo vácuo que se abre na falha do príncipe, ele acabou cedendo largo espaço de manobra. E, por azar, a um bastardo caviloso, em tudo diferente de Jon Snow, o renegado ético mas vacilante dos Starks.
Bastardo que saiu ao pai na competência para juntar aliados e manipular a vontade do povo, sem precisar de qualquer dragão, Rodrigo Maia definiu a pauta, se assenhorou dos aliados disponíveis e elevou o preço das alianças e das barganhas.
Não tem dragões, nem apoio popular e nem um sentido de missão atraente, mas tem o poder para definir as prioridades, maleabilidade para costurar alianças e alta competência para minar a força dos concorrentes.
Começou por pautar a mãe das reformas, a da Previdência dos súditos, quando todos os conselheiros experimentados dos vários reinos, inclusive ele, sabiam que era temerário colocá-la antes de uma pauta palatável que desse fôlego ao novo rei.
Colocou membros do seu exército em postos chaves de decisão nas batalhas e foi manipulando a agenda para espremer o senhor dos dragões até quando o inverno chegar. Paralelamente, foi tratando de cultivar outras alianças fora de suas muralhas, com os senhores da justiça e do capital.
Caviloso, foi assumindo como suas as vitórias e como do novo rei as derrotas. A seu exército de aliados, ofereceu no apoio popular um novo sentido de missão. Foi fechando o cerco de tal forma que, se der certo, tem apoio popular e vira herói de sua gente. Se der errado, devolve o poder ao rei, mas leva os Ministérios.
É o pior falso aliado que a Daenerys de Brasília poderia ter. Com ele à frente, não tem mais força para cooptar e nem destruir. Seus acenos com pequenos butins ao exército alheio têm resultado ridículos.
A essa altura, o que resta do povo em dispersão se consola com a ideia de que seu rei é ético e paga por tentar implantar uma nova política que não dependa de saquear os bens do reino. Ignoram que grandes líderes souberam dividir o reino sem parecer que estavam entregando.
De outra forma, como acreditar que se possa conseguir alianças deixando os prováveis aliados do lado de fora da muralha, enquanto se diverte com os dragõezinhos dentro de casa?
Cersei Lannister achou que podia no penúltimo capítulo e pagou caro por isso.
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